
Dentro do boom que o enoturismo vem gerando em Mendoza, na Argentina, jantar nas dependências de uma vinícola se tornou um programa muito requisitado, especialmente por turistas estrangeiros, ainda mais quando se trata de um menu degustação de alta gastronomia.
A boa notícia é que não é preciso ir até o Vale do Uco para ter uma experiência eno-gastronômica de alto nível, já que há apenas dois anos surgiu essa proposta: uma reformulação do restaurante que existia na tradicional vinícola mendocina Achaval Ferrer. Hoje, o jovem Quimera já possui uma recomendação no Guia Michelin, que reúne várias estrelas na província, sendo que, dos 57 restaurantes selecionados, 15 estão em Mendoza, e cai como uma luva no forte movimento do agroturismo.
Por isso, se você estiver hospedado em Mendoza, a visita ao Quimera é uma das experiências mais interessantes a apenas meia hora de carro da cidade. Localizado na privilegiada região de Agrelo, em Luján de Cuyo, ele proporciona uma vivência excepcional estética e gastronômica.
O posicionamento do restaurante dentro da propriedade merece uma menção especial: cercado por vinhedos – alguns com até 100 anos – e um paisagismo meticulosamente planejado, que inclui agaves nativos e um lago com peixes, o cenário por vezes remete a uma pintura impressionista. O local se aprecia melhor durante o dia e, de qualquer forma, o restaurante funciona apenas no horário do almoço.
As opções do menu são bastante enxutas, com degustações de dois, quatro ou cinco tempos, com possibilidade de harmonização de vinhos. Embora o serviço seja somente mediante reserva, em dias mais tranquilos os clientes são recebidos sem agendamento, porém com um cardápio reduzido de dois tempos, que não aparece na carta ou online, já que a recomendação da chef é vivenciar a experiência completa da degustação.
A concepção do menu é assinada pela jovem e talentosa chef Constanza Cerezo, que, com apenas 28 anos, possui uma experiência robusta em espaços gastronômicos prestigiados de Buenos Aires. Constanza passou uma temporada no restaurante Tegui, trabalhou como confeiteira no Olsen e no Sofitel, foi padeira na Salvaje Bakery e participou em empreendimentos jovens como Lupa, Anafe e Julia, além de um projeto pessoal de curta duração chamado Perso. A chef também passou por experiências no exterior, incluindo o Brae, justamente no ano em que foi eleito o Melhor Restaurante da Austrália.
A proposta de Constanza se destaca pela simplicidade dos pratos, onde sabores, cores e texturas se transformam em pequenas obras de arte, sem negligenciar a técnica e a pesquisa culinária impulsionada por sua curiosidade. Por isso, entre os pratos visualmente impressionantes do menu, a verdadeira protagonista é sempre a matéria-prima, que inclui queijos de pequenos produtores locais, azeite de oliva da casa, vinagre de rosas, ervas aromáticas como alecrim e lavanda, além de outras flores cultivadas na horta própria, fermentação natural e, claro, frutas e vegetais sazonais e regionais.
“Trabalhamos com frutas e verduras disponíveis no mercado diariamente. ‘Los Miguez’ entram em contato com a chef para oferecer os ingredientes mais frescos do dia. Já na horta, contamos com a consultoria de Josefina Alesio. Nossa filosofia se baseia na criação de pratos em equilíbrio com os produtores da região, que nos fornecem o melhor de cada safra. Entendemos que se trata de uma experiência luxuosa que só pode ser vivida aqui e agora. É o momento que a torna especial”, dizem no Quimera.
Destacam-se nesse sentido as entradas frescas, frutadas e aromáticas, como a ricota com cerejas, tomate-cereja e manjericão, além dos picles e conservas fermentadas acompanhadas de queijos “La Linqueñita” e do original tapenade com folhas fritas de Osaka. Outro destaque é a massa folhada com picles de casca de melancia e creme de cebolinha, onde também se evidenciam as habilidades de confeitaria de Constanza.
Os pratos principais sempre incluem algum tipo de carne, atendendo as demandas local e estrangeira, mas com acompanhamentos que adicionam sofisticação e originalidade à proposta. Entre eles, a mil-folhas de batata crocante com sálvia, tomilho e orégano que acompanha o ojo de bife; as uvas frescas e assadas servidas com timo bovino, surpreendendo os clientes com combinações inusitadas; ou ainda as gyozas de cordeiro e a fraldinha com mantekoji de gochujang. O ceviche de frutas de caroço talvez seja o prato mais visualmente impressionante.
O menu se completa com duas opções de sobremesa, que, seguindo o gosto argentino, são menos ousadas em conceito. A opção mais frutada é uma panacota de limão com creme inglês de tomilho-limão, enquanto a alternativa mais doce traz texturas de coco e doce de leite.
Os vinhos também fazem parte essencial da experiência, e vale a pena seguir as recomendações do sommelier para harmonizar os pratos. Além disso, é possível agendar visitas guiadas à Bodega Quimera e à Achaval Ferrer, que incluem passeios pelos vinhedos, um tour pela vinícola e degustações conduzidas em espanhol, português e inglês. A Experiência Quimera, no formato de menu degustação, custa 105 mil pesos por pessoa (R$ 620 na cotação atual), enquanto as opções de harmonização variam entre $ 45 mil e $ 120 mil (R$ 240 a R$ 650).
As Protagonistas
Outro aspecto digno de nota, especialmente considerando que a gastronomia ainda é um setor amplamente masculino, é que as principais lideranças do Quimera Bistro são todas mulheres: a chef executiva, a chefe de cozinha (Florencia Sosa) e a enóloga. Saiba mais sobre a proposta do restaurante com Constanza Cerezo Pawlak, chef executiva do Quimera Bistro, em entrevista à Forbes:
Há quanto tempo trabalha no Quimera/Achaval e o que mais gosta na experiência?
Faço parte da equipe do Quimera Bistro desde o início da obra, em agosto de 2022. Meu papel é projetar e desenvolver a criação do menu para cada temporada, levando em conta os ingredientes disponíveis na horta. O que mais gosto é poder refletir Mendoza por meio dos seus produtos e destacá-los no menu com combinações surpreendentes. Gosto de ter liberdade criativa em cada menu e perceber, ano após ano, como vou refinando melhor o estilo gastronômico do restaurante.
Como é a nova proposta do cardápio do Quimera?
O cardápio de verão tem forte inspiração na culinária italiana, mas, como gostamos no Quimera, utilizamos essa tradição gastronômica de forma inesperada. Para 2025, queremos que o menu nasça da horta, que foi recentemente ampliada. A ideia é que os ingredientes cultivados ali guiem a construção dos pratos.
Como vê a evolução do setor nos últimos anos e o que ainda falta em termos de gênero, diversidade e inclusão?
Faz 10 anos que comecei a trabalhar em cozinhas profissionais. Fico feliz em ver mais mulheres à frente de projetos que servem de referência para outras que estão começando. Também vejo mais mulheres atuando em todas as áreas da cozinha, desde confeitaria até parrilla.
Ainda falta avançar na forma como nossa visão crítica é recebida nas decisões estratégicas, para que nossa experiência e conhecimento não sejam confundidos com “sensibilidade” quando somos mais diretas em discussões. Felizmente, a inclusão de diversidade tem sido mais presente no salão do restaurante, o que reflete a identidade do projeto. Espero que isso se espalhe para outras cozinhas.
A nova linha de vinhos lançada é a Quimerino, fresca, jovem, sem madeira e com excelente acidez, um vinho muito gastronômico e distinto do que costumamos produzir na Achaval. Em 2025, planejamos novos experimentos para que cada garrafa tenha uma identidade única.
Como vê a evolução do setor nos últimos anos e o que falta em termos de gênero, diversidade e inclusão?
O papel da mulher na indústria do vinho nos últimos anos tem sido muito importante, especialmente na tomada de decisões e no reconhecimento. Embora ainda haja muito caminho a percorrer em termos de igualdade e inclusão, em Mendoza existe uma excelente camaradagem entre colegas e grande companheirismo. Apesar dos desafios que enfrentamos as mulheres, continuamos fortalecendo nossa presença na indústria do vinho e seguimos trabalhando em direção a uma maior equidade e representação em todos os níveis do setor.
* Laura Marajofsky é colaboradora da Forbes Argentina e Uruguai, onde escreve sobre mercado, diversidade e psicologia aplicada ao mundo corporativo. Ela é reconhecida por seu trabalho em prol da igualdade de gênero no setor agropecuário.