Determinado a deixar para a filha de um ano um mundo melhor do que esse onde vivemos hoje, o engenheiro de produção Luis Adaime largou uma bem-sucedida carreira no mercado financeiro para criar uma operação inédita de compensação de carbono.
“Boa parte da minha família vive muito próxima ao Pantanal e tenho muitos amigos ambientalistas”, conta o executivo que, por causa da simpatia pelo tema, começou, muitos anos atrás, a aplicar os conceitos de sustentabilidade nos fundos que geria. “Mas percebi que esse trabalho que só teria realmente eco se eu estivesse numa corporação com larga escala, como uma BlackRock”, exemplifica.
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No entanto, ao mesmo tempo em que sentia que precisava fazer alguma coisa, Adaime tinha convicção de que, qualquer que fosse o modelo de negócio, teria que ser algo no qual todas as partes pudessem ter benefícios, por meio de um alinhamento financeiro. Só assim a iniciativa seria sustentável no longo prazo e independente da eterna fórmula da filantropia. “Caso contrário, ficaríamos o resto da vida passando o pires pra pedir dinheiro.”
Em paralelo, graças aos amigos Roberto Klabin, fundador da ONG SOS Mata Atlântica, e Alexandre Bossi, presidente do SOS Pantanal e vice-presidente do Projeto Onçafari, o empreendedor foi apresentado a projetos já estruturados de conservação da Amazônia, capazes de, por meio de atividades de extrativismo da castanha do Pará e do açaí, por exemplo, evitar que áreas enormes sejam devastadas para a criação de gado ou plantio de soja.
“São espaços de 150 mil, 200 mil hectares, certificados internacionalmente”, conta. Isso quer dizer que as atividades dessas áreas evitam, de forma comprovada, o desmatamento e, consequentemente, a liberação de uma quantidade imensa de CO2 no meio ambiente. Isso as habilita a vender seus créditos para grandes corporações, cujas operações poluem o planeta, interessadas em fazer a compensação. “Por pressão da sociedade – principalmente dos consumidores e investidores –, há cada vez mais empresas dispostas a pagar para mitigar seus impactos ambientais. Verizon, Microsoft, Nike, Apple e Amazon são apenas algumas delas”, diz Adaime, explicando que elas fazem a conta de quanto emitem por ano e compram créditos equivalentes. “A JetBlue, sozinha, emite 8 milhões de toneladas por ano de CO2.”
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GANHO TRIPLO
Sem nenhum tipo de assessoria, porém, as vendas dos créditos de CO2 desses projetos, do jeito que estavam sendo feitas, não ajudavam a fechar a conta. Foi aí que Adaime decidiu criar uma intermediadora dessa operação, capaz de comprar volumes muito altos no atacado e revender no varejo, nos moldes do atual mercado livre de energia.
Criada em março deste ano, a MOSS rapidamente pivotou e passou a vender para pessoas físicas – a tendência da compensação vem crescendo em nível mundial e está chegando ao Brasil, principalmente pelas mãos dos millenials. “Lá fora, as pessoas calculam quanto geram de CO2 com suas atividades – normalmente, em média, 10 toneladas por ano per capita – e compram créditos para compensar. Só que, até então, as plataformas existentes para isso eram de doações, ou seja, o dinheiro dos créditos comprados era enviado aos projetos. O que fizemos foi transformar esses créditos em ativos. As pessoas compram e decidem o que querem fazer com eles: neutralizar, vender para as empresas ou guardar”, explica.
Isso significa que, na prática, os projetos ganham, porque continuam recebendo dinheiro, as pessoas ganham, porque podem optar por tratar os créditos como um investimento de longo prazo, e a MOSS ganha ao intermediar o processo. Exatamente o que Adaime queria desde o início. “Pesquisas indicam que as pessoas gastam 20 vezes mais em algo quando se trata de um investimento do que gastariam se fosse uma doação”, conta.
Nesses seis primeiros meses de operação, a MOSS enviou, para projetos selecionados na Amazônia, R$ 55 milhões, valor equivalente a 700 mil toneladas de créditos de carbono. Comparativamente, Adaime cita o orçamento deste ano do Governo Federal para a região – R$ 50 milhões. “Pelo menos 350 mil hectares foram salvos durante a pandemia graças à nossa intermediação”, conta o empreendedor. “Eles estavam prestes a serem vendidos para os fazendeiros.”
Ele explica que, para escolher os projetos participantes, partiu da plataforma Ekos Brasil, iniciativa que conta com o apoio de empresas como Natura e Itaú e responsável por mapear essas ações pelo país. “Dos mais de 30 projetos que eles tinham, escolhemos seis. Mas, para não criar competição entre eles, disponibilizamos um por vez – normalmente o que mais está precisando de recursos.”
Um desses projetos é a Fazenda Ituxi, localizada no Sul da Amazônia. “O mercado de crédito de carbono é muito importante para a região, tem um grande impacto”, afirma Ricardo Stoppe Jr., que faz parte da iniciativa. “E a parceria com a MOSS nos deu a possibilidade de viabilizar a venda do crédito de carbono e pôr em prática uma série de ações que não conseguíamos fazer porque tínhamos dificuldade na venda do crédito. A fazenda possui 150 mil hectares creditados, que são protegidos, e geramos cada vez mais oportunidades para a comunidade local. Os créditos ajudam a manter cada vez mais famílias vivendo à base da mata sustentável, com as melhorias na comercialização de açaí e castanhas, por exemplo, além de viabilizar projetos como o de energia solar.”
MINDSET GERACIONAL
Segundo Adaime, a MOSS é hoje a maior plataforma de carbono do mundo, com 20% de participação global do fluxo de crédito de CO2 do mercado voluntário – o mercado regulado surgiu a partir do Protocolo de Kyoto – e a única para pessoa física. “Os outros 80% são empresas que compram diretamente em plataformas que enviam o dinheiro para os projetos ambientais como doação”, explica.
Atualmente, 95% dos clientes da MOSS são millenials, que compram, em média, US$ 5 mil por ano em créditos. “Esse é o tíquete médio no Brasil, que nem é um país rico”, diz ele, fazendo conta do potencial de consumo dessa geração. “Eles são, atualmente 30% do mundo e 50% da população economicamente ativa do planeta. Só no Brasil, Europa e Estados Unidos, são 250 milhões de pessoas. Se 1% delas gastar US$ 1 mil por ano em créditos de carbono, estamos falando de US$ 2,5 bilhões por ano. Se levarmos em conta que o volume total do mercado voluntário no mundo em 2019 foi de US$ 300 milhões, isso significa multiplicar este mercado oito vezes.”
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Outras vantagens são a facilidade que os millenials têm de entender o propósito do negócio – 93% deles, indicam estudos, só investem se houver um impacto social – e a familiaridade com a tecnologia. Ou seja, é um cliente cujo investimento na captação é baixo. “Não levamos mais do que dois minutos para convencer um millenial a comprar conosco, enquanto para conquistar um cliente da Geração X são preciso três ou quatro conversas e da Baby Boomer cerca de 10 interações”, diz o executivo.
RESERVA DE VALOR
Adaime explica que o crédito de carbono do mercado voluntário não expira, ao contrário do mercado regulado, onde a validade é de um ano. Além disso, a demanda está crescendo de forma exponencial. Há 12 anos, a média de emissões por ano era de 25 bilhões de toneladas. Atualmente, são 55 bilhões, graças principalmente ao crescimento da Índia e da China. Isso significa que, se todo mundo resolver compensar ao mesmo tempo, não há oferta. “As certificações são demoradas – três a quatro anos – e caras, ao redor de US$ 500 mil.”
Esse cenário cria um ambiente propício para os investidores. Além disso, Adaime aponta outras vantagens. “Como é um ativo intangível, não é como se você estivesse comprando um pedaço da floresta que, um dia, pode pegar fogo. Ele ainda existirá mesmo que isso aconteça”, explica. Outra vantagem é o fato de ser em dólar. “É uma reserva de valor”, diz o executivo, que já prevê uma demanda quatro vezes maior no mundo em 2020 na comparação com 2019.
As operações, que começaram, seis meses atrás, a US$ 6 por crédito de carbono (uma tonelada de CO2) vendido, já estão em US$ 16. “Ainda assim é muito mais barato do que as plataformas internacionais como a Atmosphere, que cobra US$ 27 das empresas”, diz Adaime, garantindo que a transação não demora mais do que três minutos para ser concluída e pode ser feita por meio de boleto, TED e, nos próximos dias, também cartão de crédito.
Para aumentar a liquidez do negócio – que tem gerado, em média, R$ 4 milhões em transações por semana –, a MOSS decidiu pela tokenização dos créditos e criou a CO2, que permite que eles sejam negociados também em bolsas cripto. Para isso, fechou uma parceria com a corretora de criptomoedasFlowBTC e está finalizando um acordo com uma empresa de meios de pagamento. Desde o dia 1º de outubro, quando o negócio começou a operar, 1,7 milhão de toneladas de CO2 foram vendidas, gerando US$ 28 milhões.
À frente do negócio, Adaime – que, junto com outros cinco sócios, incluindo Roberto Klabin e Alexandre Bossi, detém 85% do negócio (15% são de investidores que aportaram US$ 1,5 milhão na empresa em junho) – fixou residência no Uruguai para, de lá, coordenar a internacionalização da empresa, avaliada em US$ 10,5 milhões.
“Minha meta é comprar a US$ 10 e vender a US$ 17. Quanto mais eu pagar para os projetos, menos risco eles correm de precisar aderir a outras atividades nocivas ao meio ambiente para sobreviver e mais deles vão surgir. Já tem quem está deixando de plantar soja para investir em iniciativas de preservação. Todo mundo ganha, menos as compensadoras, porque a poluição tem que ser cada vez mais cara.”
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