Há uma tendência global na direção das cidades alcançarem uma rede de transporte mais sustentável e equitativa para todas e todos. No entanto, a presença das mulheres em cargos de liderança ainda é mínima no setor de transporte. Mesmo quando ocupam cargos de liderança, elas continuam lutando contra os mesmos estereótipos que dificultaram a garantia de seus cargos.
É sabido que mulheres e homens têm diferentes usos de transporte devido a diferenças em fatores sociais, econômicos e físicos. As mulheres, quase sempre, têm a responsabilidade primordial na casa de cuidar dos filhos e do trabalho doméstico. Ademais, se deparam com padrões de uso do tempo e características de emprego diferentes em relação aos homens e, principalmente, com menos recursos financeiros.
O que se percebe é que a mulher é mais propensa a caminhar e usar o transporte público como meio de mobilidade. Assim, a modelagem de viagem delas é mais complexa do que a dos homens. Essa diferença mostra as consequências adversas quando o planejamento de transporte se concentra principalmente no deslocamento.
À medida que mais mulheres estão entrando nos papéis de tomada de decisão, as redes de planejamento de transporte devem espelhar essa mudança.
É forçoso reconhecer a necessidade de se implementar políticas destinadas a melhorar a igualdade de gênero, como favorecer caminhadas, ciclismo e transporte público coletivo e seguro. Em outras palavras, privilegiar o design centrado nas pessoas e a inclusão de gênero no desenho de mobilidade urbana.
Em Fortaleza, no Ceará, é possível ver avanços na descarbonização do transporte e na transformação do espaço público, assim como o urbanismo centrado nas pessoas.
Seguindo o conceito inovador e ousado de Micro Parque, a cidade de Fortaleza transforma áreas degradadas em pequenos parques urbanos, unindo meio ambiente, primeira infância e educação. Onde antes havia tráfego intenso, hoje há espaço para relaxar e socializar.
O plano de mobilidade sustentável promove o ciclismo e o transporte público. A cidade planeja aumentar as ciclovias de 370 para 500 km até 2024.
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Especialistas apontam que tão importante quanto ter uma vasta malha cicloviária é, também, torná-la acessível. Isso porque, em Fortaleza, as bicicletas não são usadas apenas como esporte ou lazer, mas principalmente como forma de se locomover para o trabalho ou escola.
Na acessibilidade às ciclovias, Fortaleza volta a sair na frente das outras cidades brasileiras. Segundo os dados da plataforma MobiliDADOS, atualizados em 2021, a capital cearense possui 47% da população morando próxima às ciclovias.
Outro ponto de destaque é um plano de ação para incentivar que 75% das vias da cidade tenham velocidade máxima de 50 km/h, com instalação de radares e melhoria da sinalização.
Esses projetos, hoje políticas públicas, são bons exemplos de uma mobilidade equitativa, pois beneficiam mulheres, idosos, crianças e moradores de baixa renda que vivem em áreas periféricas mas se deslocam regularmente para bairros centrais.
O que o poder público tem feito em Fortaleza é priorizar as pessoas. A mudança cultural na mobilidade já está acontecendo. Este é um momento de oportunidade e não de barreiras, e se houver ainda mais ambição e vontade política, a mudança deixa de ser orgânica e será exponencial.
Como Fortaleza viu um aumento significativo no ciclismo durante os últimos anos, a cidade aproveitou essa oportunidade para agregar infraestrutura para pedestres e ciclistas, principalmente recuperando o espaço da rua anteriormente dedicado a carros particulares.
O mundo da bike há muito considera a diferença de gênero como um fator excludente. A principal questão é a segurança – as mulheres se mostram mais inseguras e isso costuma as impedir de andar de bicicleta na mesma proporção que os homens. Infraestrutura de alta qualidade para bicicletas ajuda a diminuir a diferença de gênero.
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Os últimos governos de Fortaleza ampliaram ainda mais o sistema público de compartilhamento de bicicletas para áreas periféricas da cidade, proporcionando aos cidadãos de baixa renda uma alternativa de transporte acessível e eficiente para se locomover.
Por fim e não menos importante, Fortaleza entende como estratégico o combate ao assédio e a violência que as mulheres enfrentam no transporte público. Desde 2018, a plataforma digital Nina é parceira do sistema de transporte urbano na proteção e na educação ao assédio sexual nos ônibus, paradas e terminais públicos.
O Plano de Gênero e Mobilidade da cidade não apenas aborda a desigualdade de gênero no ambiente de transporte e mobilidade, mas também os dados de mobilidade e conscientização sobre questões de gênero, como assédio nas ruas.
É imperativo introduzir uma perspectiva de equidade na agenda de mobilidade. O caminho para preencher a lacuna começa com inclusão e empoderamento. O importante é acertar o alvo sem perder o ponto.
Haroldo Rodrigues é sócio-fundador da investidora in3 New B Capital S.A. Foi professor titular e diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Universidade de Fortaleza e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Ceará.
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