A agricultura sempre foi uma corrida contra o tempo. Todos os anos, a população mundial cresce e os agricultores do mundo se esforçam para alimentar mais 83 milhões de bocas. Embora a sociedade tenha normalizado isso, é um feito incrível: passar 1,6 bilhão de pessoas alimentadas em 1900 para 8 bilhões nos dias atuais, ao mesmo tempo em que os produtores rurais aumentaram o total de terras cultivadas em apenas 30%.
Mas há um problema: a degradação ambiental, a resistência química e as alterações climáticas significam que os avanços que mantiveram os agricultores um passo à frente da fome estão perdendo força e intensidade. Para continuar a alimentar a crescente população global, é preciso adotar inovações em máquinas, química e genética, que permitam aos agricultores ampliar as operações e gerir milhares de hectares ao mesmo tempo, tornando-os verdadeiramente sustentáveis ao trazer de volta para o cotidiano das lavouras o cuidado com cada planta individualmente.
À beira de uma nova revolução agrícola
Ao longo do último século, o mundo assistiu a três revoluções agrícolas distintas, cada uma delas proporcionando enormes ganhos de produtividade.
• A revolução das máquinas reduziu a mão-de-obra necessária para cultivar um hectare de terra. Em 1900, 41% da força de trabalho dos EUA estava empregada na agricultura; hoje, é inferior a 2%, com muito mais alimentos produzidos por muito menos pessoas. (Para comparação, no Brasil, até 1960, a agricultura era rudimentar, prevalecendo o trabalho braçal na produção. Hoje, é o maior exportador global de café verde, carne bovina, frango in natura, celulose, soja em grão, açúcar e milho).
• A Revolução Química permitiu extrair o azoto do ar para criar fertilizantes sintéticos e cultivar alimentos numa escala sem precedentes. Simultaneamente, os pesticidas químicos deram aos agricultores uma vantagem sobre os agentes patogênicos, os insetos e as ervas daninhas.
• A Revolução Verde, ou Green Revolution, levou os pesquisadores a decifrarem os genomas de plantas, levando a cultivos mais resistentes e de maior rendimento. Os agricultores triplicaram a sua produção e países como México, Índia e Paquistão, por exemplo, passaram de escassez de alimentos para excedentes em apenas alguns anos.
Estas revoluções permitiram aos agricultores alimentar milhões de pessoas e pouparam dezenas de milhões de hectares de terra da desflorestação. No Brasil, a produção aumentou cerca de 400% entre 1980 e 2021, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Nos EUA, a produção de milho explodiu, aumentando em cerca de seis vezes entre 1930 e 2022. Mas o progresso teve um custo.
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É do conhecimento da ciência, agora, que os fertilizantes liberam óxido nitroso, que é um gás com efeito de estufa 300 vezes mais potente que o CO2. E que a produção agrícola é responsável por até 37% das emissões climáticas globais anuais. Apenas os fertilizantes, por si só, causam mais danos do que a aviação e o transporte marítimo juntos.
O pior de tudo é que os produtos químicos já não estão ajudando como antes (não por acaso os bioinsumos vêm ganhando escala). As pragas, que destroem 40% de todas as culturas, desenvolveram resistência química, forçando os agricultores – que já gastam cerca de US$ 59,4 bilhões (R$ 290 bilhões) em produtos químicos de proteção das culturas – a colocar ainda mais produtos químicos em suas lavouras.
O ciclo de desafios contínuos perdura: no mundo, até 75% dos pesticidas são mal aplicados e até 50% da produção de fertilizantes é desperdiçada em culturas incapazes de absorver nutrientes adicionais.
As alterações climáticas apenas agravam a situação ao devastarem as colheitas, alterando as condições de cultivo e espalhando pragas em novas regiões.
Por isso, é necessário, urgentemente de uma nova revolução agrícola – a Evergreen Revolution ou Revolução Permanente, idealizada pelo indiano Mankombu Sambasivan Swaminathan, agrônomo pioneiro que faleceu em setembro, um modelo capaz de aumentar os rendimentos e, ao mesmo tempo, capacitar os agricultores para cultivar alimentos de formas mais sustentáveis.
Do verde ao perene
Para desencadear a Revolução Permanente é preciso que as tecnologias emergentes funcionem em harmonia. Parte deste trabalho já está em curso, com tratores autônomos alimentados por sensores conectados e algoritmos avançados que prometem ajudar a eliminar a pulverização indiscriminada. Os primeiros projetos que utilizam estas tecnologias podem reduzir em até 70% a utilização de herbicidas – mas apenas para problemas visíveis, como as ervas daninhas.
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Para ir mais longe, é preciso aproveitar a biologia para compreender verdadeiramente o que as plantas precisam e desenvolver culturas que também ajudem os agricultores a identificar problemas invisíveis.
Um exemplo: ao reprogramar as respostas nativas das plantas aos agentes patogênicos – como a libertação de compostos de sabor amargo para repelir insectos – é possível ensinar as plantas a responder ao stress, alterando as propriedades óticas das suas folhas. Esses sinais podem, então, ser detectados por satélites, drones e equipamentos de campo e canalizados de volta para a tecnologia de campo para permitir intervenções direcionadas planta por planta.
Uma planta que enfrenta uma infecção fúngica, por exemplo, pode começar imediatamente a comunicar a sua angústia. Esse sinal poderia ser detectado do espaço, em tempo real, e enviado através de APIs (expressão inglesa para Application Programming Interface) de volta às ferramentas de gestão de campo de um agricultor, permitindo que as plantas infectadas (e apenas as plantas infectadas) fossem rapidamente tratadas.
Ao travar as doenças de plantas no paciente zero, essas inovações poderiam gerar bilhões de dólares de valor adicional para os agricultores – ao mesmo tempo que reduziriam drasticamente a utilização de produtos químicos, melhorando a qualidade do solo, água e ar.
A revolução hoje
A Evergreen Revolution, ou Revolução Permanente, é uma oportunidade para finalmente a humanidade trabalhar com a natureza, e não contra ela. Armados com tecnologia de campo de última geração, infraestruturas avançadas e inovações biotecnológicas, os agricultores podem utilizar produtos químicos de forma mais moderada e eficiente, aumentando assim os rendimentos e, ao mesmo tempo, impulsionando a biodiversidade, promovendo a resiliência e reduzindo as emissões agrícolas.
Ao longo do século passado, os agricultores utilizaram tecnologias engenhosas para produzir resultados milagrosos. Agora é preciso outro milagre: uma Revolução Evergreen, ou Permanente, para melhorar os rendimentos de forma perpétua, sem causar danos ecológicos ou sociais. As ferramentas já estão ao alcance das mãos para concretizar esta visão. Agora, é necessário enfrentar o desafio e começar a construir um sistema agrícola global e mais sustentável.
* Shely Aronov é colaboradora da Forbes EUA, fundadora e CEO da InnerPlant, fabricante de “sensores vivos” destinados à agricultura. É integrante do Forbes Technology Council, comunidade formada por CIOs, CTOs e executivos de tecnologia.