O cenário de uma terça-feira clichê em São Paulo envolve muitas filas (de carros e pessoas) e temperatura instável. Superadas as intempéries comuns da rotina, chego à parte nada comum do meu dia: encontro marcado com José Auriemo Neto. Logo que piso no 27º andar da JHSF, uma das torres comerciais do Parque Cidade Jardim, sou avisada de que Zeco, como é mais conhecido, não é muito fã de fotos e é muito reservado. O fato viria a se confirmar alguns minutos depois, quando o próprio decide mudar a locação do ensaio fotográfico – inicialmente, os cliques seriam no lobby do andar (na companhia de uma maquete do Cidade Jardim), mas foram transferidos para uma sala de reunião com a porta e as persianas fechadas.
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Com 43 anos completados no dia 30 de abril, o empresário conta que nunca se arrependeu de ter escolhido, há mais de três décadas, persistir nos negócios da família. “Eu tinha 12 anos quando meu pai me deixou fazer um estágio como office boy da empresa, durante as minhas férias escolares. Daí para a frente, tive a oportunidade de conhecer outras áreas da JHSF. O mais importante para mim foi vivenciar a rotina do meu pai, uma referência com quem ainda aprendo muito.” Projetada inicialmente para ser uma prestadora de serviços no segmento de construção civil, a JHSF (no início, JHS) foi fundada por Fábio Auriemo, o pai de Zeco, em 1972, ao lado do irmão José Roberto e mais dois sócios.
Quase meio século passado desde a fundação, o leque de atuação da empresa ampliou-se consideravelmente. Ela se tornou uma holding, dividida em quatro segmentos principais: shoppings, incorporações, hotéis e restaurantes da bandeira Fasano e o aeroporto executivo. E, se muita coisa mudou e cresceu, Zeco foi (e ainda é) uma das cabeças por trás dos novos negócios.
"Acredito que há uma maior consciência de que o dinheiro tem que ser bem investido, e que o consumo de luxo exige equilíbrio e limites"
Sua primeira grande conquista profissional foi uma empresa de estacionamentos, ainda nos tempos de engenharia na Faap, curso que não chegou a concluir. “Em pouco tempo, a rede de estacionamentos chegou a ter mais de 1,5 milhão de veículos estacionados por mês. Mais tarde, foi parcialmente vendida, e parte integrada à JHSF”, explica. Do ponto de vista pessoal, suas lembranças juvenis remetem às histórias de superação esportiva, em competições de natação e hipismo, modalidades praticadas desde criança.
Muitas vezes chamado de “prodígio”, ele foi nomeado CEO da JHSF aos 30 anos, posição da qual abriu mão em 2014, ao assumir o posto de chairman do Conselho de Administração. A rotina de trabalho normal na vida de Zeco não dura menos de 12 horas diárias e é repleta de viagens. No tempo livre, diz apreciar ler notícias variadas, pesquisar sobre assuntos relacionados a gestão empresarial e viajar com a família (ele é casado com a administradora de empresas Mariana Auriemo, com quem tem três filhos: Antônio, Julia e Olivia).
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Apesar do perfil discreto, uma curiosidade: o casal é conhecido por jantares e recepções impecáveis, noites em que abrem as portas de sua casa em São Paulo para recepcionar gente ilustre. Na lista de convidados que já passaram por lá estão o príncipe Albert de Mônaco, Edgard Osório (fundador da grife de sapatos Aquazzura), Patrick Thomas (ex-presidente da Hermès), entre muitos outros.
O flerte com a indústria de luxo e seus principais players é mera coincidência. Em 2003, o empresário vislumbrou a oportunidade de construir o complexo Parque Cidade Jardim ao avistar um terreno vazio de 80 mil metros quadrados na Marginal Pinheiros, em São Paulo. O sonho começou a se tornar realidade em 2008, com a inauguração do Shopping Cidade Jardim. O empreendimento compreende ainda nove torres residenciais e quatro de escritórios, onde está a sede da JHSF.
A aposta foi certeira. “É um empreendimento que apresenta crescimento todos os anos desde sua inauguração, apesar de momentos econômicos difíceis no país”, comenta. Os números confirmam: só no último ano, segundo balanço divulgado em fevereiro, o segmento de shoppings contabilizou crescimento de 6,5%. A curva ascendente se apoia principalmente no aumento das vendas dos lojistas: 14,1%. Além do Cidade Jardim, os centros de compras Catarina Fashion Outlet (São Roque), Shopping Bela Vista (Salvador) e Shopping Ponta Negra (Manaus) compõem o portfólio do JHSF Malls. O próximo empreendimento está em construção: Cidade Jardim Shops, nos Jardins, ao lado do Hotel Fasano, em São Paulo.
“Será um shopping com formato novo. As lojas serão menores, com coleções selecionadas. Vamos apostar na experiência, e isso significa uma oferta de gastronomia e serviços ampla e diversa. O projeto será integrado com a plataforma online do Cidade Jardim, o CJ Fashion. Acredito que essa é uma tendência, a integração do digital com o físico. A XP Investimentos é a nossa sócia no projeto”, revelou Zeco Auriemo.
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Na alçada dos novos empreendimentos, destaque também para o Catarina Aeroporto Executivo, localizado no km 60 da Rodovia Castelo Branco, a 35 minutos da capital paulista, com inauguração prevista ainda para 2019. Seu projeto é totalmente voltado à aviação executiva e prevê operar 200 mil pousos e decolagens por ano – funcionando 24 horas por dia –, em uma pista de 2.470 metros, capaz de receber jatos de grande porte, como Gulfstream G650, Bombardier Global 6000 e Dassault Falcon 2000.
O casamento com o grupo Fasano não é de hoje: em 2014, a holding adquiriu os restaurantes e o direito de uso da marca por R$ 53 milhões, o que garantiu um novo fôlego na expansão do número de propriedades. Nos últimos dois anos, foram inaugurados três hotéis: Salvador, Belo Horizonte e Angra dos Reis. Agora, a nova empreitada é o Fasano Itaim, híbrido de hotel e residências, previsto para o primeiro semestre de 2021.
O segmento de luxo no Brasil segue sendo um pilar fundamental para JHSF – e também para Zeco. A insistência no mercado vem rendendo excelentes frutos. No último ano, a plataforma Business of Fashion (BoF) elegeu-o entre os nomes mais influentes do setor. Durante a entrevista com Massimo Piombini, o CEO da Balmain comentou sobre a plena confiança e satisfação em trabalhar com o empresário brasileiro.
Zeco desenha o panorama de como vê o mercado de luxo atualmente. “O brasileiro de alta renda consome muito fora do país, sobretudo por causa dos impostos, que têm um impacto gigante no preço dos importados, e o estrangeiro consome pouco por aqui. Nosso turismo, infelizmente, é fraco. Esse quadro nos torna ‘exportadores de PIB’: o consumo e o emprego ficam fora do país.” De forma otimista, ele acredita que em médio e longo prazos o país se torne mais relevante no setor e clama por parâmetros de impostos compatíveis com os praticados no exterior. Antenado com seu consumidor, aponta que os desejos dos brasileiros têm mudado: estão mais ligados em peças selecionadas que justifiquem um produto mais caro.
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Como tendência, observa um movimento de fortalecimento das marcas nacionais de luxo, que estão competindo melhor com as grifes internacionais e conquistando espaço no mercado externo. Um exemplo é a boutique da Mares, em construção no térreo do Cidade Jardim, onde, no passado, só se abrigavam grifes de fora. “Acredito que há uma maior consciência de que o dinheiro tem que ser bem investido, e que o consumo de luxo exige equilíbrio e limites. As pessoas têm visto o luxo como uma forma de levar a vida com naturalidade, dedicando tempo ao que realmente importa, conciliando trabalho, família e diversos interesses”, conclui Zeco.
Reportagem publicada na edição 68, lançada em junho de 2019
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