Minutos de conversa são suficientes para perceber que Francisco Costa deixou o Brasil há muito tempo – 35 anos, para ser precisa. Basta dar ouvidos à frequência com que ele costura o português ao inglês. Nascido em Guarani, o mineiro se mandou para Nova York, aos 21 anos, para estudar inglês na Hunter College e design de moda na FIT. Foi nessa cidade que trilhou uma carreira ascendente. Passou por grifes como Oscar de La Renta, Gucci – designer-chefe do Feminino, trabalhou com ninguém menos que Tom Ford – e Calvin Klein, onde assumiu o comando criativo da linha feminina. Ficou no cargo por 14 anos, até abril de 2016. Momento decisivo da vida, quando decidiu dar um novo rumo à carreira. Resolveu empreender no mercado de beleza.
“As pessoas me perguntam como me reinventei, mas não teve isso, sabe? Foi uma progressão, algo totalmente natural. Não deixei a moda para trás; a beleza me escolheu, de forma muito orgânica e instintiva. Isso me ocorreu quando ainda era o diretor-criativo da CK”, narra Francisco sobre a concepção da grife de produtos limpos e veganos, a Costa Brazil. O lançamento da marca aconteceu em dezembro de 2018. Além de Francisco, ela foi cofundada pela empresária franco-brasileira Michele Levy (proprietária da Ilhabela Holdings, a distribuidora única da marca Melissa no mercado norte-americano).
LEIA MAIS: Montblanc premia projeto ligado a Marcelo Rosenbaum
Para dar o start na empreitada, Francisco procurou o grupo americano Estée Lauder, com o qual não fechou negócio. As diversas conversas, segundo o empreendedor, foram “educativas e muito úteis”. As pesquisas em laboratórios, no entanto, resultaram em uma sequência de frustrações. “Foi uma decepção. Eu não conseguia entender a concepção dos produtos de beleza. É algo que vai no rosto, no cabelo. Achava que [o processo] era mais clean, mais legítimo.” E foi aí que percebeu que o contraponto a esse cenário lamentável estava no coração do Brasil, na Amazônia.
“FORÇA BRUTA”
“Tive uma luz de ir ao Brasil, para a Floresta Amazônica, para entender o que significa Costa Brazil em termos de ingredientes. É ali onde eu acharia toda a mágica que estava procurando. Na minha primeira viagem, fui ao oeste do Acre onde passei uma semana na tribo Yawanawá, fui acompanhado pelo fotógrafo, e amigo, Victor Affaro, e seu irmão, Gustavo Fernandes. Foi o meu primeiro contato com essa força bruta que é o Brasil, e que ao mesmo tempo é muito distante de nós, brasileiros. A gente não entende da diversidade, do poder e da necessidade de proteção. Foi da viagem que trouxe a fragrância assinatura da marca, o Breu [extraído da árvore almécega], que é usado como repelente natural, mas possui muitas propriedades interessantes, como a ação antibacteriana”, ensina Francisco.
“Os nossos óleos são como alimentos para o corpo, que é a nossa maior célula. O nosso pensamento é esse: o que é bom para o corpo é algo que você pode comer e beber também”, diz Franscico CostaA primeira expedição não foi suficiente. Na sequência, o designer voltou ao país com destino a Belém, no Pará. Ali encontrou muitos dos ingredientes que compõem as atuais fórmulas da linha, focada em bem-estar, vegana e sem testes em animais. Outro ponto é a ausência de químicos comumente usados na indústria, como parabenos (associados ao câncer de mama), silicone, corantes artificiais e outros. “Os nossos óleos são como alimentos para o corpo, que é a nossa maior célula. O nosso pensamento é este: o que é bom para o corpo é algo que você pode comer e beber também”, comenta Francisco. A embalagem foi criada a partir de materiais reciclados e biodegradáveis.
Todo o propósito da grife levou o designer a desenvolver proximidade contínua com a ONG Conservation International. Recentemente, anunciou o projeto Creative Coalition, em parceria com a ONG. É uma iniciativa de incentivo para que artistas e mentes criativas produzam obras que provoquem o público a agir com mais consciência. Pelos trabalhos, os participantes irão receber áreas de floresta tropical que serão reabilitadas. O objetivo para 2020 é de 100 mil árvores.
MARIA FRANCISCA, A LINHA DA AGULHA
Francisco faz questão de reforçar o papel fundamental da sua mãe, Maria Francisca, que morreu quando o designer tinha 21 anos. “Foi um baque. A morte da minha mãe deixou uma marca enorme. Como Freud explica, complexo de Édipo é uma coisa muito forte e eu tive uma separação. Foi aí que saí do ninho. Para me curar da ausência dela, decidi mudar para os EUA”, relembra. Empreendedora nata, Maria fundou a confecção de roupas infantis, Maria Helena, que empregava mais de 120 mulheres. “Acho que, para aqueles que cresceram em um ambiente patriarcal, fica difícil entender. Cresci em um lar inspirador. Minha mãe era envolvida na sociedade, carismática, caridosa. Sempre teve uma visão ampla e um coração enorme. A minha experiência com ela foi muito especial e única. De fato, espero que não seja única, e que mais mulheres sejam assim: dinâmicas, com senso de comunidade, de compartilhar.”
VEJA TAMBÉM: Conheça a Made, principal vitrine do design autoral
Foi entre linhas, agulhas e tecidos – e nesse caso, os meios justificam os fins – que Francisco cresceu. “Sempre tive as minhas loucuras. Eu pintava, mexia muito com teatro. Cresci nesse ambiente”, comenta. Sua família de cinco pessoas (pai, mãe, irmão e irmã) era frequentemente maior. “Sempre tinha gente na minha casa. A minha mãe trazia funcionários da fábrica. Ela era, de fato, muito querida.”
BUSINESSMAN
“Para começar um business novo é necessário ter respostas novas para perguntas que não existiam no passado. Especialmente com os millenials e todas as gerações que irão surgir, essa preocupação com o meio ambiente será muito mais forte. Isso vai colocar todos nós em um patamar diferente”, explica Francisco. Com um ano e quatro meses, sua marca chegou (bem) ao mercado global. O seu primeiro comprador foi o e-commerce britânico Net-a-Porter, velho conhecido do designer quando estava na Calvin Klein. “O lançamento foi, até o momento, o de maior sucesso no segmento de beleza”, comemora. Os Estados Unidos são o atual maior mercado, seguido por Reino Unido e outros países da Europa. Já com um parceiro local, a chegada da marca na Ásia está prevista para 2021.
“Somos uma marca que hoje não existe ninguém no nosso espaço. Preenchemos um espaço de beleza limpa, com uso de ingredientes puros e que possuem resultado, com apelo de design e com o DNA brasileiro. E isso representa bastante. O futuro próximo do mercado é 100% clean, e a gente tem um potencial enorme. Não precisamos ficar ligados naquela beleza passada. A nossa é a do futuro.”
A ambição é crescer a linha para produtos de maquiagem, wellness e até hospitalidade. Um verdadeiro lifestyle consciente. “Sempre com o meio ambiente na frente, e com a máxima de que aquilo que não é bom para a natureza não pode ser bom para você.” Os baby steps dos hotéis já começaram. Em fevereiro, a Costa Brazil lançou a parceria com os hotéis Fasano em uma nova linha de amenities eco-friendly, com embalagem desenvolvida a partir da cana de açúcar (por enquanto, disponíveis na propriedade carioca). Na ocasião do lançamento, que coincidiu com o carnaval do Rio, Francisco assistiu ao desfile dos 25 looks que assinou para a comissão de frente da Beija-Flor, que causou grande impacto com o visual Mad Max.
Mesmo empolgado com o novo momento, Francisco deixa as portas abertas para o retorno ao mercado da moda: “Eu não descarto. O mundo da moda é ainda fascinante. É possível inovar muito, e a oportunidade é enorme, mas, no momento, estou 100% focado na Costa Brazil. A moda hoje é um monopólio de dois ou três grandes grupos, o que é, de certa forma, infeliz, mas vejo um movimento de retorno ao passado, uma preocupação com o desperdício da indústria. Tem que haver uma reavaliação”, conclui aquele que nasceu entre as costuras.
E TAMBÉM: Givaudan traz ao Brasil robô de IA que acelera desenvolvimento de fragrâncias
No meio do caos do coronavírus (no dia da entrevista, Trump havia declarado estado de emergência nos EUA; e o Brasil estava prestes a anunciar a primeira morte ligada à pandemia), a conversa com Francisco Costa soou como um respiro de esperança. Ele chegou a recitar, em inglês, uma frase do Dalai Lama: “The planet does not need more successful people. The planet desperately needs more peacemakers, healers, restores, storytellers and lovers of all kinds” (O planeta não precisa de pessoas mais bem-sucedidas. O planeta precisa desesperadamente de mais pacificadores, curandeiros, restauradores, contadores de histórias e amantes de todos os tipos). Esperamos que sim.
Reportagem publicada na edição 76, lançada em abril de 2020
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Inscreva-se no Canal Forbes Pitch, no Telegram, para saber tudo sobre empreendedorismo.
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.