Pense em uma corrente de excelência artística formada por elos do quilate de Spike Lee, Martin Scorsese, Mario Vargas Llosa e Gilberto Gil, entre outros gigantes. Um time de 54 nomes comprometidos com um único objetivo: a transmissão do conhecimento artístico para gerações mais novas. O que seria capaz de convocar uma seleção tão eclética – e tão potente?
O Rolex Mentor & Protégé é uma iniciativa da marca que coloca em prática o legado deixado por seu fundador, Hans Wilsford: a perpetuação da arte, mesclando cultura dos quatro cantos do planeta. O programa bienal existe desde 2002 e já contou com a participação de dois brasileiros: Gilberto Gil (mentor da egípcia Dina El Wedidi, categoria Música, biênio 2012-2013) e Julián Fuks (aprendiz do moçambicano Mia Couto, categoria Literatura, biênio 2018-2019).
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A relojoaria suíça patrocina a mentoria artística individual de um ícone no assunto com um jovem talento emergente. O programa abrange as disciplinas de arquitetura, dança, cinema, literatura, música, teatro e artes visuais. Há uma oitava vertente que pode ser interdisciplinar. Em dois anos, mestre e aprendiz devem se encontrar seis semanas, mas muitos pares extrapolam esse prazo. Para tal orientação, o mestre recebe 100 mil francos suíços; o aprendiz, 40 mil. Ao final do processo, o protegido vira membro da Rolex Arts Initiative, o que abre as portas para receber outros 30 mil francos suíços dedicados a um projeto.
Desde o início do Rolex Mentor e Protégé Arts Initiative, mais de 1.100 jovens artistas de 105 países foram indicados para participar, chamando a atenção dos especialistas encarregados de cada área artística. Após as peneiras feitas por centenas de colaboradores, o mestre faz a escolha final entre três ou quatro nomes. Os 54 aprendizes que participaram até agora representam 36 países. O desenvolvimento dessa comunidade criativa global é apontado pela marca como uma das maiores conquistas da Rolex Arts Initiative.
“TORNAR-SE PARTE”
Considerado um dos três maiores diretores vivos, Martin Scorsese participou do Rolex Mentor & Protégé no biênio 2008-2009. O cineasta recebeu o Oscar de direção (2007) com “Os Infiltrados” – estrelado por Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Jack Nicholson, o filme levou, ao todo, quatro estatuetas. O diretor de “Taxi Driver” (1976), “Os Bons Companheiros” (1990), “Cabo do Medo” (1991), “Gangues de Nova York” (2002), “O Aviador” (2004), “A Invenção de Hugo Cabret” (2011), “O Lobo de Wall Street” (2013), “O Irlandês” (2019), entre outros, dedicou dois anos ao contato com a discípula argentina Celina Murga.
Entre as principais lições do mestre, a importância de o cineasta tornar-se parte do universo que está sendo filmado. “Foram dois anos muito intensos”, recordou a argentina. “No final do processo, saí muito mais forte e confiante.” A aprendiz destacou que, embora sejam pessoas muito diferentes, eles se parecem na obsessão de “fazer bem feito”.
Dois cineastas mexicanos detentores de Oscar também já fizeram história no Rolex Mentor & Protégé: Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu. Cuarón foi mestre do indiano Chaitanya Tamhane, que naquele momento tinha no currículo um documentário, um curta e um longa – “Court”: a tragicômica história de um julgamento, arrastado no tortuoso sistema jurídico indiano, de um cantor de música popular acusado de ter provocado o suicídio de um fã. O filme chamou a atenção de Cuarón.
O indiano teve uma experiência sem precedentes ao acompanhar as filmagens de “Roma”, que arrebataria o Oscar de direção para Cuarón em 2019 (prêmio que ele já tinha na estante desde 2014, com “Gravidade”). Detalhe: Chaitanya era o único no set a ter acesso ao roteiro completo do filme. “Ninguém, absolutamente ninguém da equipe leu o roteiro”, contou Cuarón. “Para mim, uma tutoria não é como uma relação entre um professor e um aluno. A tutoria é uma relação horizontal. Para que Chaitanya entendesse o que estava tentando fazer, precisava mostrar a ele o que eu tinha em mente”, justifica o mexicano. “Por isso, disse a ele que nossa colaboração seria muito mais produtiva se ele lesse o roteiro. Trata-se, é claro, de uma prerrogativa em nome da nossa relação, porque os figurinistas não receberam o roteiro, nem mesmo o diretor de produção. A partir de então, Chaitanya atuou como meu espelho no set de filmagem.”
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O indiano reconheceu que acompanhar a realização do filme “Roma” foi uma experiência transformadora. “A relação de Alfonso com o cinema é o resultado de uma estética visual apurada, uma noção desconhecida para mim. Estou muito feliz em conviver com um profissional que cultiva padrões tão elevados e sofisticados para a construção de imagens.” A convivência mostrou soluções práticas que não estavam no horizonte do aprendiz. “Por exemplo, eu costumava visitar uma locação e, se não gostasse, visitaria outras dez até encontrar o cenário que correspondesse ao script. Já o Alfonso é capaz de ver uma locação e pensar em 14 maneiras extraordinárias de adaptá-la.”
Experiência semelhante foi vivida pelo jovem cineasta israelense Tom Shoval, que, no biênio 2014-2015, teve aulas práticas – e intensas – de como fazer cinema com Alejandro G. Iñárritu, enquanto filmava Leonardo DiCaprio em “O Regresso” (2015), longa que em 2016 ficaria com três Oscar das 12 indicações que teve – um deles de diretor. Tom viu, na prática, o método de trabalho e como o set flui sob a batuta de Iñárritu, cineasta que traz no currículo outro Oscar de direção, com “Birdman” (2014), e filmes extraordinários como “Amores Perros” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2007).
LITERATURA, TEATRO E ARTES PLÁSTICAS
Outras vertentes artísticas já trouxeram seus ícones para os holofotes do Rolex Mentor & Protégé. O peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura em 2010, foi mestre do jovem romancista colombiano Antonio García Ángel, no biênio 2004-2005. No teatro, logo nos primeiros anos do programa, ninguém menos que Robert Wilson – ele orientou o diretor argentino Federico León. “Não é como aprender no sentido convencional. A ideia é interagir. Dois artistas se encontram e interagem”, resumiu Federico. Nas artes visuais, Olafur Eliasson, multimídia de nacionalidades dinamarquesa e islandesa, interagiu com Sammy Baloji, da República Democrática do Congo, artista que até então investia mais em fotografia – e que, com o olhar de Olafur, passou a descobrir novos materiais e outros modos de expressão.
No início de fevereiro, a apresentação dos projetos do último biênio foi, pela primeira vez, realizada na África. O Baxter Theatre virou o epicentro do evento realizado na Cidade do Cabo (África do Sul). Na música, o baterista Marcus Gilmore emocionou a todos com uma apresentação hipnótica ao lado do mestre indiano Zakir Hussain; fortes emoções também na world première da coreografia da senegalesa Khoudia Touré, resultado da mentoria realizada pela bailarina canadense Crystal Pite. Na literatura, o encontro de dois irlandeses: Colm Tóibín, de 64 anos, e Colin Barrett, de 38. Na arquitetura, a jovem Mariam Kamara, de Níger, desenhou o projeto de um centro cultural na capital do país, Niamei, com a parceria do mestre Sir David Adjaye.
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Durante o evento sul-africano, a marca divulgou as duplas artísticas do próximo ciclo do Rolex Mentor & Protégé. A plateia do Baxter Theatre veio abaixo quando Spike Lee foi anunciado com mentor de cinema. O diretor de “Faça a Coisa Certa” (1989) e “Infiltrado na Klan” (2018), de 62 anos, vai trabalhar com o norte-americano Kyle Bell, de 33 anos, que já é reconhecido por trabalhar com a temática da valorização da cultura dos índios nativos norte-americanos. O próximo biênio terá uma categoria “aberta” com o ator, compositor e escritor norte-americano (de origem porto-riquenha) Lin-Manuel Miranda como mestre. A aprendiz dele foi anunciada em março: a diretora de cinema, roteirista, diretora de fotografia, colorista e editora argentina Agustina San Martín
BILL GATES JOGA COM FEDERER E ARRECADA US$ 3,5 MILHÕES
Na sexta-feira que antecedeu o evento Rolex Mentor & Protégé, a Cidade do Cabo recebeu uma partida de tênis histórica. No estádio construído para a Copa do Mundo de 2010, 51.954 pessoas formaram o maior público de todos os tempos no esporte. O suíço Roger Federer enfrentou o espanhol Rafael Nadal em partida beneficente: US$ 3,5 milhões foram revertidos para a Fundação Roger Federer, que, desde 2003, leva educação para mais de 1 milhão de crianças em seis países africanos. Foi a sexta vez que os rivais se encontraram com esse fim – mas a primeira na África. O suíço venceu por 2 sets a 1 (6/4, 3/6, 6/3). Houve um set de duplas. Federer e Bill Gates bateram Nadal e Trevor Noah por 6/3.
Reportagem publicada na edição 76, lançada em abril de 2020
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