Kia Damon é muitas coisas. Ela é defensora das comunidades Negras e LGBTQ +, a primeira diretora culinária da publicação gastronômica feminista Cherry Bombe e uma empresária. Mas, acima de tudo, ela é a chef de sua família.
Criada em uma grande família em Orlando, na Flórida, Kia se encontrou na cozinha quando ainda era muito jovem. O que ela não aprendeu a cozinhar ao lado de sua avó, aprendeu assistindo aos programas televisivos de Bobby Flay e Iron Chef. Quando tinha 11 anos, os ensinamentos de sua avó sobre marinar e os tutoriais de Flay sobre maximalismo a prepararam para se tornar a cozinheira da casa.
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“Acabei cozinhando muito para meus irmãos”, diz Kia, que apareceu na seção de Alimentos e Bebidas da lista Forbes 30 Under 30 em 2021. “Depois fui recrutada para cozinhar apenas para eventos especiais na casa: aniversários, datas comemorativas, dia das mães e dia dos pais. ”
Depois de se formar na Edgewater High School, em 2012, e passar alguns meses na faculdade comunitária, ela se mudou para Nova York para se tornar sous chef em Manhattan, levando consigo suas raízes sulistas. Seu feijão vermelho à Louisiana e arroz com salsicha Andouille, coberto com pão de milho e molho picante Crystal, ajudou Kia a conquistar seus espaços dentro das cozinhas de Manhattan, seguido por um trabalho como chef executiva no movimentado restaurante Lalito de Chinatown, com apenas 24 anos.
Embora Lalito se posicionasse como uma alternativa descontraída às instituições eruditas da gastronômicas da cidade – seus banheiros, por exemplo, não eram apenas neutros em termos de gênero, mas repletos de decoração com a temática selva/discoteca e as músicas “Survivor” de Destiny’s Child e “Waiting for Tonight” de Jennifer Lopez tocando repetidamente – a cultura da cozinha estava longe de ser progressista, de acordo com Kia. Ela diz que foi assediada sexualmente por um funcionário e sofreu racismo, homofobia e misoginia. Damon afirma que relatou o incidente de má conduta sexual e que o caso foi encaminhado. A antiga administração de Lalito recusou o pedido de comentários da Forbes.
Em junho de 2019, ela saiu do restaurante e, alguns meses depois, foi finalista de um episódio do programa culinário Chopped, com prêmio de US$ 10 mil. Desde então, ela está retribuindo a gentileza para as comunidades negras e homossexuais de Nova York. Em agosto de 2020, ela fundou a Kia Feeds The People, uma organização sem fins lucrativos que visa fornecer comida orgânica, refeições quentes e suprimentos para a despensa de negros do Brooklyn. “Morar em Bed-Stuy, Brooklyn, uma comunidade historicamente negra, faz com que você veja os efeitos da gentrificação e do apartheid alimentício causado pela discriminação”, diz ela. “Às vezes é muito difícil de olhar para isso, então eu queria ter certeza de que cuidava da minha comunidade.” Ao mesmo tempo em que ajuda seu bairro, ela e Zacarías González lançaram o Auxilio, um espaço de alimentação intersetorial que oferece refeições e eventos para a comunidade QTPOC (Pessoas homossexuais e trans de cor, na sigla em inglês). “Todos os envolvidos são pessoas gays, lésbicas ou não binárias”, diz Kia. “A missão é lidar com a fome dentro da comunidade, que é algo sobre o qual realmente não falamos, embora eu mesmo já tenha experimentado isso.” Ambos trabalham e vivem no Brooklyn.
Durante uma visita à sua antiga casa na Flórida, Kia chamou a Forbes para conversar sobre sua introdução à culinária, como ela está abordando a desigualdade alimentar e suas opiniões sobre hospitalidade
Forbes: Como você descobriu a sua paixão por cozinhar?
Kia Damon: Descobri quando cozinhava para meus pais antes deles se separarem. Era um aniversário. Eu preparei umas galinhas da Cornualha recheadas com cerejas, feijão verde fresco e alho, um purê de batata cremoso com casca e recheio de queijo de cabra. Também fiz cupcakes de Oreo do zero. Eu estava apenas me divertindo, mas, honestamente, me senti extremamente livre, de verdade.
F: Muito do que você faz hoje é contribuir para a sociedade. O que te motivou a tornar esse o seu objetivo de vida?
KD: Minha mãe cresceu com muitos irmãos; e eles não foram criados com muito dinheiro. Ela também era muito jovem quando nasci, então era extremamente independente e teve que descobrir as coisas por conta própria. Quando eu era criança, definitivamente não entendia isso. Mais tarde consegui perceber o quão cruel o mundo pode ser – como sistemas são configurados para tornar as coisas realmente difíceis para nós, mesmo antes de eu começar. Isso realmente começou a pesar na minha mente e, conforme eu continuei na gastronomia, acabei me encontrando em um lugar onde muito do trabalho que eu estava fazendo era egocêntrico – baseado em prêmios, elogios, notoriedade e tudo isso. Hospitalidade é servir outras pessoas e não apenas as pessoas que podem pagar, mas as pessoas que estão sem teto, que lutam contra a desigualdade alimentar e as pessoas que não podem pagar as compras ou a entrega. Agora que fiz disso o trabalho da minha vida, estou me sentindo mais viva do que nunca
F: Como você divulga para as pessoas que as suas marcas existem?
KD: Vamos até o topo do prédio e gritamos: “Por favor! Olá! Olhe para nós!” Nós cozinhamos, criamos pop-ups – usamos muito o Instagram, mas decidimos coletivamente que pode ser uma maneira muito difícil de alcançar nosso público. Agora, tentamos criar quiosques em clínicas para espalhar os anúncios.
F: Eu li uma entrevista em que você disse que foi a única mulher negra em todas as cozinhas em que trabalhou. Como essas experiências moldaram seus esforços empreendedores?
KD: É péssimo. Foi tão difícil, Jesus Cristo. Todo mundo era tão racista. Se não acontecia contra mim como mulher negra, acontecia com outras minorias. Chegou um ponto em que pensava, “será que engulo isso para manter meu emprego e me tornar invisível enquanto nado em águas infestadas de tubarões? Ou eu faço barulho,mas com o risco de ser gravemente ferida?”
Na primeira semana em Lalito, fui assediada sexual e fisicamente por um dos cozinheiros de linha. Ainda estou em choque. Tentei apertar sua mão para me apresentar e ele não soltou mais. Eu disse algo como “tudo bem por aqui”.
E ele falou “quando você vai me deixar te levar para sair? Não me toque assim se você não vai me deixar ter o que eu quero”.
Respondi algo como “Tocar assim? Eu apertei sua mão. Eu sou sua chefe. O que você está falando?” Então, ele começou a ficar extremamente agressivo e colocou as mãos em mim.
Eu estava pronta para largar restaurantes e ser cozinheira. Eu realmente não poderia viver me sentindo tão insegura – em destaque, mas tão invisível. Agora, com meus próprios esforços, tento conversar com mulheres negras que me procuraram por ajuda. Você pode ser uma mulher negra trabalhando com comida sem a pretensão de trabalhar em um restaurante, e tudo bem com isso. Existem outras maneiras de trabalhar com isso.
F: Como você acha que a comida e a culinária podem promover igualdade racial?
KD: A comida ajuda as pessoas a baixarem suas guardas. Cozinhar e se alimentar são algumas das formas mais antigas de construir uma comunidade. Pessoas sempre se uniam através da comida, mas a situação é muito diferente quando pessoas acabam machucadas por ela.
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