Contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do sul da Bahia. Esse é o propósito da Dengo, que vai muito além de ser uma marca de chocolate criada pelo sócio fundador da Natura, Guilherme Leal, e por Estevan Sartoreli, atual CEO da marca. Tudo começou em meados dos anos 2000, quando Leal comprou um terreno próximo a Ilhéus (BA). A princípio, a ideia era apenas construir uma casa de veraneio. Não demorou, no entanto, para o empresário perceber que, embora paradisíaca, a região tem realidades social e ambiental nada atrativas.
Há pouco mais de 30 anos, a região de Ilhéus era próspera e rica em função da sua enorme produção de cacau que chegou a colocar o Brasil na primeira posição do ranking de produtores de cacau do mundo (hoje é o 7º). Tudo veio água abaixo quando a praga vassoura-de-bruxa devastou a plantação cacaueira, dizimando 80% da produção e afetando profundamente os milhares de produtores locais.
Em 2008, com o objetivo inicial de gerar o desenvolvimento territorial do sul da Bahia, Leal fundou o Instituto Arapyaú, que promove diversos projetos de inovação, educação, sustentabilidade e empreendedorismo. Já nos idos de 2015, Estevan Sartoreli, que já tinha trabalhado na Natura, desenvolveu uma ampla análise setorial da cadeia cacau-chocolate com o intuito de criar um modelo de negócio que fosse capaz de tirar a região da rota do declínio social.
O investimento inicial, de cerca de R$ 200 mil, foi suficiente para que o primeiro laboratório da marca nascesse. “Nós somos uma startup. Começamos com um time reduzido em um espaço de 120 m² no Brooklin, em São Paulo. Junto de Luciana Lobo, nossa chocolatière, e de uma fábrica parceira na Suíça, fazíamos nossos primeiros testes e fomos aos poucos concebendo a marca”, recorda Sartoreli. Em 2017, a Dengo foi lançada no mercado e as primeiras lojas foram abertas. Hoje já são 20 espalhadas pelo Brasil e há estudos para expandir no exterior.
ALTÍSSIMA QUALIDADE
Aumentar a renda do produtor local estava, segundo Sartoreli, no foco principal do modelo de negócio da Dengo. “Os produtores que nós encontramos estavam em uma situação de extrema pobreza. A região possui um dos piores IDHs brasileiros. O nosso objetivo é municiar e instrumentalizar o produtor para que ele possa não só produzir cacau de qualidade como também ganhar mais pelo cacau que ele produz”, explica o CEO. Com esse objetivo traçado, a Dengo começou um trabalho de estimular o produtor local a produzir um cacau de altíssima qualidade e a remunerá-lo mais por ele. “O cacau que utilizamos hoje na produção do chocolate corresponde a 0,5% do cacau disponível no mundo em termos de qualidade, e nós pagamos mais por ele”, completa Sartoreli.
Além do impacto social realizado junto aos produtores, o modo de plantio usado nas plantações de cacau é sustentável e permite que haja a conservação produtiva, ou seja, gerar renda sem desmatar. Esse método, conhecido como cabruca, consiste em uma plantação feita em meio à floresta, onde o fruto cresce à sombra da copa das árvores. Todo o cacau usado pela Dengo e algumas das frutas que vão nas receitas dos chocolates são originários da cabruca. “É muito comum encontrar banana, cajá, mangaba, jaca e outras variedades em meio a esse modo de plantio. Parte das frutas que nós usamos para fazer os produtos também vem dele, o que ajuda a incrementar ainda mais a renda do produtor de cacau”, prossegue Sartoreli. Já os produtos de outras regiões do Brasil, como o cumaru, ou aqueles que não crescem na cabruca, como o morango, mas que também estão presentes nos produtos, são fornecidos, preferencialmente, por pequenos produtores, que produzem de acordo com os propósitos da marca para que o impacto socioeconômico seja o mais amplo possível.
SEM GORDURA HIDROGENADA
Além de todo o propósito grandioso abraçado pela Dengo, a marca tem um outro ponto forte: a qualidade e a inovação do produto final. O chocolate da Dengo não possui gordura hidrogenada em sua composição. A própria manteiga do cacau é preservada e utilizada para dar cremosidade nos chocolates. As receitas levam a menor quantidade de açúcar possível, dando preferência sempre aos orgânicos e não refinados, como o açúcar mascavo ou o de coco, que são melhores para a saúde. Sartoreli afirma que a receita do produto são bons ingredientes e bons processamentos. “Hoje em dia, o mercado oferece ou um produto de qualidade, mas de produção rústica e restrita; ou um produto sem muita qualidade, mas produzido em escala industrial. O que a Dengo procura fazer é combinar ingredientes de qualidade com tecnologias de processamento de primeiro mundo.”
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Toda a identidade da marca, desde as cores aos ingredientes escolhidos, remete ao Brasil, à Bahia e ao clima tropical e quente. Os quebra-quebras, carro-chefe da marca, possuem diferentes receitas, cada uma com uma fruta ou castanha diferente, e são vendidos a granel, o que reduz o desperdício de embalagens. Já os panetones e ovos de Páscoa são comercializados envolvidos em chitas de cores vibrantes, que também podem ser reutilizadas após o consumo.
Dos seis produtores iniciais e da pequena equipe do início, a Dengo já cresceu de forma relevante. Atualmente são pelo menos 200 produtores e cerca de 300 colaboradores na empresa. Novos aportes estão sendo feitos ao longo do processo para dar prosseguimento ao projeto de expansão que, segundo Sartoreli, irá até onde for preciso para alcançar o objetivo principal do negócio. “Muitas pessoas perguntam até onde nós queremos crescer ou qual é o nosso plano de negócio. A resposta é que queremos crescer no tamanho da necessidade de impacto no sul da Bahia, e ainda tem bastante espaço para isso.”
LOJA DE MADEIRA REFLORESTADA NA FARIA LIMA
Em novembro de 2020, a Dengo abriu o seu mais ousado empreendimento. Uma loja conceito e minifábrica de três pavimentos e 1.500 m² de área construída na avenida Faria Lima (SP). Lá, o visitante pode comprar e conhecer os produtos da marca e aprender sobre a produção “bean to bar” – da amêndoa do cacau ao chocolate. Toda a identidade visual e os ideais da marca foram reproduzidos na loja, que possui espaços ao ar livre, cores fortes e vibrantes e um agradável projeto de paisagismo. Além do cacau, outros produtos são oferecidos aos visitantes, como café, queijos e vinhos, todos de pequenos produtores. O projeto arrojado e inovador ficou a cargo do escritório Matheus Farah e Manoel Maia Arquitetura. A estrutura do prédio é inteiramente feita de madeira reflorestada e certificada, sem o uso de aço e estruturas metálicas, o que garante a sustentabilidade do projeto. Matheus e Manoel afirmam que é o primeiro prédio do Brasil a ser construído dessa forma. “Quando falamos em sustentabilidade na arquitetura, estamos falando exatamente de projetos inovadores, como o que fizemos na Dengo”, diz Farah.
Reportagem publicada na edição 83, lançada em dezembro de 2020
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