“O brasileiro é apaixonado por camarão”, diz Sylvio Mattos, CEO do restaurante Camarada Camarão, que já tem mais de dez unidades pelo país, e da rede Camarão & Cia, com 43 lojas. Mesmo em tempos de pandemia, a estratégia de expansão do empresário está a todo vapor, com planos de abrir mais estabelecimentos que apostam nos carnudos frutos do mar em receitas que vão desde as mais pop, como os recheados empanados e os gratinados, até as mais tradicionais, como as moquecas, em 2021. “Já tínhamos um planejamento para crescer em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília antes da pandemia”, diz Mattos, que teve seu primeiro contato com o mercado quando seu pai foi trabalhar em uma fazenda de camarão marinho no Piauí.
Com muita força no Nordeste, já que os restaurantes que ele comanda nasceram na região, a meta sempre foi desembarcar em outros estados. “São Paulo, por exemplo, está sofrendo muito com a pandemia, mas isso está gerando uma série de oportunidades de negócio. Acho que agora vamos crescer até mais do que antes da crise”, prevê o CEO, que não é o único otimista. Com a estratégia, a meta da empresa é chegar ao fim do ano com 20 operações e aumentar para 50 em três anos, batendo um faturamento de R$ 600 milhões.
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Nos últimos anos, o crescimento de redes focadas em camarão no Sudeste, notadamente em São Paulo, é visível. Em abril, o Restaurante Camarões, de Natal, abriu seu primeiro espaço na Av. Juscelino Kubitscheck, na Vila Nova Conceição, iniciando seu processo de expansão pela região. O Coco Bambu, já conhecido desde o início dos anos 2000 por seus pratos tropicais, planeja abrir um grande restaurante a cada mês de 2021, totalizando 56 unidades até dezembro, com receita de R$ 1 bilhão. “Nascemos em Fortaleza, no Ceará, em uma época em que tínhamos ficado órfãos de um restaurante de frutos do mar na orla. Foi uma luz que se acendeu e acabou se espalhando por outros estados”, diz Afranio Barreira, CEO do Coco Bambu, que durante anos reinou solo entre os camarões gratinados em São Paulo. “Achamos que o desafio em locais como São Paulo seria maior, mas foi um sucesso desde o início.”
Na visão dos empresários, a tendência do mercado é crescer ainda mais, popularizando a iguaria. “Há 20 anos, o camarão era de difícil acesso e custo alto. A cultura de criação tem apenas 30 anos, é um mercado novo”, revela Mattos. “Antes disso, tudo que tínhamos era o camarão de captura. Com o cultivo, é possível fazer reprodução e, com isso, diminuir um pouco o preço final.”
Max Jaques, pesquisador do Instituto Brasil a Gosto, também acredita que os avanços tecnológicos ajudaram na disseminação do consumo da iguaria no país, que tem um litoral enorme, mas ainda mais locais sem praia. “Hoje, temos geladeiras, freezers e técnicas de ultracongelamento que fazem com que os frutos do mar consigam chegar ao interior sem estragar. Temos camarão nas prateleiras por conta da tecnologia”, explica ele. Porém, se por um lado, o acesso melhora com o cultivo do camarão e o preço cai; por outro, esse mesmo preço é impactado pelo processo de logística para o restante do território nacional, que é caro e precisa ser muito cuidadoso, já que se trata de um produto altamente perecível.
“Fazemos muita leitura da alimentação brasileira pensando no Sudeste. O camarão é caro? Em alguns lugares, é. Mas, em muitas regiões de abundância, não. O custo do camarão é a logística. O ingrediente é caro porque precisa viajar em caminhões refrigerados e tecnológicos”, destaca Jaques. Para ele, esse é um divisor de águas quando se observa o passado da culinária nacional. “Existia uma divisão de ingredientes que chegavam ou não ao interior. As receitas tradicionais dessas regiões do Brasil – geralmente – não levam trigo, por exemplo”, revela.
“Isso acontece porque, antigamente, até o ingrediente chegar no interior, eram meses de carga. Como é um alimento perecível, chegava estragado. Então, as pessoas criaram receitas com polvilhos e farinhas de milho. O camarão segue a mesma lógica”, conclui. Com a chegada dos supermercados, das rodovias e da tecnologia, tudo mudou, fazendo com que o ingrediente se tornasse – de certa forma – mais acessível.
Segundo a ABCC (Associação Brasileira de Criadores de Camarão), o mercado movimenta R$ 3 bilhões no Brasil, o que mostra um cenário promissor para a iguaria. No entanto, segundo Itamar Rocha, engenheiro de pesca e presidente da associação, esse valor não está nem próximo de todo o poder do camarão.
Rocha ressalta que, apesar de crescente no paladar brasileiro, o camarão ainda é uma comida pouco consumida. “De 5.568 cidades no Brasil, mais o Distrito Federal, temos apenas cerca de cem municípios que compram camarão”, revela ele. “O foco é nas grandes capitais. Não tenho dúvidas de que São Paulo e Rio de Janeiro são os estados que mais compram. Não à toa, restaurantes que nasceram aqui no Nordeste estão crescendo muito nessas regiões.”
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Na visão de Jaques, a atenção com o mercado de camarão não pode desviar o olhar do impacto ambiental. É preciso fiscalização e apoio aos produtores, para que o setor possa voltar a se movimentar sem degradar a natureza. “Precisamos falar de sustentabilidade”, ressalta. Para ele, essa é a única forma de honrar uma iguaria tão tradicional quanto o camarão.
“Como país colonizado, grande parte de nossas comidas típicas nasceram de uma tecnologia indígena, cozida pela mão de obra africana, a partir de uma ordem portuguesa e ibérica. Mas, claro, também tivemos imigrantes holandeses, japoneses, italianos, entre tantos outros. Com a chegada de diferentes povos, a tradição se reinventa”, conta o pesquisador. “As empresas que estão identificando uma tendência de consumo de camarão podem criar novas tradições. Quem sabe, no futuro, São Paulo seja conhecido pela iguaria? Por mais contraditório que pareça”, conclui com humor.
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