O chão da fábrica está fervilhando enquanto o diretor industrial e mestre de obras, Mark Kendrick, conduz os visitantes por uma parede de modelos para braços de guitarra Fender Stratocaster e Telecaster, baseados nos instrumentos de ícones do rock como Jimi Hendrix, James Burton e Flea.
Em uma seção especial de customização, luthiers (profissionais que constroem e consertam artesanalmente instrumentos musicais de corda) estão “envelhecendo” guitarras elétricas de mais de US$ 3.000 novinhas em folha, as esfregando com ferramentas de metal improvisadas para que pareçam tão desgastadas quanto um modelo os do Guitar Hero de 30 atrás.
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Desde janeiro deste ano, a cepa Omicron da Covid-19 está dominando o mundo lá fora , mas nas instalações de 18.500 metros quadrados da Fender, em Corona, na Califórnia, funcionários vestidos com máscaras estão produzindo novos instrumentos em um ritmo vertiginoso. As fábricas da marca no México e no Sudeste Asiático, que produzem modelos de preços mais baixos, estão ainda mais ocupadas.
Cerca de 16 milhões de pessoas nos Estados Unidos começaram a tocar guitarra nos últimos dois anos, de acordo com um estudo encomendado pela Fender, com 62% citando os bloqueios da Covid como motivação. Assim, as vendas da Fender estão crescendo.
“Crescemos cerca de 30% ao ano durante a pandemia”, diz o CEO Andy Mooney, que ingressou na Fender em 2015, quando as receitas eram de US$ 400 milhões (cerca de R$ 2 bilhões, na cotação atual) e o crescimento de um dígito nas vendas era a norma. “No ano passado, recebemos mais de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) em demanda. Por motivos da cadeia de suprimentos, não fomos capazes de atender a essa demanda, mas chegamos bem perto.”
A Fender, com sede em Los Angeles, não está sozinha. As vendas gerais de instrumentos musicais e equipamentos de gravação aumentaram durante a pandemia. De acordo com dados da Music Trades, os varejistas registraram US$ 8,9 bilhões em vendas em 2021, um aumento de 22%, e em nenhum lugar a compra foi mais rápida do que em instrumentos com trastes.
O boom durante a pandemia deu uma nova vida a muitos dos players do setor, com problemas há tempos. A Gibson Brands, de Nashville, entrou em falência em 2018, mas viu suas vendas aumentarem o suficiente para que seus proprietários de private equity, incluindo a KKR, pagassem centenas de milhões em dividendos. A gigante Guitar Center, que entrou com pedido de falência em novembro de 2020, ressurgiu um mês depois e, graças à explosão das vendas online, supostamente apresentou documentos para um IPO.
A varejista digital Sweetwater fez uma série de contratações, quase dobrando seu quadro de funcionários para 2.400 pessoas e registrando vendas recordes de US$ 1,4 bilhão (R$ 7 bilhões) em 2021 – uma alta de 25% em relação a 2020, que já havia sido 20% maior do que o ano anterior.
“Durante a pandemia, quando tudo parou, muitos pensaram: ‘Preciso de algo para aliviar um pouco minha alma’, então compraram um instrumento e estão voltando a tocar” – John Hopkins, CEO da Sweetwater
“Vimos um incrível ressurgimento de pessoas que tinham uma paixão pela música quando eram mais jovens, no ensino médio ou na faculdade, e depois a largaram e tiveram filhos, compraram uma casa e desenvolveram uma carreira”, diz John Hopkins, CEO da Sweetwater, que abriu um novo centro de distribuição de 46 mil metros quadrados em 2020 e vendeu uma participação majoritária para um comprador de private equity em 2021. “Durante a pandemia, quando tudo fechou, muitos pensaram: ‘Preciso de algo para aliviar um pouco minha alma’, então eles compraram um instrumento e estão voltando a tocar ”
Ainda assim, ninguém se beneficiou da quarentena causada pela Covid-19 mais do que a Fender, com 76 anos de história. Isso aconteceu, em parte, porque seu CEO, Mooney, já havia reformulado o marketing da empresa, empregando estratégias que ele adquiriu após 20 anos na Nike e, mais recentemente, liderando os negócios de produtos de consumo da Disney – entre eles o lançamento da linha Princess e uma reformulação das lojas da marca.
Antes da tomada de controle por Mooney, a Fender dependia fortemente de suas vendas de varejo e todo o seu orçamento de marketing, de US$ 16 milhões (R$ 80,6 milhões), era direcionado para o comércio, para lugares como Guitar Center e lojas de música locais.
“Do ponto de vista do consumidor, nossos lançamentos foram como árvores caindo na floresta”, diz Mooney, nascido na Escócia, um ávido guitarrista que começou sua carreira em finanças. “As únicas pessoas que sabiam [sobre eles] eram os vendedores da loja.” Hoje, o orçamento de marketing da Fender é de US$ 100 milhões (R$ 2,5 bilhões) e é direcionado inteiramente ao consumidor, principalmente via mídia social.
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Uma pesquisa que Mooney encomendou em 2015 revelou que quase 50% de todas as compras de suas guitarras foram feitas por iniciantes e que 50% deles eram mulheres. Isso é um problema quando sua empresa depende de vendas na loja. Lojas de guitarra barulhentas e dominadas por homens, onde os músicos de fim de semana mostram suas habilidades, são particularmente intimidantes para iniciantes e mulheres. “O ambiente é um pouco como a indústria do surfe”, diz Mooney. “É um clube que você só entra se já estiver nele.”
A outra revelação que a pesquisa de Mooney descobriu foi que 90% dos guitarristas iniciantes abandonaram suas guitarras no primeiro ano, mas os 10% que continuaram se tornaram aficionados que gastaram, em média, US$ 10.000 em equipamentos durante suas vidas.
O CEO também contratou um diretor de produtos digitais, mudança radical para uma empresa que por três quartos de século fabricava principalmente produtos de madeira e metal. Em 2017, o novo braço digital lançou o Fender Play, um aplicativo de ensino recheado de vídeos de guitarra, baixo e ukulele, com 3.000 aulas e 1.000 músicas, ministradas por um grupo diversificado de instrutores millennials, todos com as mais novas guitarras e amplificadores Fender.
Quando a Covid-19 chegou no início de 2020, o app, que custa aos usuários US$ 9,99 por mês, tinha 110.000 assinantes. Aproveitando o momento, Mooney tornou o Fender Play gratuito por 30 dias. Em uma semana, sua contagem de assinantes dobrou. No final de junho de 2020, quase um milhão de músicos iniciantes se inscreveram para experimentar o aplicativo, e logo suas caixas de e-mail e feeds das redes sociais estavam se enchendo de promoções para comprar equipamentos Fender.
Outras mudanças importantes para a Fender envolveram o que Mooney chama de negócios de bloqueio e combate básicos, que ele diz ter aprendido na Nike.
“A Fender lançava algo e dizia que estaria disponível em março, o que significava que você poderia obtê-lo em agosto ou setembro. Havia um histórico de falta de prazos e não existia propaganda dos produtos”, diz Mooney. “A Nike cumpriu todos os prazos e sempre foi capaz de combinar os lançamentos de marketing e inovação de produtos.”
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Mooney encurtou o ciclo de vida de todos os principais produtos da Fender, de sete para três ou quatro anos, e renovou a arquitetura de marca para ser mais parecida com a da Nike, onde submarcas, como Jordans ou Nike SB e Nike Free, são adaptadas a diferentes tipos de clientes.
Antes de Mooney, as versões das icônicas Stratocasters e Telecasters da Fender eram diferenciadas principalmente por preço e qualidade, que estavam diretamente relacionadas ao local onde eram fabricadas – nos EUA, México ou Sudeste Asiático. Hoje, as guitarras clássicas da marca, como a Stratocaster, têm submarcas direcionadas a diferentes guitarristas. Apenas entre as Strats feitas na Califórnia, existem vários segmentos, incluindo American Ultra, American Professional, American Original e American Performer.
O American Ultra tem como alvo tocadores abastados da Geração X e Boomers dispostos a pagar US$ 2.100 por versões aprimoradas da guitarra clássica, com captadores silenciosos e modificações fáceis de tocar não encontradas nas Fenders antigas (usados por, digamos, Stevie Ray Vaughn ou Eric Clapton). Os puristas que desejam especificações e timbres tradicionais em suas guitarras escolheriam os Stratocasters “American Original”, que parecem e custam o mesmo valor.
Para músicos mais jovens, guitarras semelhantes feitas na cidade de Ensenada, no México, começam em US$ 800 (cerca de R$ 4.000), mas aqueles que desejam as mesmas especificações vintage, que Leo Fender colocou em suas guitarras originais na década de 1950, podem comprar a linha Vintera da Fenders por US$ 1.200 (R$ 6.000). As guitarras fabricadas no Sudeste Asiático têm como alvo iniciantes e custam cerca de US$ 200 a US$ 600 (de R$ 1.000 a R$ 3.000).
O bloqueio e o combate estão funcionando. Apesar da pandemia, os lançamentos de novos produtos da Fender não perderam o ritmo. Em 2020, foram postos no mercado 38 novos produtos, principalmente amplificadores e guitarras, e em 2021, quase 30. Eles são apoiados com marketing online de um exército de jovens artistas independentes e influenciadores do YouTube.
Daqui para frente, o maior desafio da Fender será converter o boom de guitarristas novatos em músicos para toda a vida. “Se pudéssemos reduzir a taxa de abandono em apenas 10%, poderíamos dobrar as vendas de hardware ao longo do tempo”, diz Mooney.
Uma maneira pela qual a Fender fará isso é com a nova tecnologia – nem sempre bem-vinda por seus clientes mais fiéis, roqueiros clássicos que tendem a ficar presos no passado. Além das aulas ministradas via smartphone, a Fender está tentando fisgar os guitarristas usando tecnologia inteligente para eliminar o atrito em outras frentes.
“Agora acreditamos no topo do funil de vendas em termos digitais, que o mercado para novos músicos é realmente infinitamente expansível e não há razão para que não possa haver uma guitarra em todas as casas do mundo” – Andy Mooney, CEO da Fender
“Um dos maiores desafios dos iniciantes é superar a dor [física]”, diz o diretor de marketing da Fender, Evan Jones, referindo-se ao que acontece quando as pontas dos dedos com calos pressionam as cordas de aço dos instrumentos de corpo grande que a maioria dos iniciantes compra.
Em 2019, a Fender lançou uma guitarra elétrica/acústica híbrida de alta tecnologia chamada Acoustasonic, que oferecia toda a ressonância profunda das guitarras acústicas maiores feitas por Martin e Gibson, mas em um corpo de guitarra elétrica menor e mais fácil de tocar. Debaixo de sua capa de pinho e mogno está tecnologia séria: a guitarra recarregável mini-USB possui um avançado processador de sinal digital e um “Stringed Instrument Resonance System” patenteado que produz dez tons distintos que vão de Doc Watson a Keith Richards.
A guitarra inicialmente custou US$ 2.000 (R$ 10 mil) e foi fortemente promovida a músicos profissionais, que vão de Faye Webster a Lindsey Buckingham. Mas, de acordo com o plano estratégico de Mooney, uma versão mexicana pela metade do preço foi lançada em novembro.
Mooney finaliza: “Agora, acreditamos no topo do funil de vendas em termos digitais, que o mercado para novos músicos é realmente infinitamente expansível e não há razão para que não possa haver uma guitarra em todas as casas do mundo”.