Vivemos em um mundo desigual. Famílias com realidades distintas, quase incomparáveis. Uma metáfora muito usada em tempos de Covid-19 é comparar a pandemia a uma tormenta em mar revolto: todos nós estamos atravessando, uns em navio de luxo, outros em barco a remo e a maioria largada no mar.
Uma das questões que mais ouvi nas reuniões das famílias empresárias era como a família e o negócio iriam se portar frente à brutal realidade da fome, da falta de condições hospitalares, do aumento da violência contra mulheres. Essa discussão fortaleceu muito uma crença minha: as famílias empresárias têm sim a responsabilidade de assumir uma causa, de retornar à sociedade – em ações, tempo e investimento – seus ganhos e sua prosperidade.
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As famílias são sistemas conectados ao ecossistema no qual seus negócios operam. Muitas vezes suas temáticas já são muito claras de onde pode colaborar para a sociedade. Seria óbvio dizer que uma família empresária que produz bebidas pode doar bebidas às comunidades de seu entorno. Essa reflexão, porém, merece um pouco mais de profundidade.
Dedicar tempo, unindo os membros da família em torno desse debate, será uma grande oportunidade de se entender qual é a vocação da família, qual é a causa com que juntos podem mudar o mundo.
Existem múltiplos caminhos, consultorias, pensadores que auxiliam as famílias em tal exercício. Minha preferência baseada em experiência própria em governança familiar é que o primeiro passo seria identificar os valores familiares. Identificar os valores comuns aos membros da família é um exercício poderoso, que fortalece os vínculos, relembra os porquês de como as decisões são tomadas e esclarece às novas gerações o caminho percorrido até o momento. Tendo uma visão mais clara da estrutura de valores que sustenta a união familiar, o próximo passo é entender qual é o papel de sua família na sociedade. É comum já ter claro o papel do seu negócio, mas definir o papel da família pode ter outros desdobramentos.
A partir de uma reflexão multigeracional, a família pode optar por causas que conectem as gerações. O caminho da vocação da família pode levar a uma causa ligada às externalidades ambientais, aos efeitos transversais do seu negócio sobre outras pessoas que não estão diretamente evolvidas com a atividade da empresa. Pode assumir um olhar para as temáticas de ESG, tão debatidas hoje nos negócios.
Tenho também encontrado famílias que adotam uma causa anual para compreensão de novas temáticas, ampliando o repertório de seus membros a respeito de questões importantes para um mundo em constante transformação. Como sempre digo para famílias empresárias: não existe o “one size fits all”, por todas as complexidades de cada constituição familiar, mas a união para compreensão mais profunda de seus valores e para debater a respeito de sua vocação que impacte o mundo é sempre uma forma potente de fortalecer os vínculos e perpetuar o legado familiar.
Flávia Camanho Camparini é Conselheira, mentora e coach. Especialista em Desenvolvimento Humano e Governança Familiar. Fundadora da Flux Institute. Professora convidada do IBGC para programas de Governança e Next G.
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Coluna publicada na edição 95, de março de 2022.