A viagem regenerativa, um conceito que mal existia há alguns anos, entrou na conversa mainstream. Há uma comunidade dedicada a promover o que muitos na indústria de viagens consideram uma evolução crítica além das viagens sustentáveis. Enquanto o turismo sustentável visa contrabalançar os impactos sociais e ambientais associados às viagens, as viagens regenerativas ecoam as práticas agrícolas destinadas a reverter os impactos ambientais. Em outras palavras, os viajantes devem deixar um lugar melhor do que o encontraram.
Em 2016, a associação hoteleira Relais & Chateaux, composta por hotéis e restaurantes de luxo em 68 países, associou-se à ONG Slow Food com o objetivo de salvaguardar a biodiversidade e o património culinário. Embora se especializem em diferentes setores, ambas as organizações têm as mesmas preocupações com o planeta. Essa troca de ideias levou a Relais & Chateaux a lançar uma campanha anual chamada Food For Change, em 2018. A campanha se concentra em celebrar a biodiversidade agrícola para ajudar a mudar o comportamento do consumidor. Neste ano, o tema é a regeneração.
“Os chefs do Relais & Châteaux são guardiões da biodiversidade, agindo como guardiões da beleza da natureza, que por sua vez cria resiliência em nosso sistema alimentar. Priorizar a saúde do solo resulta em redução de carbono e melhoria dos ciclos da água. Isso é regeneração. Esse é o futuro da gastronomia” diz Olivier Roellinger, vice-presidente da Relais & Châteaux.
Para os viajantes que querem comer e viajar com responsabilidade, aqui estão quatro propriedades Relais & Chateaux onde a agricultura regenerativa e o turismo se encaixam na demonstração do tema de 2022, além de mais duas a caminho.
A atenção plena ao meio ambiente sempre foi um pilar operacional do Wickaninnish Inn em Tofino, British Columbia, no Canadá. A Chef Executiva Carmen Ingham e a equipe do The Pointe Restaurant se concentram em “criar raízes” na comunidade, trabalhando com atores e produtores locais.
“Ingredientes exóticos que eram raros, caros tanto no preço quanto no processo, e aqueles que ganhavam uma imagem de elitismo, já foram a marca do luxo”, diz Ingham. “Hoje, os clientes estão mais conscientes do delicado equilíbrio de nosso mundo natural e estão aprendendo mais sobre a ética por trás dos alimentos que comemos.”
Tofino Ucluelet Culinary Guild é uma organização sem fins lucrativos que conecta agricultores, pescadores, pecuaristas e produtores de alimentos da Ilha de Vancouver a famílias, restaurantes, mercados e empresas na costa oeste. O Restaurante Pointe foi membro fundador do TUCG e continua a fomentar esta relação para fornecer os melhores produtos locais aos hóspedes e apoiar os agricultores e produtores locais.
Exemplos dessas parcerias incluem a Naas, fornecedora de peixes do restaurante. A empresa de propriedade indígena opera com o objetivo de garantir que todos os frutos do mar sejam capturados e vendidos localmente, em Tofino. Frutos do mar chegam ao Wickaninnish Inn frescos, entregues na cozinha em uma sacola, em vez de embalagens de isopor. Um produto regenerativo oferecido pela Naas é a alga colhida à mão das águas limpas de Clayoquot Sound.
“A reintrodução de variedades de sementes tradicionais, métodos de aquacultura que devolvem ao ecossistema e práticas agrícolas biodinâmicas, são apenas algumas das maneiras pelas quais os principais chefs estão promovendo a regeneração de nossos sistemas alimentares, o que, em última análise, tem um efeito de engajamento, que vão de refeições requintadas àquelas caseiras diárias”, diz Ingham.
Weekapaug Inn, em Rhode Island, EUA
O Weekapaug Inn de Weekapaug, em Rhode Island, estabeleceu uma meta de baixo a zero desperdício para suas operações de restaurantes. Nos Estados Unidos, a certificação de desperdício zero é um desafio, em função da forma como os alimentos são entregues (principalmente em plástico e outros materiais de uso único), armazenados e depois descartados, desde a embalagem até os restos de alimentos.
Para ser certificado como desperdício zero, os restaurantes devem desviar 90% de seus recursos das lixeiras e refis, o que exige reduzir, reutilizar ou reciclar a maioria de seus ingredientes, ferramentas e outros recursos. Mesmo o baixo desperdício tem obstáculos, mas o Weekapaug Inn estabeleceu um novo roteiro nessa tarefa, começando com uma parceria com a Earth Care Farms, a fazenda de compostagem mais antiga em operação de Rhode Island.
“O ambiente local é importante para nós e nossos hóspedes, por isso é nossa responsabilidade usar as melhores práticas culinárias regenerativas disponíveis”, diz Andrew Brooks, Chef Executivo do Weekapaug Inn. “Estamos orgulhosos de trabalhar com os agricultores locais em ciclos agrícolas mais sustentáveis; procuramos continuamente novas formas de ser bons administradores da terra e do mar”, afirma.
A Earth Care Farms faz a compostagem dos restos de comida da propriedade, que são reaproveitados no solo pelos agricultores locais. A pousada também utiliza uma pequena parte para o manejo da horta de ervas e na estufa. Para reduzir ainda mais sua pegada de carbono, a pousada instalou recentemente um sistema de aquecimento e resfriamento geotérmico de última geração. O sistema anterior da propriedade, embora admirável, utilizava continuamente a água do mar; a nova tecnologia Rygan HPGX opera em circuito fechado, o que significa que não há impacto no aquífero ou nos ecossistemas costeiros sensíveis. Finalmente, um sistema de reciclagem limpa e reutiliza as águas residuais canalizando-as para irrigação, uma peça importante do quebra-cabeça regenerativo em um verão atormentado pela sec, como o atual.
Fazendas SingleThread, na Califórnia, EUA
O restaurante SingleThread, em Healdsburg, Sonoma County, na Califórnia, ganhou o centro das atenções por sua comida estrelada pelo Michelin, nascida de práticas agrícolas cuidadosas e regenerativas. Uma colheita diária em uma propriedade de cerca de 10 hectares, que pertence ao restaurante, fornece 70% dos produtos, ervas e flores comestíveis utilizadas pelo Chef Kyle Connaughton.
A propriedade rural funciona como um centro de permacultura com práticas regenerativas. Além disso, o restaurante serve carne de patos Duclair, criados soltos para a SingleThread por uma fazenda local, e carne bovina de animais da raça japonesa wagyu, alimentados com capim proveniente de um rancho a 15 minutos de distância. A fazenda se estende por mais 120 hectares destinados a um programa de gerenciamento regenerativo da terra.
“Na Fazenda SingleThread, temos uma oportunidade incrível de ampliar o foco agrícola, junto com nosso propósito educacional. Nossa equipe pode compartilhar conhecimento de práticas agrícolas regenerativas por meio de passeios e também em nossa Farm Store. É tanto uma fazenda quanto um espaço de aprendizado para os hóspedes que desejam aprofundar seu relacionamento e conhecimento sobre a origem de sua comida”, diz o chef Kyle Connaughton.
Embora mais conhecido por seu restaurante, o segredo é que o SingleThread administra uma pequena pousada de 4 apartamentos e uma suíte no andar acima do restaurante, que contam com banheira, piso aquecido, além de um café da manhã elaborado por Connaughton. Os hóspedes da pousada também têm uma reserva garantida no restaurante, embora possam desfrutar de um menu de degustação de 11 pratos servidos no quarto, espelhando uma experiência ryokan no Japão.
Fazenda Calabash, em Granada, no Caribe
Na rica ilha vulcânica de Granada fica o Calabash Luxury Boutique Hotel. A uma hora de distância, uma fazenda familiar de 200 anos atende às necessidades culinárias do hotel. A colheita diária da fazenda está estampada no cardápio sazonal, composto em grande parte por frutas e legumes. Práticas agrícolas regenerativas, incluindo agrossilvicultura e consórcio, ajudam a conservar o solo e manter a biodiversidade. Árvores e outras culturas alimentares, incluindo banana, fruta-pão e goiaba, crescem entre as árvores de cacau e noz-moscada. Este método de cultivo produz solos mais ricos e, por sua vez, maiores rendimentos e colheitas mais saudáveis e nutritivas.
“É preciso dar maior importância à origem da nossa comida e à pegada que os ingredientes levaram para chegar aos nossos pratos”, diz o chef executivo do hotel, Ramces Castillo. “É nossa responsabilidade deixar os hóspedes e clientes entusiasmados com a mudança de hábitos para normalizar comportamentos e atitudes sustentáveis em relação à comida. Se não somos nós, então quem fará isso? A agricultura é responsável por 11% das emissões globais de gases de efeito estufa e essa seria a mudança mais fácil e rápida de se fazer”, afirma.
Secret Bay, Dominica, no Caribe
Situado em um penhasco em um ambiente de selva, o Secret Bay é um refúgio isolado de comida e bem-estar. A propriedade incorpora práticas regenerativas, em parte, devido à sua localização. A equipe de culinária faz a compostagem das sobras para uso nas hortas orgânicas das vilas. O chef procura ingredientes locais para um conceito sazonal no menu no restaurante Zing Zing.
Os produtos de higiene pessoal do Secret Bay são provenientes de ingredientes locais, assim como os produtos utilizados nos tratamentos de spa. Uma das experiências mais populares do resort é a caça ao peixe-leão. A gestão da população desta espécie invasora contribui para a a saúde dos recifes de coral e, por sua vez, ajuda a comunidade que se beneficia dos peixes de recife.
Pousada em Hastings Park, Lexington, EUA
O Inn at Hastings Park oferece experiências imersivas de comida e vinho a apenas 15 minutos de Boston. A proprietária e educadora culinária da pousada, Trisha Pérez Kennealy, é uma defensora de longa data das fazendas locais da Nova Inglaterra.
A pousada funciona em parceria com a Fazenda Wilson, localizada a poucos minutos; Codman Community Farms, localizada em Lincoln, MA; e o Projeto Agricultura Sustentável Nova Entrada. Trisha é membro e consultora ativa de Codman Farms e New Entry.
Esforços adicionais realizados pela chef executiva, Alissa Tsukakoshi, no restaurante Town Meeting Bistro incluem cozinhar cortes de carne menos populares, como pescoço de cordeiro assado para um “cavatelli de cordeiro” e cultivar ervas comestíveis no jardim.
* Lauren Mowery é colaboradora da Forbes EUA e editora de viagens da Wine Enthusiast.