Setor severamente afetado pelas restrições da Covid-19, o turismo comemora sua retomada no Brasil e no mundo. O fechamento dos números do turismo nacional nos cinco primeiros meses de 2022 mostra que o setor ainda não atingiu o patamar de 2019 – mas está no caminho para tal superação: o faturamento de janeiro a maio ficou apenas 8,5% abaixo dos idos pré-pandêmicos, ocasião em que o setor faturou R$ 84,6 bilhões. E o mercado do turismo de luxo é um dos que comemora a retomada.
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Para medir o aquecimento do mercado de turismo de luxo no continente, um ótimo termômetro é o crescimento de 100% da edição do ILTM Latin America (International Luxury Travel Market), realizada em maio na Bienal do Ibirapuera, em relação ao evento anterior, seis meses antes, no Tivoli Mofarrej São Paulo Hotel. No evento mais recente, participaram 275 empresas expositoras, representando 40 países, 30% deles estreando em um dos calendários mais aguardados do setor.“O interesse no mercado da América Latina está maior do que nunca”, disse Simon Mayle, diretor da ILTM (International Luxury Travel Market) Latin America.
Alguns fatores contribuem para isso. As fronteiras fechadas na Ásia por muito tempo impactam a indústria de luxo no Brasil e na América Latina, atraindo o turista que busca experiências culturais e mais próximas à natureza.” Mayle reforça que a transformação da sociedade no período pós-pandemia se reflete na busca de experiências significativas e conscientes. “O contato com a natureza, destinos com oferta de atividades a céu aberto, bem-estar, prática de esportes, reconexões familiares e com amigos são as principais preferências do turista de luxo.”
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A análise de Mayle faz eco nos números do Anuário 2021 da BLTA (Brazilian Luxury Travel Association), feito em parceria com o Senac São Paulo, que confirmam a recuperação da hotelaria de luxo no país. “Em 2021, contabilizamos mais de R$ 1,8 bilhão de faturamento, número 50% superior ao de 2019. Foram registrados 876.341 hóspedes, mais que o dobro de 2019”, comparou Alex Da Riva, presidente da associação até o fim de 2022. “Mas, como tivemos um aumento no número de associados na BLTA, a taxa de ocupação é um indicador mais adequado para mostrar a evolução: em 2019, esta taxa estava em 52,5%; em 2021, atingiu 57,4%. É importante notar que grande parte dessa ocupação em 2021 foi realizada por brasileiros viajando pelo Brasil, totalizando 90,7% da demanda; em 2019, os brasileiros representavam apenas 59% da demanda. Outro indicador interessante é a diária média, que passou de R$ 1.549 em 2019 para R$ 2.125 em 2021, um aumento de 37%. E o RevPAR, que é uma combinação da ocupação com diária média, passou de R$ 813 em 2019 para R$ 1.222 em 2021, um aumento de 50%.”
O impacto no mercado de trabalho também não passou despercebido pela análise de BLTA. “A hotelaria de alto padrão é uma das que mais geram empregos, com uma média de 2,56 colaboradores por unidade habitacional. Somente em 2021 os hotéis da BLTA realizaram mais de 1.800 contratações, empregando atualmente cerca de 5.600 colaboradores. Vale sublinhar que, em 100% dos empreendimentos da associação, existem mulheres em posições de liderança. A igualdade de gênero é um dos objetivos de desenvolvimento sustentável e faz parte da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, sendo uma preocupação incorporada pelos empreendimentos da BLTA no sentido de desenvolver as melhores práticas de governança”, afirma Alex.
NORDESTE E AMAZÔNIA
A curva ascendente dos resultados motivou medidas de expansão dos associados, conforme relata Simone Scorsato, CEO da BLTA. “Conseguimos atrair uma demanda ansiosa para retomar suas viagens após a flexibilização das restrições sanitárias: 63% dos nossos associados [50 hotéis e 5 agências] pretendem ampliar seus negócios este ano. O nosso maior desafio para os próximos anos é recuperar a demanda internacional.” Entre os viajantes nacionais, o principal polo emissor segue sendo São Paulo (88%), seguido pelas capitais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Vindos da Europa, os ingleses superam alemães, franceses e espanhóis. Em relação ao tempo de permanência nos hotéis, as estadas maiores, entre 4 e 7 dias, cresceram de 26% em 2019 para 37% em 2021, reflexo da manutenção de novos modelos de trabalho e estudo remoto. Estadias de até três diárias continuam sendo maioria, com 56% dos hóspedes.
As tendências apresentadas tanto pela ILTM quanto pela BLTA convergem para a valorização do público nacional às experiências relacionadas à flora e fauna do Brasil. “Produtos de natureza tiveram grande impulsionamento na pandemia”, resume Simone Scorsato. “É uma vertente que já tinha produtos consolidados, mas que agora possui outros que buscaram uma excelência inédita. Houve uma qualificação da oferta brasileira.”
Simone conta que o litoral segue liderando a preferência nacional, com o Nordeste na ponta. As praias mais desejadas se concentram no arquipélago de 21 ilhas (só uma habitada) de Fernando de Noronha (PE), com Baía do Sancho, Baía dos Porcos, Sueste e Praia do Leão sempre no topo das listas. Curioso que, no litoral de um país com cerca de 7.500 quilômetros de orla, as praias mais cultuadas se espremam nos 17 quilômetros quadrados de uma ilha. Além de excelente visibilidade para mergulhos, Noronha tem uma série de trilhas para caminhada e um legado histórico bem preservado.
“Um dos lugares mais procurados para hospedagem na ilha é o Nannai [próximo à praia do Sueste]”, revela Eduardo Gaz, CEO do TTW Group, que engloba SkiBrasil (28 anos no mercado, focada em destinos de neve), SkiUSA e Selections (especializada em experiências individualizadas há 15 anos). Eduardo celebra resultados expressivos no primeiro semestre deste ano. “Crescemos um terço, em dólar, comparado com o resultado do primeiro semestre de 2019. É um indicador de que 2022 será o melhor ano da história. Nosso objetivo é um crescimento de 40% em dólar.”
SUÍÇA O ANO INTEIRO
Eduardo conta que o brasileiro volta a mirar o exterior em 2022, depois de dois anos descobrindo o interior do próprio país. “O verão europeu vendeu muito: França, Itália, Suíça – que foi a primeira a abrir e se fortalecer como destino o ano inteiro –, Grécia, Croácia… Tudo lotado.” Ele recorda que saiu do faturamento negativo depois que as viagens começaram a se intensificar para destinos como México e Maldivas – neste arquipélago, Eduardo teve um cliente que pediu para ficar uma semana com a família, mas acabou esticando para dois meses. “Hoje somos maiores e mais reconhecidos no mercado global do que éramos em 2019. Se eu pudesse, não passava por nada disso, mas aconteceu.”
O ano de 2021 serviu para recuperar o setor hoteleiro nacional ligado ao meio ambiente e às áreas de preservação. Destinos normalmente atraentes para o viajante estrangeiro caíram no gosto de um exigente público nacional impedido de ir além-mar. “Acabou aquela coisa que não há infraestrutura adequada. O pessoal daqui viajou muito pelo Brasil e adorou”, diz Eduardo. Prova disso é o resultado do Cristalino Lodge, no sul da Amazônia, norte do Mato Grosso, região de Alta Floresta, localizado próximo ao rio Teles Pires.
Com 18 acomodações, o Cristalino é considerado dos melhores pontos de observação de aves no país, com duas torres de 50 metros que trespassam o teto de copas de árvores e descortinam um visual espetacular e exclusivo da floresta densa. “Em 2020, ficamos seis meses fechados por causa da pandemia, mas 2021 foi um ano de retomada, tivemos um crescimento de 130% no resultado”, contabiliza Alex Da Riva, CEO do Cristalino. A curva ascendente segue em 2022: o primeiro semestre contou 371 hóspedes, contra 216 no mesmo período do ano passado, um aumento de 71%. “Temos a expectativa de crescimento de aproximadamente 18% em 2022 em relação a 2021.”A gangorra de frequência entre brasileiros e estrangeiros também se exemplifica no Cristalino: em 2019, brasileiros representaram 38,3% do total de leitos ocupados no hotel: em 2021, essa porcentagem subiu para 81,8%. “Em 2022, brasileiros seguem viajando pelo Brasil, mas os estrangeiros estão começando a voltar”, observa Alex. “A projeção de 2022 é de 54% de leitos ocupados por brasileiros. Fico muito contente em ver os brasileiros apaixonados descobrindo o Brasil, e sobretudo a Amazônia. Os brasileiros precisam visitar mais e mais esse lugar tão lindo e inspirador.”
Fechando o trio de hotéis de luxo na floresta amazônica, Eduardo Gaz destaca também o Anavilhanas Lodge e o Mirante do Gavião, ambos em Novo Airão, a 2h45 ao noroeste de Manaus, às margens do rio Negro e vizinho ao Parque Nacional de Anavilhanas, um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo. No Mirante do Gavião (muito procurado também pela arquitetura surpreendente das 13 suítes), o resultado de 2021 se igualou ao de 2019 e, em 2022, deve superar em 20% os números de clientes.
Ruy Carlos Tone, sócio do Mirante, conta que, nos planos de expansão da operação, ele aguarda as licenças necessárias para abrir as portas do “hotel irmão”, Madadá Lodge, com projeto de Marko Brajovic, a 50 km de Novo Airão, que será acessado apenas por barco e hidroavião. Ruy também é sócio da Expedição Katerre – viagens de barco com programas de quatro a oito dias. No primeiro semestre, foram 22 expedições; para o segundo, há mais 20 saídas confirmadas (em 2021, foram dez expedições). O roteiro mais procurado é o que leva ao Parque Nacional do Jaú, em uma navegação de cinco dias para um dos pontos de maior biodiversidade da Amazônia.
ONÇAS E ARARAS-AZUIS
Ainda no interior do país, cresce o interesse pelo Pantanal, graças ao Ibope da novela e a ações bem-sucedidas de manutenção da fauna como os programas do Onçafari e do Instituto Arara Azul, ambos podendo ser desfrutados por viajantes que ficam na melhor hospedagem do Pantanal (a 40 km de Miranda, MS): o Refúgio Ecológico Caiman, uma fazenda de gado de 1912, de porteiras abertas para o turismo desde 1987 e que, em maio de 2021, inaugurou a Casa Caiman. São 18 apartamentos onde funcionava a sede da fazenda (as duas minipousadas – Cordilheira e Baiazinha – viraram villas privativas de cinco e seis suítes). Antes da pandemia, a ocupação era de 85% de estrangeiros; em 2021, a proporção virou para 91,6% de brasileiros. O resultado do primeiro semestre de 2022 já foi maior do que o de 2021. A expectativa é de um crescimento no ano de 57% em relação ao ano passado.
Em Caiman, vagam 102 espécies de mamíferos, 177 de répteis, 40 de anfíbios, 264 de peixes e 652 de aves. Calcula-se que no meio desta bicharada existam cerca de 60 onças zanzando pela fazenda, nove delas usando colar com GPS. O índice de avistamento de onças por turistas no local é de 98%. Já o Instituto Arara Azul é fruto da dedicação da bióloga Neiva Guedes, que conseguiu, em 2014, tirar a arara-azul da lista de espécies em extinção – hoje é possível acompanhar o monitoramento de parte dos cerca de 300 ninhos controlados pelo Instituto. A torcida é que este cenário se fortaleça a cada ano: turismo ecológico associado à defesa da fauna e da flora que fazem do Brasil um dos países mais lindos da Terra.
Artigo publicado na edição 99 da revista Forbes, de julho de 2022.