Há mais de 15 anos, o pesquisador e escritor norte-americano Dan Buettner estuda a fundo regiões do mundo conhecidas pela longevidade e pela grande quantidade de centenários, batizadas de “zonas azuis”. A partir das suas expedições, ele escreveu uma série de livros best-sellers que destrincham os hábitos, a configuração social e o ambiente das pessoas mais longevas do mundo.
Os cinco locais estudados por Buettner estão espalhados pelo planeta, têm as mais diversas culturas consolidadas e, mesmo assim, compartilham de pontos em comum no quesito alimentação, exercício físico, conexões sociais e espirituais.
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Segundo o estudo dinamarquês “Danish Twin Study”, apenas 20% da nossa longevidade é determinada por genes. Os outros 80% estão a cargo do estilo de vida e do ambiente. Isso significa que, mesmo que envelhecer seja inevitável, o modo como envelhecemos tem tudo a ver com escolhas.
Por isso, as lições das “zonas azuis” são tão valiosas: são conselhos de uma boa vida e uma boa velhice por quem já passou e passa por isso com sucesso. Tudo começou na Sardenha. Ao delimitar a área de estudo de longevidade da ilha, especialistas em demografia marcaram o mapa de azul, dando origem à primeira “zona azul”.
Hoje, são cinco ao redor do mundo: Okinawa, no Japão, Loma Linda, nos Estados Unidos, Icária, na Grécia, Península de Nicoya, na Costa Rica, e a Sardenha, na Itália. Apesar de serem lugares distantes entre si e com culturas muito diferentes, Buettner conseguiu identificar neles alguns pontos comuns que fazem com que as regiões tenham uma expectativa de vida alta.
Ele resumiu tudo em nove lições:
- Mexa-se naturalmente: as pessoas nas “zonas azuis” não correm maratonas nem puxam ferro, mas ca-minham em montanhas íngremes para chegar ao trabalho, cuidam de suas próprias hortas ou têm como ideal de diversão uma agradável caminhada na natureza. Exercícios regulares de baixa intensidade trazem benefícios para o tônus muscular, mobilidade e alívio de estresse.
- Pratique a restrição calórica consciente: parar de comer antes de estar 100% saciado pode trazer grandes benefícios ao organismo. Isso porque o cérebro demora cerca de 20 minutos para “entender” a saciedade, e a estratégia ajuda a conter o exagero. O pilar tem muito a ver com o mindful eating, que prega que se coma devagar e percebendo como o corpo reage àquele alimento.
- Tenha uma alimentação baseada em produtos frescos e vegetais: isso não quer dizer uma dieta vegetariana – todas as “zonas azuis” incluem a carne e produtos animais na cultura alimentar, mas de forma secundária. O foco são verduras, frutas, legumes e castanhas, sempre frescas e preparadas em casa.
- Beba vinho (com moderação): o álcool em pequenas quantidades pode reduzir o estresse e melhorar a saúde do coração. Mas, acima de tudo, o vinho (e o saquê, no caso dos okinawanos) faz parte de uma cultura e de rituais sociais.
- Encontre o seu propósito: chamado pelos okinawanos de “ikigai”, o propósito é a razão pela qual se levanta da cama, e os habitantes das “zonas azuis” parecem ter uma noção muito clara dos seus – seja o trabalho, a família ou até mesmo a tarde de conversa boa com os amigos.
- Desacelere e faça coisas que nutram a alma: pode ser um afazer religioso ou uma caminhada com os amigos. Níveis mais baixos de estresse significam menos inflamações crônicas.
- Encontre uma comunidade espiritual: uma coisa comum à maioria dos centenários entrevistados é a fé. Pessoas que participam de rituais religiosos têm menos chances de se engajar em comportamentos prejudiciais, tendem a ser mais ativas, menos estressadas e a ter um autoconhecimento maior.
- Prioridade à família: quando se prioriza a família, geralmente há um retorno em forma de cuidado e carinho. A maioria dos centenários das zonas azuis viviam com gerações mais novas da família, uma interação benéfica para os mais velhos e para os mais novos.
- Cerque-se das pessoas certas: conexões sociais profundas são intimamente ligadas à longevidade. Mais ainda: se suas conexões seguem hábitos saudáveis, suas chances de segui-los aumenta bastante.
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Confira a seguir os detalhes e os segredos das cinco zonas azuis do mundo:
ICÁRIA, GRÉCIA
Icária é o que se pode esperar de uma ilha grega paradisíaca. Ela é a mais nova “zona azul”, e ostenta uma das menores taxas de mortalidade da meia-idade do mundo e menor taxa de demência entre idosos. É uma ilha isolada, a oeste da costa da Turquia, que mantém tradições seculares.
Ali é adotada uma versão singular e radical da dieta mediterrânea, que privilegia legumes, grãos integrais, frutas, peixes, azeite de oliva, leite de cabra, queijo e vinho. Os icarianos comem lentamente e acompanhados, numa refeição muitas vezes seguida de uma soneca. Usam muito o mel, e os chás consumidos por lá são considerados por especialistas como medicinais e diuréticos, o que auxilia na circulação.
Os icarianos dormem tarde e acordam tarde. Ninguém liga para o relógio e muito menos para atrasos. Não existe palavra em grego para “privacidade”. Para os icarianos, isso se traduz em um senso de conexão e segurança. Um fato curioso é que, depois da Segunda Guerra, o governo grego exilou cerca de 13 mil comunistas na ilha. Até hoje, o senso de comunidade e divisão permanece.
OKINAWA, JAPÃO
Arquipélago ao sul do Japão continental e a leste de Taiwan, Okinawa é uma região ensolarada, de clima subtropical, que já passou por muitos desafios entre dominações, guerras e fenômenos naturais. Talvez por isso os okinawanos sejam tão resilientes.
Região das mulheres mais longevas do mundo, Okinawa não tem uma palavra para “aposentadoria” no dialeto local. Em contrapartida, eles têm a “ikigai”, que significa “a razão para se levantar da cama todos os dias”. Seu “ikigai” pode ser o seu trabalho, seus amigos ou até mesmo segurar a sua tetraneta cem anos mais nova no colo.
Outra palavra okinawana que ajuda a explicar a longevidade da região é “moai”, pequeno grupo de amigos que te acompanha por toda a vida. São redes de segurança que atravessam os bons e maus momentos. Os okinawanos são muito ativos; faz parte da rotina deles abaixar e levantar dezenas de vezes ao dia. A medicina asiática foca mais na prevenção do que no tratamento das doenças. Isso pode ser visto na alimentação okinawana, que inclui vegetais, chás, proteínas de soja e cogumelos.
SARDENHA, ITÁLIA
A primeira “zona azul” está numa região montanhosa da ilha da Sardenha, entre 14 vilarejos da província de Nuoro. Ali se encontra a maior concentração de homens centenários no mundo. São locais em que predominam famílias de pastores e pequenos agricultores.
Mas, apesar da interdependência entre humanos e animais, a carne não é a principal fonte de alimento dos habitantes, que contam com comidas típicas como o pão carta di musica (feito com sêmola de trigo duro), leite de cabra, vinho cannonau (típico da região) e vegetais sazonais.
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As mulheres cuidam da casa, das finanças e da família, ou seja, lidam com toda a responsabilidade e o estresse. Enquanto muitas culturas ocidentais consideram o fato de envelhecer como um fardo, na Sardenha os anciãos acumulam estima e são considerados tesouros culturais. Os sardos dessa “zona azul”, quando envelhecem, são cuidados pela família. Não se aposentam, apenas trocam de emprego, e, mesmo assim, colhem os frutos de anos subindo e descendo morros com suas cabras e ovelhas, cortando lenha e abatendo animais.
LOMA LINDA, CALIFÓRNIA
Loma Linda está 100 km a leste de Los Angeles, e lá se encontra a maior concentração de “adventistas do sétimo dia” do mundo. Apesar de estar numa região urbana de um país conhecido pelo fast food e pela poluição, os habitantes de Loma Linda têm uma expectativa de vida até dez anos maior que a média norte-americana.
Eles têm muito a ensinar em termos de fé e espiritualidade, um dos componentes-chave da longevidade. Os “adventistas do sétimo dia” encerram suas atividades ao pôr do sol de sexta-feira e se dedicam à família e a atividades religiosas até o escurecer do sábado, uma pausa no estresse e nos problemas mundanos. Idas à igreja e refeições compartilhadas com a família são os hábitos mais comuns.
Lá, muitos seguem uma espécie de dieta bíblica, que inclui abacate, salmão, nozes, pão integral, leite de soja e peixe. A ingestão de água é encorajada, enquanto tabgismo e álcool são estritamente não recomendados. O ideal de diversão dos habitantes tem a ver com a natureza, caminhadas e ar livre, hábitos propagados e reforçados pela comunidade.
NICOYA, COSTA RICA
A “zona azul” latino-americana fica no centro da Península de Nicoya, na costa pacífica da Costa Rica. Tem as taxas mais baixas de mortalidade na meia-idade do mundo e a segunda maior concentração de homens centenários. Além disso, tem a melhor dieta de longevidade da história.
Os nicoyanos começam o dia antes do amanhecer. Após uma xícara bem servida de café com açúcar, eles trabalham nos campos ou em casa e realizam uma pausa no meio da manhã para comer. Entre meio-dia e 14h o calor é intenso e o dia de trabalho se encerra; é hora de almoçar.
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Nicoya carrega a herança indígena dos Chorotega, agricultores de subsistência, religiosos, que levavam uma vida com pouco estresse. A alimentação local é baseada em milho, feijão, carne de porco, vegetais e frutas tropicais; é a mesma de séculos atrás. As famosas tortillas da região são feitas de milho nixtamalizado (banhado em água com cal), o que confere ao vegetal altos níveis de cálcio. A água deles também carrega mais minerais do que qualquer outro lugar da Costa Rica, um benefício para coração e ossos.
Reportagem publicada na edição 2 da revista ForbesLife Fashion, lançada em junho de 2022.