À primeira vista, quem adentra os 800 hectares da fazenda Santa Maria, em Espírito Santo do Pinhal, interior de São Paulo, pode até sentir os ares da Itália. Ciprestes, flores coloridas, morros verdejantes e um mar de videiras – as estrelas do local – lembram um cenário típico da Toscana, mas a verdade é que estamos na sede da vinícola Guaspari, na Serra da Mantiqueira.
A fazenda, que fica a menos de 200 quilômetros da capital paulista, é pioneira na vitivinicultura da região. Por ali, tudo é organizado para celebrar o que é “made in Brazil” (em especial o Brasil caipira). Os protagonistas são os vinhos, claro. Com rótulos reconhecidos mundialmente, a vinícola paulista quebra recordes históricos desde 2016, e seus vinhos estão na vanguarda de prêmios internacionais – o mais recente é de maio.
Mas mesmo com os vinhos estrelados, a Guaspari não deixa de lado os produtos locais, como queijos, pães, embutidos e cafés, feitos nas proximidades, que ganham seus “15 minutos de fama” nos tours guiados e abertos à turistas.
No momento, a aposta da vinícola é no enoturismo. Com o consumo de vinho cada vez mais crescente no país e a tendência pós-pandêmica de se refugiar na natureza, não é à toa que a Guaspari virou um sucesso de visitas, sobretudo aos fins de semana. Para atender a demanda, a vinícola oferece vários programas, que variam em duração e época. Na última vindima, por exemplo, um menu especial foi servido após a colheita das uvas. Já o programa mais clássico combina uma visita guiada à produção – do manejo dos vinhedos à indústria e a cave de barricas – com uma degustação de quatro rótulos da linha premium, acompanhados por queijos e salames.
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Divulgação Sede principal da fazenda da vinícola, com mesas ao ar livre para os visitantes
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Divulgação A sede da Guaspari tem lagos, árvores floridas e ciprestes
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Divulgação Uma das mesas do wine bar
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Giovanna Simonetti A degustação de vinhos é feita junto com queijos e embutidos locais, em uma sala com vista privilegiada da propriedade
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Divulgação Nos tours, também é possível conhecer um pouco do processo de produção da vinícola
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Divulgação Na época da vindima, também acontece uma colheita “simbólica” das uvas entre os visitantes
Sede principal da fazenda da vinícola, com mesas ao ar livre para os visitantes
Agora, a Guaspari acaba de lançar um novo formato de tour que, pela primeira vez, permitirá que visitantes jantem na vinícola. Batizada de “Menu Guaspari” (R$ 480 por pessoa), a visita de três horas pode ser feita em dois horários: pela manhã, finalizada com um almoço, e no fim da tarde, com um jantar. À mesa, os vinhos premiados são harmonizados com pratos sazonais, dando protagonismo a produtores locais e a alimentos típicos da região. Destaque para o pão de queijo quentinho, feito com queijo Tulha da Fazenda Atalaia, que pode se tornar um dos seus favoritos da vida, acredite – da minha e da equipe da fazenda, pelo menos, já é.
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A vinícola também quer se tornar um point gastronômico para além dos tours. Por isso, não é preciso agendar visitas guiadas para aproveitar um pedaço do refúgio na Mantiqueira, com lago, flores e videiras por todos os lados: de quinta à domingo, um wine bar fica aberto das 10h às 18h, com mesas ao ar livre, de fundo para a Serra da Mantiqueira junto a vinhos em taças ou garrafas e um menu de petiscos.
O segredo da Guaspari
Fazer vinhos de qualidade – assim como a maioria dos insumos de excelência – exige trabalhar no tempo da natureza. Foi o que a família Guaspari se comprometeu: as primeiras mudas plantadas em 2006, em seis hectares de uma antiga fazenda de café, só chegariam ao mercado em 2014, com vinhos que passaram pelo menos 24 meses em barrica e mais 12 em garrafa. “A gente entende que o vinho é um material vivo, por isso tem esse respeito pelo tempo dele, para lançar no momento certo e sabendo que existe potencial de guarda”, explica Adriano Rafael, enólogo da casa.
Hoje já são mais de 50 hectares de uvas, junto a 23 de café, sete de oliveiras e nove de macadâmias, em um esforço de aproveitar ao máximo o terroir entre 1.000 e 1.300 metros de altitude, com terreno granítico e condições climáticas similares às de certas regiões europeias – o que é um tanto raro de se encontrar em terras brasileiras. Foi isso que levou a Guaspari a ser pioneira na produção de vinhos na Mantiqueira (especialmente em Espírito Santo do Pinhal, famoso pelo café), junto a uma técnica que mudou tudo: a dupla poda, desenvolvida no início do século pelo professor e produtor Murillo de Albuquerque Regina.
Com este sistema, a vinícola inverte o ciclo produtivo das videiras e a época da colheita, que tradicionalmente acontece no verão no Hemisfério Sul. “Toda a concentração de açúcar e acidez das uvas é diluída com as chuvas do início do ano”, diz o enólogo. Na Guaspari, o tempo de colhê-las é no inverno, quando os dias são ensolarados e o tempo é seco na Mantiqueira. “Isso faz com que nossos vinhos sejam equilibrados”.
Os prêmios inéditos e o reconhecimento internacional atestam o sucesso da técnica. Com menos de um ano e meio de mercado, veio a primeira medalha de ouro da vinícola – e do Brasil – no concurso (o mais influente da categoria) Decanter World Wine, pelo rótulo Syrah Vista do Chá 2012. Em 2020, a Guaspari foi a primeira brasileira a ter uma garrafa estampada na capa da revista inglesa Decanter, uma espécie de “Bíblia global dos vinhos”, com o Syrah Vista da Serra 2017.
O feito mais recente é de maio, quando a produtora nacional fez história – de novo – como a primeira brasileira a ganhar ouro em outras duas competições estrangeiras de renome: o Syrah du Monde (com o Vista da Serra Syrah 2019) e o Concours International des Cabernets (com Cabernet Franc Cabernet Sauvignon Vista da Mata 2018).
A hora e a vez da Serra da Mantiqueira
A Guaspari é só um exemplo da ascensão da excelência artesanal na Serra da Mantiqueira. A linda região montanhosa, que se expande pelos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, tem 80 municípios e cerca de 200 produtores, vários têm feito bonito pelo Brasil mundo afora – de diferentes categorias, de azeites aos queijos -, em um movimento que não só fortalece a produção rural, mas o turismo local.
Em julho, o Azeite Sabiá, produzido em Santo Antônio do Pinhal (SP), subiu ao pódio máximo três vezes nos dois dos mais relevantes concursos do setor: o Leone D’Oro International e o EVO IOOC, ambos italianos. Entre os títulos, estavam Melhor Blend do Hemisfério Sul (Blend de Terroir), a Melhor Coratina do Mundo feito fora da Itália e Melhor Extravirgem do Brasil. Ao todo, o Sabiá já soma 81 pódios máximos internacionais, um feito inédito em território brasileiro, entre eles, o de top 10 melhores azeites do mundo, no Evooleum Awards.
Na mais recente edição do Decanter World Wine Awards, o Brasil conquistou 105 medalhas, sendo 25 delas vindas de vinhos da Serra da Mantiqueira – com um ouro para a conta. A responsável foi a Vinícola Ferreira, de Campos do Jordão (SP) e Piranguçu (MG), com o rótulo Piquant Soléil safra 2022, 100% de uvas Syrah. Desde que chegou ao mercado em 2019, a marca acumula 26 medalhas em três concursos de renome internacional.
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Já quando o assunto é queijo, um dos nacionais mais reconhecidos internacionalmente é o já citado Tulha, da Fazenda Atalaia, em Amparo (SP). Em 2016, foi o primeiro brasileiro a levar uma medalha de ouro no World Cheese Awards – o Oscar dos queijos -, feito que repetiu em 2021 e 2022.