CEO do grupo Tempos Vega Sicilia, Pablo Álvarez calcula passar cerca de 120 dias por ano viajando a trabalho. Em junho, durante um jantar de apresentação de seus vinhos no Hotel Rosewood, em São Paulo, ele falou em tom baixo, discretamente, e manteve a dieta: em vez de comer, só perguntou sobre o sabor da torta de cupuaçu, curioso em saber se iria bem com os vinhos de sobremesa Tokaji, de sua vinícola na Hungria. Mas teve momentos de empolgação ao descrever detalhes da produção, como o minucioso processo de seleção de rolhas, falar mal de modismos ou comentar a viagem no tempo que é abrir uma garrafa guardada por 150 anos. “Uma coisa mágica”, diz ele.
Pablo aposta que os vinhos que produz hoje também têm potencial para chegar às próximas gerações – e armazena alguns para que, no futuro, seus bisnetos e tataranetos tomem ou vendam. Está desde 1990 no cargo de CEO da Vega Sicilia, fundada em 1864 e adquirida pela família Álvarez em 1982. Considerada uma das melhores do mundo, a vinícola tem três rótulos: Vega Sicilia Único, com mais de 15 anos de envelhecimento em carvalho; Valbuena, envelhecido por cinco anos; e Vega Sicilia Reserva, que traz uma seleção de safras do Vega Sicilia Único.
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Em junho de 2023, o site da importadora Mistral vendia por R$ 9.390,97 o Vega Sicilia Único Reserva Especial Año 2022 (corte das safras 2008, 2010 e 2011), com 99 pontos do crítico James Suckling e 98 pontos de Robert Parker. Já o Vega Sicilia Unico 2010 (99 pontos James Suckling e 98 pontos Robert Parker) estava anunciado por R$ 7.732,76, e o Vega Sicilia Valbueña 5° 2016 (96 pontos Robert Parker e 95 pontos James Suckling), por R$ 2.758,15.
Mas nem só de Vega Sicilia se faz o grupo Tempos Vega Sicilia. Nos seus mais de 30 anos à frente da empresa, Pablo a expandiu com a criação de quatro novas vinícolas: Alión, Pintia, Benjamin de Rothschild & Vega Sicilia, na Espanha, e Tokaj-Oremus, na Hungria. Também modernizou a produção e a levou a outros mercados, chegando hoje a 150 países.
Até o vinho Vega Sicilia mudou – transformações, segundo o produtor, “não grandes, mas importantes”, em relação à qualidade da uva e da vinificação, levando a uma bebida mais fresca e complexa. Só não lhe venham falar em tendências do momento. “Vega Sicilia sempre buscou manter sua personalidade e se manter distante das modas”, diz Pablo. Pablo Álvarez, CEO do grupo Tempos Vega Sicilia: “Não queremos entrar nas modas do vinho”
A seguir, o produtor fala à Forbes sobre tendências no vinho – inclusive as que não segue –, os passos para o sucesso da Vega Sicilia e seu projeto de uma nova vinícola na Galícia.
Forbes – Qual é o segredo – ou os passos – para o sucesso da Vega Sicilia?
Pablo Álvarez – Sempre buscar a qualidade dos vinhos, o que pressupõe qualidade no vinhedo e na adega. Se não houver uma uva de qualidade, dificilmente será possível fazer um grande vinho. O patrimônio da Vega é seu vinhedo em Ribeira del Duero, criado em 1864, com variedades perfeitamente adaptadas ao clima e ao solo. Isso juntamente com o fato de a Vega Sicilia sempre ter buscado manter sua personalidade e se manter distante das modas. No mundo do vinho, antes havia menos modas, mas agora elas estão mudando constantemente, assim como no vestuário, em que neste ano a cor amarela está na moda e no próximo ano é o vermelho.
Como você descreve a personalidade de Vega Sicilia?
Duas características fundamentais são complexidade e elegância. Não são vinhos carregados de madeira, nunca foram, mesmo que envelheçam por longos períodos. Houve um jornalista francês que disse que Vega Sicilia tinha a força do Bordeaux e a complexidade e a elegância da Borgonha. Vindo de um francês, isso é realmente bom.
Como a vinícola foi evoluindo?
A única coisa que fizemos foi adotar as melhores técnicas que conhecemos. Hoje cada parcela tem seus próprios tanques, de modo que cada parcela e cada solo podem ser elaborados separadamente. No final, lidamos com uns 40 lotes diferentes, por variedades e por parcelas. Isso nos permite mesclar as parcelas e refinar a qualidade. E não utilizamos todas as uvas que temos a cada ano. Sempre há alguma parcela que, devido à natureza, que varia de ano para ano, não consideramos de qualidade suficiente. Temos quantidade suficiente de vinhedo para fazer isso. Gerenciamos 150 hectares de vinhedos na Vega e, no total, entre todas as vinícolas, 650 hectares. Cuidamos muito bem deles. Somos ecológicos ou orgânicos há muitos anos e agora estamos buscando a certificação. Tentamos cuidar de todos os detalhes, porque acredito que, em todas as profissões, quanto mais cuidarmos de cada detalhe, melhor será o resultado.
E em termos de marketing e comercialização, como trabalham para manter o nome da vinícola?
Na Espanha, a Vega Sicilia tem mais de 3 mil clientes diretos: 80% são clientes particulares e o restante são comerciantes e restaurantes. Não temos distribuidores nem representantes. Mus molorem poribusam inientet rectem hilla doluptur aliquistisFatum tandum ius et L. Ao longo dos anos, temos feito muitas mudanças com as exportações. Acredito na diversificação dos mercados. Sempre pode haver algum país com problemas, mas temos outros esperando.
Como se definem os preços?
É uma história todos os anos, porque vendemos tudo e temos mil pessoas em lista de espera para se tornarem clientes. Então, sempre aumentamos os preços. Mas não sou favorável a grandes aumentos. É melhor aumentar 5%, 10%, 12%. Depende de cada ano e de cada vinho. Também me preocupo porque não quero chegar ao ponto de não vendermos. Com os preços dos vinhos, às vezes as pessoas ficam loucas, e eu não quero ficar louco. O que eu quero é que você, que o comprou a esse preço, esteja disposto a pagar um pouco mais no ano seguinte, porque gosta e acha que é um bom vinho. Isso faz com que o preço acompanhe a qualidade e o prestígio do vinho.
Qual é o volume de produção? Há pressão para produzir mais?
Em Vega Sicilia, não podemos produzir mais nem plantar mais. É uma propriedade de mil hectares, dos quais 150 são vinhas. O restante do solo consideramos que não é adequado e lá plantamos árvores. Agora isso está na moda, mas nós estamos há 30 anos plantando árvores. Temos 60 mil sobreiros [a árvore a partir da qual se que produz cortiça], 10 mil nogueiras e meio milhão de carvalhos – agora não sei se serão barris, mas pelo menos as florestas vão fornecer frescor ao vinhedo. Em Vega Sicilia, podemos produzir 340 mil garrafas no máximo entre os três vinhos. Mas, em alguns anos, precisamos diminuir a produção ou até mesmo não produzir se o ano não for bom.
É uma decisão difícil?
Sim, mas é comunicada e ponto. Não há discussão. É uma questão técnica.
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Pode falar sobre a relação de pioneirismo e moda?
Nos últimos anos, tornou-se moda o vinho rosé. E nós não vamos fazer rosés. Viemos da época de Robert Parker [crítico], em que tudo era concentração, cor, excesso de tudo. Agora é o oposto. Parece que todo mundo tem que fazer vinhos estilo Borgonha. Eu não entendo. Ninguém espera tomar um vinho da Borgonha e encontrar um Bordeaux, ou encontrar um vinho de Toro na Borgonha. Cada vez é mais difícil distinguir as regiões. Há 60 anos, os vinhos eram absolutamente claros: o que era Borgonha, o que era Bordeaux, o que era Rhône, o que era La Rioja. Acredito que uma coisa é que sejam mais refinados, com menos influência da madeira. Mas a personalidade não vamos mudar. Também estão na moda os vinhos naturais. O vinho é um ser vivo que tem uma microbiologia. Bem, é como se parássemos de nos lavar ou tomar banho, não? O vinho precisa ser controlado, ou seja, não é que precisamos mudá-lo, mas simplesmente não deixar que o equilíbrio microbiológico se rompa. Recentemente, um francês me disse que agora na França o que está sendo valorizado são os vinhos com defeitos. Não me parece certo. Acredito que essas são modas do vinho, e nós não queremos entrar nisso. Mas queremos continuar inovando. Sempre devemos evoluir. Os vinhos de hoje em nada se assemelham aos de há 100 anos.
Quais são as diferenças entre um Vega Sicilia atual e um Vega Sicilia de 100 anos?
É o mesmo vinho, mas o que fizemos em nossos 40 anos foi mudar um pouco o processo de envelhecimento. Antigamente, os vinhos eram apreciados quando mais evoluídos, mais elaborados. Hoje o gosto mudou. As pessoas preferem vinhos mais frescos, com mais fruta. Também reduzimos o uso de madeira. As mudanças não são grandes, mas são importantes: a qualidade da uva, a qualidade da elaboração e produção de vinhos mais frescos e complexos.
Reportagem originalmente publicada na edição 109 da revista Forbes Brasil, de junho de 2023