Seja nas pistas, nos negócios ou em casa, Felipe Massa está feliz. Depois de se aposentar da Fórmula 1 em 2017, após 15 anos na principal categoria do automobilismo internacional, o piloto deixou a vida dirigir no automático para outras oportunidades (levando inclusive a rumos inesperados): voltou a morar no Brasil, começou a correr na Stock Car e passou a investir em algo totalmente diferente do esporte – no ramo da gastronomia.
“Estou em um momento muito bacana”, resumiu Massa à Forbes, no início de abril, dia da inauguração do seu segundo restaurante em São Paulo: o Song Qi. Badalado em Mônaco, essa é a primeira e única unidade do restaurante chinês fora do principado europeu. Entrou no Brasil pelas mãos de Felipe Massa e seus sócios, o irmão Dudu, o restaurateur Riccardo Giraudi e os empresários Ruly Vieira e Rodolfo Tamborrino. O negócio, que já nasce com uma alta expectativa de sucesso, soma-se à casa de carnes Beefbar, que vai muito bem após três anos no mercado.
Leia também
Aos custos de um investimento milionário, o novo empreendimento chegou aos Jardins em março – as reservas lotaram as três primeiras semanas da casa antes mesmo de inaugurar. A alta procura foi motivo de orgulho para o piloto. “Faltava um restaurante chinês de alto nível em São Paulo. É uma experiência única para os brasileiros.”
De sua casa em São Paulo, onde mora com a esposa, Anna Raffaela Bassi, e o filho Felipinho, de 14 anos, Massa falou sobre sua rotina de aposentadoria, seus restaurantes, relembrou momentos-chave da F1 e comentou o processo que move contra o campeonato pelo reconhecimento do título de 2008.
Forbes – Como você avalia o seu momento atual de vida e carreira?
Felipe Massa – Estou em um momento muito bacana. Primeiro, voltei a morar no Brasil. Foi uma mudança grande, depois de 15 anos em Mônaco. Achei que ia ficar mais tranquilo, mas continuo viajando bastante. Estou bem empolgado na Stock Car, é uma categoria de que eu sempre gostei e acompanhei desde criança e ela cresceu muito. Já é meu quarto ano e começamos muito bem esse campeonato na liderança. Cheguei ao pódio nas últimas cinco corridas. Estou motivado para lutar a cada etapa e chegar ao final do ano disputando o título.
Diria que parou com a Fórmula 1 na hora certa?
Com certeza. Acho que tudo tem um tempo. A vida de um esportista, em geral, é muito rápida. Quando você termina, ainda é muito novo. Comecei a Fórmula 1 aos 20 e encerrei com 37 anos, em 2017. Quando você está acostumado a fazer a mesma coisa a vida inteira, o mais difícil é mudar o caminho. É normal pensar: “o que eu vou fazer daqui para frente? Como vai ser a minha vida? Com o que vou trabalhar?”. Mas, para falar a verdade, tem muita coisa para fazer. Como foi esse processo? Tinha um plano ou deixou a vida te levar? É muito fácil entrar em roubada. Mas eu tinha na minha cabeça, quando aposentei, que minha vida iria mudar, iria fazer outras coisas, crescer em outros lados. Foi quando decidi entrar em uma sociedade com a Oakberry [marca de açaí], em que eu confio muito – sou esportista, gosto de alimentação saudável. E também tive vontade de ir para o lado dos restaurantes. Fui deixando a vida me levar, tentando entender as oportunidades que apareciam.
Quando aconteceu o estalo de transformar a gastronomia em um investimento?
Em Mônaco, o Beefbar era muito perto da minha casa, ia andando sempre até lá. Adorava. Quando cheguei no final da minha carreira na F1, já com o pensamento de voltar a morar no Brasil, eu tinha a vontade de abrir um restaurante. Um dia, quando meu irmão [Dudu] estava em Mônaco, falei: “Vou te levar em um restaurante que acho que vai ser um sucesso se a gente levar para São Paulo”, e, quando ele conheceu, concordou. Daí fui atrás do Riccardo Giraudi, o fundador do Beefbar e que tem um grupo muito grande de restaurantes. Ele topou na hora, é um apaixonado pelo Brasil. E hoje também é sócio do Song Qi – espero que só o primeiro, pensando nos próximos restaurantes que podem vir no futuro.
O que aprendeu como piloto que traz para a gestão dos restaurantes?
Acho que muita coisa. Logicamente, não consigo ser só o investidor, gosto de saber o que acontece no dia a dia – sempre tento aprender, perguntar, divulgar, dar minha opinião, para fazer o negócio ir para a frente. Isso é muito parecido com uma equipe de Fórmula 1: se você tiver só o piloto ou só o carro bom, não ganha corrida. É preciso de uma estrutura para as coisas acontecerem de maneira perfeita, é um trabalho em equipe. Tudo tem que ser calculado, ter estratégia. Isso vale tanto para o automobilismo como para um restaurante.
Agora, como ex-piloto da Fórmula 1, como vê o campeonato hoje?
Continuo assistindo, acompanhando, torcendo – sempre fui um apaixonado. O nível dos pilotos é muito alto, sempre foi, e vemos cada vez mais jovens, como o Lando Norris e o George Russell, evoluindo e crescendo, é muito interessante de acompanhar. E acho que, depois do documentário da Netflix [F1: Dirigir para Viver, 2019], o campeonato mudou completamente o número de fãs: explodiu, conquistou mais mulheres, mais crianças, conseguiu atingir o público dos EUA, o que sempre foi difícil.
Tem um piloto favorito?
Sou, lógico, um “ferrarista”. Espero ver a Ferrari vencendo de novo. Faz tempo que isso não acontece. Torço muito pelo Charles Leclerc. Além de ser um ótimo piloto, é um amigo.
Você está processando a Federação Internacional de Automobilismo e a Formula One Management pelo reconhecimento do título de 2008. O que pode dizer sobre isso?
O mais importante para mim é lutar pela justiça. O que passei não foi correto, mas já falei muito sobre isso. Agora chegou a hora de a corte inglesa fazer seu trabalho sobre algo que não foi justo. Acho que, quando algo acontece dessa maneira e a gente descobre que foi por querer, temos que lutar e ir atrás mesmo. O que aconteceu não prejudicou só a mim, mas o Brasil. Vou lutar pela justiça até o final.
Quais foram as maiores alegrias da sua carreira?
A primeira foi conseguir entrar na Fórmula 1 em 2002, pela Sauber. Essa foi a realização de um sonho. Mas a maior alegria da minha vida, que nunca consegui achar nada parecido – e é até difícil de explicar essa felicidade –, foi a minha primeira vitória no Brasil em 2006. Vestido com macacão verde e amarelo, na minha primeira corrida pela Ferrari, em Interlagos. Foi um momento único, na minha casa, com os fãs brasileiros, minha família e amigos. Outra também é a disputa do título em 2008, em que eu ganhei a corrida. Isso sem dúvidas foi o que conseguiu me deixar de cabeça erguida naquele momento.
E as maiores tristezas?
Foram duas. A primeira foi meu acidente em 2009 [no GP da Hungria, foi atingido por uma mola na cabeça]. Não tenho memória do momento, mas o pós foi muito difícil: ficar fora da metade do campeonato, a recuperação, as cirurgias que tive que fazer. A Rafa [Anna Raffaela Bassi, esposa] estava grávida de seis meses, meu filho nasceu logo depois – algo incrível, misturado a um momento duro. O outro momento muito triste foi no Japão em 2014, quando houve o acidente do [piloto] Jules Bianchi. Ele bateu em um trator na pista e não faleceu na hora, só oito meses depois, mas ali já era claro que era muito difícil de ele voltar.
Onde é a sua base hoje?
Voltei para São Paulo em julho de 2021. Eu e minha esposa estávamos com receio de como meu filho iria se adaptar, porque ele cresceu e foi alfabetizado em Mônaco, mas ele ama de paixão o Brasil. Estamos superfelizes de ter voltado para casa.”
Como é a sua relação com Mônaco?
Eu me mudei para Mônaco em 2006, logo quando assinei com a Ferrari na F1. Gostava muito de lá, é um lugar muito gostoso, seguro. No começo me sentia até um pouco sufocado, porque é uma cidade muito pequenininha, deve ter uns cinco quilômetros de ponta a ponta. Mas ali você tem praticamente tudo. Sempre que tenho uma semaninha livre, vamos para lá. Tenho voltado com frequência.
Como é a sua rotina?
Continuo na correria, não é uma rotina muito devagar (risos). Sempre fui muito ligado ao esporte, né? Treino todo dia com personal, que vem aqui em casa três vezes por semana. Jogo tênis duas vezes por semana; é um esporte bacana e a chance de me machucar é menor. Então sou muito ligado ao preparo físico, independentemente se preciso mais ou não, porque é algo muito importante para o corpo e para a mente. Continuo correndo na Stock Car; viajo para fazer eventos, ações de patrocinadores e outras coisas da minha carreira, além de sempre acompanhar os restaurantes. Sou muito próximo da minha família, ainda mais depois de voltar para São Paulo. Ainda viajo bastante, tenho um apartamento em Miami, e sempre que dá vamos para lá. Em janeiro, sempre gostamos de ir para Courchevel esquiar. E temos a mesma casa em Botucatu onde eu cresci, desde os seis anos, onde gosto de passar os finais de semana.
E seu filho também gosta de esporte?
O Felipinho é apaixonado por futebol, joga todo dia, é são-paulino roxo. Toda vez que vamos para Botucatu, tem um jogo. Eu estou sempre jogando uma bolinha com ele ou indo em jogos do São Paulo.
E ele já mostrou sinais de que quer seguir nessa área ou ser piloto?
Ele já fez uns treinos de kart, mas nunca correu. Sempre disse que quem tem que querer é ele, só levava para andar de kart quando ele pedia, mas até parou. Prefiro o que ele preferir: se ele quisesse ser um piloto e eu realmente entendesse que era o sonho dele, que ele seria feliz, ótimo. Mas não enxerguei isso nesses 14 anos. Ele é muito focado no futebol, desde sempre. Não sei se vai ser um profissional da bola, mas ele joga todo dia no clube do São Paulo, na escola. Agora ele começou a fazer boxe, está adorando. Espero que ele ache o caminho dele e continue fazendo esporte, independentemente se for como carreira ou não. É um menino superinteligente, fluente em quatro línguas: alfabetizado em francês e inglês, português em casa e italiano, porque tinha um monte de amigo italiano. Vamos ver o que vai acontecer.
O seu pai teve influência na sua paixão pelo esporte?
Meu pai foi a pessoa que mais me ajudou a ver o esporte como prazer, nem tanto como profissão. Eu tinha uma motinho de motocross aos cinco anos e era viciado nela – queria correr, pular, comecei a cair e me machucar. Foi quando ele falou que achava melhor quadro rodas do que duas (risos) e me levou para andar de kart. A primeira vez foi impressionante, naquele dia eu tinha certeza de que era aquilo que eu queria fazer para o resto da minha vida. E foi o que aconteceu.
Ainda tem algo na sua vida que gostaria de conquistar ou que tem vontade de fazer?
Não. Sou muito grato por tudo aquilo que aconteceu comigo, consegui fazer muito mais do que podia imaginar. O que quero é continuar fazendo minhas coisas, curtindo e olhando pelo Brasil, tentando fazer o máximo para que as coisas melhorem.
E quais são os próximos passos para os restaurantes?
Quero expandir ainda mais, mas com pé no chão. Vamos abrir o Song Qi agora e fazer bombar, que eu tenho certeza de que vai. Vontade de mais restaurantes eu tenho, mas não sei qual vai ser o próximo caminho: se vamos abrir dentro de um shopping, se vamos ir para outros lugares fora de São Paulo. Queremos estudar qual será a próxima culinária. Sou uma pessoa muito perfeccionista, tenho que acreditar no que a gente está fazendo. Tem que ser diferente e muito bom, claro.
Entrevista publicada na edição 119 da revista, disponível nos aplicativos na App Store e na Play Store e também no site da Forbes.