
Marcelo Silveira traçou a rota inversa. Antes de ter sua primeira individual no Rio, fez a individual em São Paulo em 2019, “Compacto Mundo das Coisas”, e depois em Nova York, “Marcelo Silveira: Hotel Solidão”, em nossa galeria no Chelsea, em 2022. Na ocasião, exibiu uma seleção de obras em madeira típica da Mata Atlântica, a cajacatinga, seu material preferencial, trabalhada em tocos carbonizados dos antigos engenhos, que o artista pernambucano de 62 anos, que vive entre Recife e sua cidade natal de Gravatá, recolhe durante as expedições que faz sertão adentro.
A obra de Silveira explora temas como colecionismo e apropriação, sustentabilidade e natureza, matéria e memória. Tudo pode se transformar em objeto de interesse para suas experiências estéticas: madeira, couro, metal, plástico, vidro, revistas e postais antigos, até mesmo crina de cavalo. Daniela Name, autora do texto crítico de “Marcelo Silveira – Entre o mar, o rio e a pedra”, atualmente em nossa galeria carioca, sintetiza assim o conceito que move esse homem de bem com a vida, de sorriso fácil, sempre aberto, e olhar vivaz, revelador de sua alma curiosa: “A trajetória de Silveira é a de um criador que mergulha nas transformações da matéria para imaginar novas formas para vestígios de floresta e refugos da vida urbana. Tem sido uma constante em seu trabalho o aproveitamento e a recombinação de refugos, sejam eles pedaços de árvores ou páginas de revista”.
Lá se vão 25 anos de nossa parceria, dois pernambucanos unidos pela paixão pela arte. Silveira já fez mostras individuais em várias cidades brasileiras e no exterior. Participou da 29ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2010 e nas duas edições da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre (2015 e 2005). Na Espanha expôs na 4ª Bienal de Valência, no Museo de Bellas Artes de Valencia, em 2007. No mesmo ano, sua obra esteve no Panorama da Arte Brasileira – “Contraditório”, no MAM-SP, com curadoria de Moacir dos Anjos (outro pernambucano da arte). Em fevereiro seguinte, essa edição do Panorama, sua obra incluída, foi exposta na Sala Alcalá 31, como parte da programação da ARCO 2008, em Madri, ano em que o Brasil foi o país convidado da maior feira de arte da Espanha, recebendo visita até do então Ministro da Cultura Gilberto Gil.
Algumas reflexões do artista:
40 anos de trajetória
“Jornada longa e incompleta. Não percebi que se passaram 40. Ainda tenho bastante o que fazer. Precisaria de mais 40. Ou admitir o inacabado …”
Arte versus brincadeira
“Brincadeira é coisa séria. Brincadeira e arte são coisas serias! Sempre gostei muito do espaço da criação, até tentei fazer outras coisas mas o meu caminho já tinha sido desenhado muito cedo. Desde muito cedo, ao mes tempo em que eu subia nas árvores para colher frutas, eu construir brinquedos e brincadeiras. Na casa dos meus pais, eu era o único entre os seis filhos a dispor de um quarto para minhas experiências”.
A escolha e a surpresa
“As minhas escolhas se encontram entre a surpresa e o que se espera”.
Pernambuco
“Pernambuco é o lugar onde passei a maior parte dos meus 62 anos. Gosto muito de começar o dia na observação do movimento das águas do rio Capibaribe ou das montanhas de Gravatá. O limite entre o mar e o agreste”.
As coisas simples
“Gosto de trabalhar com questões que estão próximas, assim posso experimentar mais. Sou atraído pelo mundo das coisas simples!”

Marcelo Silveira, instalação de Cabeludas (2006) na Galeria Nara Roesler, Rio de Janeiro
Co-lecionar
“Essa vontade vem de muito longe, do anexo da casa dos meus pais. Com o passar dos anos, compreendi as diferenças entre juntar e colecionar. Interessa-me o ato de colecionar; criar regras para que as coisas estejam juntas. A bem da verdade, penso o ato de “co-lecionar” como prática educativa”.
Primeira individual no Rio
Tem sido um momento muito especial, ‘Entre o Mar, o Rio e a Pedra’. Muitos encontros e reencontros. Paisagem cheia de surpresas. E como diz o Gil: o Rio de Janeiro continua lindo!”
Séries em exposição no Rio:
Cabeludas (2006)
“A coleta da crina do cavalo é semelhante ao que se faz com os fios de cabelo para confecção de peruca. Não prejudica o animal, ao contrário, com a poda a crina se revitaliza e se desenvolve em maior abundância. Resolvi criar essas cabeludas gigantescas. Dou muita importância aos cabelos pelo fato de ser careca”.
Hotel Solidão (2019-2021)
“Os três conjuntos de colagens da série são fruto de uma coleção da revista de fotonovelas ‘Grande Hotel’ , um sucesso da antiga Editora Vecchi, publicada de 1947 a 1955”.
Peles (2022-2024)
“São de tocos parcialmente carbonizados que sobraram porque ninguém levava pra queimar em casa. Estavam me esperando… É um trabalho de prospecção e de arqueologia, porque onde tem toco tem raiz, que às vezes são imensas e, em alguns casos, foram absorvidas pelo solo e viraram material orgânico”.

Marcelo Silveira, Semente III, 2024, madeira cajacatinga, 50x40x20cm
Bolofotes (2023-2024)
“É uma prática de organização do espaço, de sair construindo. Faço muito desgaste na madeira, e nessa série, pela primeira vez, vou acrescentando e desgastando. É um desdobramento da prática de coleção, em que você vai juntando coisas, organizando, compactando”.
Sementes (2024)
“É fruto de experimentos que fiz com pedaços de sobras de madeira. A primeira semente foi resultado da junção de coisas que estavam esquecidas. Na segunda acrescentei mais alguma coisa, e a terceira foi toda nova. Dá um trabalho infernal fazer”.
SERVIÇO
Marcelo Silveira: Entre o mar, o rio e a pedra
Até 12 de abril de 2025
Galeria Nara Roesler, Rio de Janeiro
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) [email protected]
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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Instagram: @galerianararoesler
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