Então você decidiu ter um clássico e entrar para o encantado mundo do antigomobilismo.
Talvez a fase mais divertida seja justamente definir o que comprar, caso não tenha herdado algo abandonado por anos na garagem de um parente. Principais recortes nessa escolha são marca, modelo, década, tipo de carroceria, motorização e até mesmo nacionalidade – há quem prefira os voluptuosos americanos; outros, os mais compactos e dinâmicos europeus ou os nacionais fora de série. Essa decisão geralmente se forma a partir de uma combinação de quesitos financeiros e afetivos. É uma simbiose entre subjetividade e objetividade.
Leia mais: O que é antigomobilismo?
Leia mais: Twenty, modelo “popular” da Rolls-Royce, completa um século
Também entra na conta qual o papel desse clássico. Se for para uso diário, releve eventuais imperfeições. Manter impecável um carro que vai pra lá e pra cá constantemente vai gerar mais frustração do que alegria. É um consenso entre colecionadores que carros mais surrados geralmente são mais divertidos.
Obsessão quanto à quilometragem também é besteira: um carro parado por muito tempo vai dar mais trabalho do que um com manutenção em dia e “vida ativa”. Uma quilometragem baixa aliada a uma vida de exercícios constantes é o ideal.
Uma vez com o carro (ou moto, caminhão, ônibus…) em mãos, é hora de instalar a famosa “placa preta” – caso esse clássico ainda não a ostente.
E para que serve?
A espécie de veículo de coleção foi uma das novidades instituídas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em setembro de 1997, e regulamentada meses depois com a Resolução 56, de 21 de maio de 1998, com o intuito de preservar os veículos históricos em suas características originais, assim não tendo que se submeter a obrigatoriedades instituídas a época.
“A ‘placa preta’ surgiu para que automóveis de coleção tivessem suas caraterísticas originais preservadas e pudessem continuar rodando, sem punições a seus proprietários. Então, deixou de ser imperativo que se instalassem, por exemplo, cintos de três pontos ou retrovisores do lado direito em carros que originalmente não os tivessem. Muitos recursos em prol da segurança e da redução de poluentes são incompatíveis com veículos mais antigos, sendo praticamente impossível atualizá-los”, explica Fábio Pagotto, diretor técnico da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA).
Alguns critérios são exigidos para substituir a chapa convencional pela de coleção. Determina o seguinte a Resolução 957, de 17 de maio de 2022, regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran):
- 1º O veículo de coleção original deve preservar suas características de fabricação quanto à mecânica, carroceria, suspensão, aparência visual e estado de conservação, equipamentos de segurança, características de emissão de gases poluentes, ruído e demais itens condizentes com a tecnologia e cultura empregada à época de sua fabricação.
- 2º Para emissão do Certificado de Veículo de Coleção (CVCOL), a preservação das características descritas no § 1º será avaliada por entidade credenciada pelo órgão máximo executivo de trânsito da União na forma do Anexo III.
- 3º A pontuação de originalidade do veículo deve ser certificada pela entidade credenciada para a emissão do CVCOL de que trata o § 2º, em conformidade com o disposto no Anexo I.
- 4º Os veículos de coleção são classificados em:
I – original: veículo que atingiu oitenta pontos ou mais das características originais de fabricação de um total de cem pontos, na avaliação das características originais de fabricação realizada nos termos do Anexo I;
II – modificado: veículo que sofreu modificações, realizadas de acordo com regulamentação do CONTRAN e procedimentos estabelecidos pelo órgão máximo executivo de trânsito da União.
- 5º É vedada, ao veículo de coleção classificado como original, a realização de qualquer modificação durante o período de validade do CVCOL, sem prévia autorização do órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, de registro do veículo.
- 6º Obtida a autorização e realizada a modificação, o veículo de que trata o § 5º deverá ser aprovado em inspeção para obtenção do Certificado de Segurança Veicular (CSV), junto a Instituição Técnica Licenciada (ITL).
- 7º Após a inspeção de que trata o § 6º, o veículo deverá ser submetido a nova avaliação, nos termos do Anexo I, podendo ocorrer, em decorrência da pontuação obtida:
I – a manutenção do veículo na condição de original, caso atinja oitenta pontos ou mais das características originais de fabricação; ou
II – a reclassificação do veículo na condição de modificado.
Art. 3º Aplicam-se as disposições desta Resolução aos veículos nacionais e importados que possuam trinta anos ou mais de fabricação.
Padrão Mercosul
Criada em 2014, a PIV (Placa de Identificação Veicular) é uma padronização entre os quatro países fundadores do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – e também uma saída para uma eventual escassez de combinações, substituindo o padrão até então vigente de três letras e quatro dígitos por quatro letras e três dígitos, ampliando para 450 milhões as combinações entre as 26 letras e os 10 números.
Após sucessivos adiamentos, a Placa Mercosul começou a ser obrigatória – nos casos de primeiro emplacamento, mudança de município ou unidade federativa, roubo, furto, dano ou extravio da placa e necessidade de instalação da segunda placa traseira – a partir de 31 de janeiro de 2020.
Embora não mexesse em nenhum dos benefícios garantidos pelo então vigente certificado de originalidade (substituído na Resolução 957 pelo CVCOL), o padrão estético formatado para as novas chapas irritava colecionadores ao abandonar letras cinzas sobre fundo preto para adotar fundo branco com letras prateadas, estilo muito próximo ao da placa destinada aos meros mortais.
Tal estética não destacaria de modo suficiente o “troféu” que é ter um clássico reconhecido com sua devida chapa. Com o novo padrão, se perdia – na opinião de 99% dos colecionadores – o glamour que as placas pretas conferiam ao veículo de coleção.
Pois a FBVA, na condição de membro da Câmara Temática de Assuntos Veiculares e Ambientais do Contran, lançou, em fevereiro de 2020, um abaixo-assinado para que a Placa Mercosul adotasse fundo preto, como no modelo anterior. Até a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) se envolveu no tema, chegando a abrir consulta pública no portal “Participa + Brasil” para perguntar qual o modelo de placas de veículos de coleção a sociedade preferia.
Enfim, deu certo: o Diário Oficial da União publicou em 22 de dezembro de 2021 a resolução 887/21, que tratava do retorno da “placa preta” para veículos de coleção, agora no padrão Mercosul.
Lançado em janeiro deste ano, o novo modelo passou a vigorar a partir de 1º de junho.
Ou seja, por pouco mais de dois anos a “placa preta” não foi…preta.
Formado pela Universidade Metodista de São Paulo e com passagens por G1, Folha de S. Paulo e Uol, Rodrigo Mora é jornalista automotivo há 15 anos. Neste espaço, abordará as diversas facetas do antigomobilismo: cultura, histórias, personalidades, negócios e tendências. Também é editor de Forbes Motors.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.