Um dia após o Brasil celebrar o Dia da Consciência Negra, as manchetes dos principais portais de notícia davam conta de que um homem preto havia sido espancado e asfixiado até a morte em um supermercado em Porto Alegre. Esse tipo de notícia nos tira o fôlego como se tivéssemos levado um soco no estômago.
O que explica tamanha violência e covardia? A primeira sensação que tive foi a de extrema vergonha. Vergonha de ser branco em um país em que mata inúmeras vezes mais pretos do que brancos. Vergonha pelos meus filhos, vergonha de ter de encarar alguns de meus colegas de trabalho que são pretos.
Como médico, penso que nossa sociedade está doente. Seria a violência sem limites – física e verbal – que tomou conta de uma parcela dos brasileiros e deu a eles o suposto direito de reagir de forma extremada e, por vezes, criminosa, a responsável por nos deixar mentalmente doentes?
É evidente que depressão e outros transtornos mentais têm alguma base física, mas eu não posso fechar os olhos para o fato de que muitos dos problemas mentais que hoje se apresentam entre os brasileiros – e que têm crescido a olhos vistos – andam de mãos dadas com as nossas experiências emocionais, com os fatos horríveis que respiramos e testemunhamos diariamente e com as pressões tácitas impostas pela nossa sociedade.
Vivemos em uma sociedade em que os pretos ainda sofrem os efeitos devastadores da segregação racial, em que as mulheres ainda são espancadas porque, justifica-se, elas “merecem” porque “provocaram”, em que idosos apanham de seus netos porque lhes dão trabalho, em que grupos inteiros de pessoas são colocados às margens e invisibilizados.
Precisamos fazer a nossa parte para mudar essa realidade. Não podemos ter uma atitude reativa, esperando que só políticas públicas deem conta disso. Elas são necessárias, evidentemente. Mas violência, racismo, segregação são problemas extremamente complexos que demandariam toda uma reformulação inclusive do sistema educacional. Não creio que isso virá tão cedo.
Podemos, e devemos, agir proativamente, dando o exemplo. Respeitar quem nos cerca não é um mandamento, digamos assim, vazio, mas repleto de ensinamento. Reduzir a violência passa, sim, pelo respeito a quem está ao nosso lado, mas, fundamentalmente, a quem é diferente de nós.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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