Há um diálogo de Platão interessante chamado “Menon”, em que Sócrates defende que não é preciso nos ensinar nada, pois já “nasceríamos sabendo”. Antes de provocar mais a ira dos especialistas nos filósofos gregos, o que Sócrates diz é que nossa alma imortal se lembra de tudo que já viu antes de “nascer”. Então, aprender algo seria meramente lembrar desse algo – que já teríamos visto antes de nascermos.
Alguém poderia até ser tentado a interpretar dessa forma a destreza que crianças, mesmo as bem pequenas, mostram com celulares e outros gadgets. Afinal, como explicar que elas entendem tão rápido o funcionamento desses aparelhos, enquanto nós penamos para salvar um número de Whatsapp ou configurar o e-mail? Brincadeira à parte, não, não nascemos sabendo. Para tudo, há uma curva de aprendizado – e, no século 21, essa curva se acentua, à medida em que as tecnologias digitais evoluem.
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A internet abriu o canal de comunicação do mundo todo com todo o mundo, em todos os instantes de cada dia. A vida em sociedade, que nunca foi exatamente simples, tem ficado exponencialmente complexa. A “aldeia global” de que falava Marshall McLuhan acabou por se dividir em grupos cada vez mais específicos, com limites fluidos. Não é nada fácil entender.
As novas gerações chegarão a um mundo já constituído dessa forma e, portanto, já estarão familiarizadas. Mas mesmo elas precisam se aprender sobre sua dinâmica. Saúde e segurança, por exemplo, são fatores sérios demais para que se deixe o aprendizado de como ambos se intercalam com tecnologias digitais ao sabor de tentativa e erro. Um estudo da APA (Associação Americana de Psicologia), por exemplo, defende que educação é necessária para garantir o bem-estar dos adolescentes.
Um estudo recente da associação diz que as experiências online dos adolescentes “são afetadas por “como eles moldam suas próprias experiências de mídia social (por exemplo, eles escolhem quem curtir e seguir)” e por “recursos visíveis e desconhecidos incorporados” a essas redes. Os pesquisadores verificaram, por exemplo, há racismo incorporado aos próprios algoritmos que levam às conexões e conteúdos pelos quais esses adolescentes passam enquanto usam as redes.
Submeter adolescentes ao aprendizado das redes sociais, no entanto, pode se provar uma tarefa bastante árdua, ainda mais quando delas fazem um uso já tão desenvolto. A APA faz recomendações em que os pais talvez já tenham até pensado. Por exemplo: o uso dessas mídias deve ser precedido por uma “alfabetização” nelas, “para garantir que os usuários tenham desenvolvido competências e habilidades psicologicamente informadas” que proporcionem um uso “equilibrado, seguro e significativo”. Esse uso não deve interferir com horas de sono ou atividade física – muito menos para se estabelecer padrões de aparência física. Minimizar a exposição dos jovens a discriminação (seja de que tipo for).
Parece o mais puro extrato do bom-senso – e, melhor: com respaldo científico. Incutir essas sugestões nas mentes dos adolescentes, no entanto, exige um esforço repetido, paciente e contínuo. Mas, a cada nova rede social que surge, a cada novo gadget lançado, a cada nova onda de progresso tecnológico, esse esforço se faz cada vez mais necessário. E há dados que corroboram: outro estudo, esse da Universidade Normal de Hunan (China), aponta o impacto positivo de exercícios físicos – em particular, exercícios de resistência, de 3 a 4 vezes na semana –na redução da ansiedade em jovens.
Cada vez mais os jovens parecem “nascer sabendo”, ainda mais se comparados com os jovens das gerações passadas. Mas, reforçando, ninguém nasce sabendo. E com o mundo cada vez mais interconectado, quanto mais cedo se aprender a conviver nele, melhor será para a saúde mental de todos.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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