Que tipo de pessoa vem à sua mente quando você pensa em um “parceiro compatível”? Talvez alguém com um estilo parecido com o seu, que curta as mesmas coisas, ou que ria das suas piadas. Ou até quem se comunica do mesmo jeito que você. Mas será que essas características, por mais importantes que sejam, são realmente sinais de que essa pessoa vai te complementar em um relacionamento amoroso?
De acordo com um estudo de 2024 publicado no Personality and Social Psychology Bulletin, esses fatores, apesar de importantes, não são onde a compatibilidade é mais crucial. Em vez disso, os pesquisadores sugerem que os valores pessoais — os princípios que orientam a nossa vida — são a base da verdadeira compatibilidade. E, entre eles, um em particular se destaca: a autotranscendência.
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A seguir, entenda por que esse princípio moral contribui tanto para a qualidade de nossos relacionamentos e por que é crucial que parceiros o compartilhem.
O papel da autotranscendência nos relacionamentos
O estudo descobriu que a adesão aos valores de autotranscendência — ou seja, valores que nos motivam a agir em benefício dos outros e ver além de nossas próprias necessidades — estava fortemente associada a uma melhor qualidade nos relacionamentos amorosos. No seu cerne, a autotranscendência é composta por dois grandes princípios:
- Universalismo: Inclui valores como a preocupação com os outros, o respeito pela natureza e a tolerância às diferenças. Pessoas que priorizam o universalismo se importam profundamente com o bem-estar da sociedade como um todo e com o meio ambiente. Em um relacionamento amoroso, isso pode se manifestar como uma preocupação compartilhada com questões sociais, um compromisso com a sustentabilidade ou um profundo respeito pelas perspectivas e origens um do outro.
- Benevolência: Reflete valores como confiabilidade, cuidado e humildade, que se concentram em beneficiar aqueles em nosso ambiente imediato, como família, amigos e parceiros românticos. Em um relacionamento amoroso, a benevolência pode se parecer com colocar as necessidades do parceiro antes das suas, oferecer apoio emocional durante momentos difíceis e fazer sacrifícios pelo bem do relacionamento.
Combinados, os valores de autotranscendência se manifestam nos relacionamentos como apoio, inclusão e profunda empatia um pelo outro. Quando ambos os parceiros se comprometem com esses valores, é mais provável que vejam os conflitos não como batalhas a serem vencidas, mas como oportunidades de crescer juntos — lado a lado.
Por que o valor da autotranscendência deve ser compartilhado pelos parceiros
Imagine o seguinte: seu parceiro está animado para passar o fim de semana com você e fazer algo divertido que vocês dois gostariam. Por outro lado, você está mais interessado em passar o fim de semana trabalhando em um projeto pessoal. Apesar dos desejos diferentes, ambos podem acabar pensando a mesma coisa: “Como ele(a) pode ser tão egoísta? Por que não consegue ver meu ponto de vista?”
Você pode argumentar que seu parceiro é o egoísta por ignorar sua necessidade de se concentrar em algo que você considera valioso. Por outro lado, seu parceiro pode te ver assim por desconsiderar o desejo dele(a) de passar um tempo de qualidade juntos e se divertir.
Os autores do estudo observam: “Quando as pessoas enfrentam dificuldades em seus relacionamentos amorosos, é fácil encontrar falhas em seu parceiro. Em nossos momentos mais humildes, podemos também reconhecer as contribuições de nossos próprios traços e hábitos. Mas e o potencial impacto de nossos próprios valores pessoais?”
Em uma situação como essa, não importa o quão compatíveis vocês sejam em outras áreas — ainda assim é possível chegar a um impasse. Mesmo que ambos sejam emocionalmente inteligentes e capazes de discutir suas diferenças de maneira calma e eficaz, o conflito não será necessariamente resolvido. O problema não é de desconexão emocional ou de interesses incompatíveis; é que os valores de vocês estão em desacordo.
Aqui, a diferença entre autotranscendência e autoaperfeiçoamento vem à tona. Um parceiro está mais focado no bem-estar coletivo e no relacionamento em si, enquanto o outro pode estar mais preocupado com realizações individuais e objetivos pessoais.
Se ambos os parceiros valorizassem a autotranscendência, poderiam abordar a situação de maneira diferente — um poderia ceder, encontrando seu próprio projeto pessoal para trabalhar ao lado do outro. Ou o outro poderia sacrificar um dia do fim de semana para passar com seu parceiro e deixar seu projeto para o dia seguinte. Em vez de ver a questão como uma questão de egoísmo, eles reconhecem a importância dos valores um do outro; eles transcendem seu próprio ponto de vista para levar em conta o do outro.
Valorizar a autotranscendência é valorizar o bem-estar do seu parceiro e, por extensão, o bem-estar do seu relacionamento. Isso significa entender que pequenos sacrifícios e compromissos trarão benefícios muito maiores a longo prazo do que simplesmente satisfazer seus desejos imediatos.
Se apenas um de vocês — ou nenhum — vê o valor dessa abordagem, então vocês podem não ser tão compatíveis quanto pensavam inicialmente. A verdadeira força de um relacionamento amoroso pode não depender de compatibilidades superficiais que aumentam e diminuem ao longo do tempo, mas sim do alinhamento mais profundo dos valores pessoais.
*Mark Travers é colaborador da Forbes USA. Ele é um psicólogo americano formado pela Cornell University e pela University of Colorado em Boulder.