
A saúde, hoje, é cara, e isso se deve a um conjunto de fatores que se inter-relacionam. Na base do problema está o envelhecimento da população, pois os idosos demandam atendimentos mais frequentes e complexos, além de um número maior de internações. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que a longevidade, na prática, representa um impacto significativo no total de pessoas que necessitam de cuidados médicos ao longo da vida, o que torna necessária a expansão da infraestrutura hospitalar, com a consequente multiplicação dos custos com profissionais e equipamentos. Novas terapias e medicamentos de última geração, avanços tecnológicos, formação médica e estilo de vida também entram nessa equação, cuja solução depende de progressos simultâneos em várias frentes.
Estamos em uma fase de mudança cultural. Temos o hábito de pensar a saúde sob a ótica da doença, ou seja, estar saudável é, simplesmente, não estar doente. A maioria das pessoas não percebe que muitas enfermidades são resultado de anos de maus hábitos, como o sedentarismo e a má alimentação, entre outros. Doenças crônicas como obesidade, diabetes e hipertensão, antes típicas da idade avançada, já acometem os jovens. Isso sem mencionar as consequências do uso excessivo de telas, que, além de agravar diversas doenças oculares, pode estar associado ao aumento dos casos precoces de miopia. Precisamos ter consciência de que nosso estilo de vida impacta profundamente nossa saúde física e mental. Cuidar da saúde no dia a dia, além de ser um investimento pessoal, contribui para a sustentabilidade do sistema.
Por outro lado, vivemos um momento de grandes avanços na medicina, impulsionados pela pesquisa e pelo uso da tecnologia. Já existem medicamentos para doenças raras e ultrarraras, que podem melhorar a qualidade de vida do paciente e frear a progressão da doença, mas o preço de uma dose única pode chegar a R$ 15 milhões — valor que se explica, ao menos em parte, pelo fato de beneficiar um número muito reduzido de pessoas. As terapias gênicas, como a CAR-T, vêm revolucionando o tratamento de alguns tipos de câncer, o que é uma excelente notícia.
No Brasil, no entanto, o custo inicial de um tratamento personalizado desse tipo ultrapassa os R$ 2 milhões. Há esforços no país para reduzir esses custos, como as iniciativas da Fiocruz e do Instituto Nacional de Câncer, em parceria com o Ministério da Saúde e a organização americana Caring Cross, com o objetivo de desenvolver versões nacionais. Ainda assim, estima-se um custo em torno de R$ 200 mil. Tornar os tratamentos mais modernos acessíveis ainda é um grande desafio.
Novas tecnologias e equipamentos avançados — como máquinas de ressonância magnética ou robôs cirúrgicos —, que exigem manutenção especializada, naturalmente geram custos recorrentes elevados. Além disso, toda essa inovação exige profissionais atualizados, capazes de operar novas tecnologias e administrar tratamentos modernos. Surge, então, a questão da formação médica, que tem sido uma preocupação no setor de saúde no Brasil.
Hoje, embora haja um grande número de médicos formados no país, isso infelizmente não significa que todos estejam qualificados para os desafios impostos pelos avanços da medicina. Profissionais mal preparados tendem, por insegurança, a praticar uma espécie de “medicina defensiva”, caracterizada por uma quantidade excessiva de exames solicitados em substituição a uma avaliação clínica minuciosa e a uma boa anamnese.
Exames desnecessários, quando se tornam rotina, também comprometem a saúde financeira do sistema. Em São Paulo, mais de 60% dos testes laboratoriais realizados poderiam ter seus resultados previstos por meio de uma boa avaliação clínica.
O profissional de hoje precisa estar preparado para as realidades que enfrentará. Além de investir na própria formação, fazendo residência médica, deve estar consciente dos custos do sistema e atuar como agente na contenção do desperdício. Diagnósticos mais precisos, sem solicitações excessivas de testes, ajudam a economizar recursos que podem ser destinados a áreas mais necessitadas. Ferramentas de inteligência artificial já auxiliam significativamente os médicos, mas ainda enfrentam resistência por parte de muitos profissionais. Sistemas de big data analisam em instantes grandes volumes de informações, identificando padrões e otimizando resultados.
A implantação do prontuário digital do paciente também seria de grande valor, permitindo o compartilhamento de dados e evitando a repetição de exames já realizados. Existem plataformas capazes de identificar solicitações excessivas ou pouco úteis ao diagnóstico.
É fato também que os médicos precisam atender às suas necessidades de remuneração — o que é legítimo. Essa realidade muitas vezes os leva a maximizar o número de atendimentos, prática incentivada pelos convênios, que pagam por volume de pacientes. Como sabemos, quantidade não significa qualidade. Na prática, o profissional, pressionado a atender em escala, acaba realizando uma consulta breve, seguida de uma longa lista de exames — prática que também o protege de possíveis ações judiciais. Essa cultura precisa mudar.
É possível adotar modelos de remuneração baseados em desempenho, que incluam iniciativas para reduzir custos e evitar o excesso de exames. Um exemplo é o modelo de remuneração baseado em valor, no qual são incentivadas práticas mais eficientes, que priorizam a qualidade do atendimento. Nesse sistema, os médicos podem receber bonificações ao atingirem metas relacionadas à redução de custos, ao uso eficiente de recursos e à melhoria dos desfechos clínicos. Em suma, o médico se torna um gestor da saúde do paciente, estabelecendo com ele uma relação de maior qualidade. As operadoras de saúde precisam deixar de contratar prestadores de serviço para tratar doenças e passar a contratá-los para cuidar da saúde.
O investimento em tecnologia também é necessário na gestão dos sistemas de saúde, tornando-os mais eficientes e menos suscetíveis a fraudes, problema que tem comprometido os orçamentos das operadoras. Nessa cruzada contra o desperdício, o paciente também pode colaborar: não é necessário — nem recomendável — procurar o pronto-socorro, um serviço caro, para casos simples, que poderiam ser resolvidos na atenção primária ou via telemedicina.
Para enfrentar os altos custos do sistema, é preciso haver racionalidade em seu uso, a começar pela prevenção de doenças evitáveis, que sobrecarregam o sistema de maneira desnecessária, e pela contenção do desperdício. Com o apoio da tecnologia, médicos, pacientes e gestores podem — e devem — fazer a sua parte.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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