
Com mais de um século de história familiar na indústria vitivinícola, a Luigi Bosca tornou-se uma referência do vinho argentino em nível global. Alberto Arizu (filho), quarta geração da família Arizu, lidera uma companhia presente em 50 países que equilibra tradição e inovação.
Nesta semana em que se comemorou o Dia Mundial do Malbec, em 17 de abril, Arizu compartilhou uma história fascinante: a coleção de garrafas de Malbec de 1912 que pode ser a mais antiga do mundo, enquanto analisa o presente e o futuro do setor em um contexto econômico desafiador.
[escolhas-vinho]
Como se chega ao Malbec mais antigo do mundo?
Essa é uma coleção que não faz parte da coleção da vinícola, mas que foi transmitida de pais para filhos. Meu pai a recebeu de seu pai, que por sua vez a recebeu do pai dele, e ela sempre esteve com meu pai. Trata-se de um lote de garrafas de um Malbec muito antigo, de 1912.
Era produzido com uvas de um vinhedo bem pequeno, que ficava muito perto da vinícola, na região de Mayor Drummond. Esse vinhedo já não existe há muitos anos, e era de lá, bem perto da vinícola, que vinham as uvas.
Esse vinho tem uma particularidade: possivelmente tenha chegado tardiamente à vinícola. Você sabe que, na logística de colheita, sempre há uma grande demanda dos vinhedos maiores, mais complexos ou mais distantes… E no fim, você lembra dos menores.
Assim, as uvas desse vinhedo sempre entravam tarde na vinícola. Naquele momento fazia muito frio, não havia controle de temperatura na fermentação, o que muitas vezes impedia a fermentação completa do vinho, fazendo com que ele concentrasse açúcar residual. O açúcar é um grande conservante para os vinhos e, por isso, esse vinho se manteve de forma esplêndida, fantástica.
O vinho está incrivelmente bebível por ter um alto teor de açúcar, o que o torna parecido com um vinho do Porto e com esse tipo de vinho, que tem um grau alcoólico um pouco maior por causa do açúcar. Isso foi o que preservou o vinho.
O bonito disso é que, há um ano, convenci meu pai a me emprestar 10 garrafas de sua coleção privada para que ficassem em custódia na nossa finca El Paraíso. Lá, na finca El Paraíso, temos uma cave, que era a cave original do meu avô onde guardamos 2.000 garrafas. Não é a coleção inteira. Nossa coleção é muito maior e está na vinícola, mas essa é uma cave onde guardamos alguns vinhos lendários, alguns vinhos históricos da vinícola e, entre eles, em um móvel especial, bem fechado, estão essas 10 garrafas em custódia. São garrafas de 700 cm³, o padrão para vinhos de qualidade daquela época.
Cada garrafa guarda cuidadosamente seu corte original. As garrafas foram reencorchadas. A última vez foi há uns 5 ou 6 anos, mas pendurado na garrafa está o rolha original de 1912, que é pequena e está supercomprimida. Então, é uma bonita parte da história.
Por que digo que pode ser um dos Malbecs mais antigos do mundo? Porque, se lembrarmos a origem do Malbec na França, especialmente na região de Bordeaux e ao sul de Bordeaux, a França foi devastada pela filoxera duas vezes — uma quase no final do século, por volta de 1890 e poucos, e a segunda, o segundo ataque feroz, foi por volta de 1910 ou 1911 — e isso praticamente fez desaparecer o Malbec da Europa.
Então, dificilmente se pode pensar que exista algum Malbec mais antigo. Não posso confirmar, obviamente, mas sem dúvida esse Malbec pode ser um dos mais antigos do mundo. Está na finca El Paraíso, onde é possível ver, tocar essas garrafas de uma história fenomenal que temos sob custódia nessa casa que foi nosso lar por quatro gerações.
Tem rótulo?
Não, não tem rótulo, está apenas em garrafa. Desconheço se esse lote em particular já teve rótulo, pois são como se fazia antigamente.
Meu bisavô tinha um costume que depois inspirou nossa coleção De sangre. Ele sempre guardava algum lote, sempre guardava vinhos para seus filhos, netos, bisnetos ou para usar em alguma celebração.
Nos vinhos que guardava, ele colocava a assinatura “sangue”. Então, uma barrica com o nome “sangue” não podia ser tocada. E isso foi o que rememoramos em 2011, quando lançamos pela primeira vez o De sangre, um blend de Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah, com rótulo preto. A primeira safra foi em 2011, em homenagem a essa bela lenda do meu bisavô.
Em 2018 decidimos expandir a coleção para outros vinhos, e aí surgiram os Malbecs que fizemos na nossa finca do Vale do Uco: fizemos um blend de uvas brancas, que é um vinho espetacular. Fizemos um Cabernet Sauvignon e um Cabernet Franc 100% provenientes de El Paraíso. Enfim, diferentes vinhos que hoje fazem parte da coleção De sangre.
Estamos falando em semanas de muitas oscilações nos mercados, tanto globais quanto locais. Como você vê o ano? Quais são as perspectivas para a empresa nos próximos meses?
Definitivamente é um cenário super desafiador, não apenas pelos desafios que já tínhamos e ainda temos na Argentina, onde vemos, primeiro, essa reorganização macroeconômica, que é fundamental para esta atividade, fundamental e indispensável, sobretudo para nosso setor.
Não há nada pior para nosso setor do que a inflação, que foi o karma dos últimos 10 ou 15 anos e que nos destroçou.
Obviamente, nesse reordenamento, a primeira coisa necessária é ordem macro. E depois, começar a pensar em crescimento, que acredito ser o que o governo está tentando agora com a ajuda do Fundo e outras ajudas que busca.
O que falta não é dinheiro para cobrir o déficit, mas dinheiro para crescer. E nesse sentido, esperamos que em breve comecemos a ver, seja em determinados serviços, indústrias etc., que há grande potencial e que terão, sem dúvida, oportunidades de se recuperar mais rápido que outras.
E isso, no fim das contas, melhora a qualidade da renda, melhora a qualidade do trabalho, melhora o consumo — e é aí que entramos.
Portanto, nesse sentido, somos otimistas, ainda que acreditemos que há um desafio importante no curto prazo.
No nível internacional é diferente. Esse cenário criado a partir do Dia da Libertação nos Estados Unidos nos coloca diante de um grande desafio, mas acredito que isso deve ser visto de duas formas: no curto prazo, definitivamente essa guerra comercial não vai ajudar, muito menos um país como a Argentina, um país emergente. Isso não ajuda. Gera ruído, dificuldades, discussões etc.
Agora, no longo prazo, se isso realmente ajudar os Estados Unidos a melhorar sua posição frente ao enorme déficit fiscal — que é muito preocupante —, e considerando as características do mercado americano e a confiança que os mercados ainda têm nos títulos americanos…
Os Estados Unidos têm uma dificuldade enorme, muito preocupante, e se isso, no fim, for no caminho de melhorar essa posição fiscal, só me resta pensar que, no longo prazo, poderemos ver uma economia americana muito mais pujante, e isso ajudará e impulsionará o comércio internacional. Mas isso é a muito longo prazo. No curto prazo, são apenas desafios.
A Luigi Bosca vende em 50 países. Nesse contexto, você consegue compensar um mercado com outro?
Embora o contexto internacional em todas as suas dimensões seja complexo e muito desafiador, temos um risco bastante pulverizado, com boa participação na América Latina. Talvez a região tenha uma grande oportunidade de mostrar uma melhora econômica importante no curto prazo. Temos presença na Ásia, temos na Europa — e acho que a Europa estará mais complicada.
E obviamente Estados Unidos, Canadá etc. Mas o desafio é enorme, pois muitos países estão sendo muito desafiados, como o mercado americano. O mercado chinês também está sendo desafiado por essa guerra tarifária, e a Europa — especialmente Inglaterra e Países Baixos.
Um país importante para nós também é o Brasil, que tem outra dinâmica, mas continua sendo um desafio em linhas gerais. Para este ano, temos uma projeção de crescimento que esperamos conseguir cumprir.
A proporção entre vendas no mercado doméstico e internacional é meio a meio?
Historicamente, mantivemo-nos em cerca de 45% para exportações e 55% para o mercado local. Se olharmos hoje, por exemplo, os números em moeda forte, eles se equivalem. Antes, às vezes, havia uma distorção por causa da valorização ou desvalorização cambial, que jogava contra.
Hoje está mais equilibrado. Nas exportações, por exemplo, até antes da posse do novo governo, estávamos com margens muito baixas. Hoje, as margens se equipararam às do mercado doméstico, e o mercado está mais nacionalizado.
Embora o motivo desta entrevista seja o Dia do Malbec, nossa marca país, a casta símbolo da Argentina, você vê mudanças nas tendências de consumo ou outras castas ganhando protagonismo?
Tem mais a ver conosco e com a nossa arte de comunicar tudo de bom que estamos fazendo. Quando se fala de tendência global, definitivamente os vinhos brancos e rosés tomaram um lugar de muito maior relevância.
No ano passado, pela primeira vez na história, o consumo de brancos e rosés superou o de tintos, e há uma espécie de tendência para que isso continue de alguma forma. Isso é um grande desafio para a Argentina, pois nosso país não é associado a vinhos brancos, o que tem mais a ver com nossa capacidade de comunicação e de mostrar nossas virtudes — que de fato são muitas — para produzir grandes vinhos brancos.
No caso da Luigi Bosca, nosso lançamento mais importante de 2024 foi um vinho branco de muito prestígio, Filos, um vinho branco importante que compete com os melhores do mundo.
Agora, o grande lançamento deste ano será um Cabernet Sauvignon. Continuo considerando que o Cabernet Sauvignon é o grande rei mundial. A Argentina é o único lugar onde essa liderança foi destronada pelo Malbec.
Mas ainda assim, quando se olha para o significado mundial, enquanto o Cabernet representa quase 17% do consumo global, o Malbec representa 3%.
Aí entra outro fator. E outra variedade que também ficou bastante na moda — e vimos isso nos últimos anos na Argentina e também no mundo — é o Cabernet Franc.
Diante da celebração do Malbec, do Dia Mundial do Malbec, acho ótimo lembrar a importância de ser argentino, pensar que a Argentina é o único país do mundo associado a uma variedade. Nenhum outro país conseguiu isso — e nós conseguimos.
Essa variedade, que continua sendo o grande rei argentino, nos permitiu mostrar ao mundo que somos produtores de altíssima qualidade.
Sempre digo que não foi a gente que encontrou o Malbec, foi o Malbec que descobriu principalmente Mendoza.
Ter parte da história guardada neste lugar maravilhoso que é a Finca El Paraíso — essa casa que desde 2022 abrimos ao mundo — convida pessoas a conhecer Mendoza, a viver uma experiência única de vinhos e, de quebra, ver uma garrafa de 1912.