A sede do Walmart.com Brasil, em um moderno prédio instalado em Alphaville (na Grande São Paulo) é descontraída e tem o mesmo ambiente bem-humorado e jovial do Google. Muito distante dos sóbrios escritórios da velha economia, a mesa do CEO, sempre aberta a quem quiser, tem duas grandes telas que mostram, em tempo real, a movimentação do centro de distribuição de Cajamar (SP), o maior dos quatro que o e-commerce opera hoje no Brasil, e também o desempenho das vendas no site, com detalhes sobre o número de visitantes, o valor vendido até aquele segundo, os produtos mais comprados — dentre outras informações estratégicas para o negócio e proibidas para fotos de FORBES Brasil. A tecnologia fornece ao comandante da operação brasileira, uma das quatro mais importantes para o Walmart.com no mundo ao lado dos Estados Unidos, Inglaterra e China, dados tão detalhados que chegam a mostrar a página onde o internauta parou antes de efetivamente finalizar a compra.
Reverter desistências e levar o consumidor até o caixa é uma das vocações de Paulo Sérgio Silva, 50 anos, ou para os funcionários do Walmart.com, simplesmente “Paulão”. O apelido faz jus ao nome do executivo que em nada lembra o padrão de presidente bem-sucedido que circula pelo mercado engomadinho, com gel no cabelo e terno alinhado. Com cara de roqueiro, jeito descontraído e um sorriso quase que constante no rosto, Paulão é o dono dos olhos que tudo veem através dos telões que decifram em números e gráficos todos os acontecimentos por trás de um dos maiores sites de comércio eletrônico do país, com 13 milhões de visitantes por mês (dado da ComScore) e cerca de 800 mil produtos à venda — entre nacionais, importados e advindos de mais de 300 parceiros como a Saraiva. Estima-se que, com todos esses números, o Walmart.com seja hoje a terceira maior empresa de e-commerce do país em audiência e vendas.
Os bastidores do negócio, que tem 1,5 mil funcionários no Brasil, não têm nada a ver com o de um varejista tradicional. Assim como seu mandachuva, que começou a trabalhar nos primórdios da internet no Brasil, tem paixão pela música, é guitarrista da banda Soul Good e, graças ao seu jeito franco e amigo, transformou a sala do chefe (sem paredes) no chamado “consultório do Paulão”. Quem trabalha com ele conta que sempre tem alguém sentado ali, recebendo conselhos, trocando ideias, sonhando em inovar. O resultado é que o executivo acaba tendo mais trabalho, fica mais horas na empresa, mas motiva mais a equipe. Paulistano da gema, como gosta de dizer, estudou publicidade após desistir da engenharia. No comecinho da web, foi acionista minoritário do Nutecnet, provedor de acesso à internet que, mais tarde, seria vendido ao Grupo RBS para dar origem ao ZAZ, portal de conteúdo da empresa de mídia gaúcha. Posteriormente, o negócio foi novamente vendido para o Grupo Telefônica, para dar origem ao Terra. Ele foi um dos precursores da publicidade on-line no Brasil e um dos fundadores da entidade que daria origem ao atual IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau). “Vendi o primeiro, senão um dos primeiros banners do Brasil, quando não existia regra nem precificação”, lembra.
No Grupo Telefônica, o executivo atuou por 12 anos como vice-presidente responsável pelas vendas de publicidade on-line na América Latina, Estados Unidos e Espanha. Ficou até 2012, quando resolveu mudar. “Precisava de novos ares e fui tirar um ano sabático. Aprimorei minha banda de soul music e rock, melhorei o estúdio de gravação que tinha em casa, viajei pela Europa com a esposa e dei uns rolês de moto pelos Estados Unidos, viajando pela Highway One de Los Angeles para São Francisco. No Brasil, também fui de moto até Jericoacoara [CE]. E, de quebra, passei mais tempo com meus filhos [hoje com 24 e 17].”
Em abril de 2013, foi convidado para atuar no Walmart.com Brasil como vice-presidente de desenvolvimento de negócios na América Latina. Em julho passado, foi promovido a COO (Chief Operation Officer) para a América Latina e, no mês seguinte, acumulou o posto de CEO do Brasil. Nesse meio tempo, seu chefe Fernando Madeira, até então CEO da operação latino-americana, foi promovido a CEO do Walmart.com nos Estados Unidos e América Latina — hoje ele vive em San Bruno, no Vale do Silício.
Com esse jeito carismático e inofensivo, Paulão tem conseguido incomodar a concorrência a partir de uma taxa de crescimento anual do negócio da ordem de 40% ao ano. A seu favor, conta o fato de a operação pontocom atuar de forma independente da rede varejista de lojas físicas desde a virada de 2012 para 2013. O prédio mudou, assim como o CNPJ, a equipe, o centro de distribuição, a malha logística e o mindset. “Como todo negócio de e-commerce, o Walmart.com nasceu há seis anos dentro da organização como primeira experiência para entrar e entender o mundo digital. Há três anos, houve o spin-off da operação. Como o Brasil é um dos quatro mercados-chave, essa divisão fez todo sentido para trazer mais velocidade de crescimento e capacidade para brigar de igual para igual com os players locais.
A negociação com os fornecedores não é feita de forma casada — lojas físicas e pontocom. “Não somos um canal de vendas do Walmart. Somos uma empresa de internet. Essa liberdade nos permite testar coisas que o varejo não faz. Hoje, por exemplo, temos uma área de vendas separada da comercial (que, na maioria das empresas, negocia com o fornecedor e monta o rol de produtos e os precifica para o consumidor). Com esse novo formato, você tem o benefício de ter um grupo de pessoas pensando em como vender, o que vender, o preço e a estratégia de marketing. Acho que somos a única empresa no mundo a fazer isso”, explica Paulão, o idealizador da mudança, que começou a ser desenhada em outubro de 2014 e foi implementada no último semestre do ano passado.
O resultado: Paulão garante que o Walmart.com está vendendo muito mais. “Hoje, nossa discussão sobre vendas é muito mais rica. O profissional de vendas pensa apenas em vender e pressiona o pessoal do comercial a comprar melhor. Eles se conversam todo dia às 11h e eu participo dessa reunião.” Dessas reuniões saíram ideias de produtos que resultaram em grande sucesso de vendas, como a vitrola portátil Crosley Cruiser, que pode ser encontrada em cores como laranja e custa R$ 499. Trata-se de uma importação própria de um produto exclusivo do Walmart.com do Brasil, não encontrado nas lojas físicas da marca. “O mix de produtos cresceu assim como a importação.”
O site também ganhou diferenciais como conteúdo e vídeo. A área de lifestyle, por exemplo, conta com especialistas como Fernanda Meza, que já atuou na internacionalização de Havaianas, da Alpargatas. Vídeos da SPFW e das semanas de moda de Londres e Milão, por exemplo, são transmitidos pelo site ao vivo. Isso tem uma explicação: por volta de 40% dos consumidores do site são mulheres. “Aqui não é simplesmente um ambiente para se entrar, ver o preço e sair. Estamos inovando para competir com players que estão há anos no mercado”, observa Paulão, que não quer só market share, mas, também, crescimento sustentável.
O reflexo no aumento das vendas se traduz em investimentos. Com quatro centros de distribuição em operação no Brasil — em Cajamar (SP), Betim e Vespasiano (MG) e Cabo de Santo Agostinho (PE) —, a empresa acaba de assinar um protocolo de intenções com o governo de Minas Gerais para investir R$ 150 milhões na construção de seu quinto CD do país (e segundo próprio, depois do de Cajamar). O projeto deve durar 15 meses e será o maior da pontocom no país, com a previsão de geração de 2 mil empregos nos três primeiros anos. “A crise não nos afetou e não mudou nossos planos. Temos metas agressivas e vamos crescer acima do mercado. Com crise ou sem crise, quem estiver aqui para ficar terá que conviver com isso.”
O negócio hoje é conduzido por uma equipe multicultural e multidisciplinar. Tem brasileiros, argentinos, franceses, americanos e até chineses que vieram de empresas como Google, Microsoft, Intel, BBC, dentre outros.
“Aqui misturamos perfis de NRF [National Retail Federation] com SXSW [South by Southwest], um conjunto de festivais de cinema, música e tecnologia que acontece toda primavera em Austin. Perfis tão diferentes pedem áreas comuns igualmente diferentes na empresa, onde é possível, por favor, jogar Guitar Hero, Xbox ou tocar violão no meio do expediente. Há uma sala para esse fim na sede da companhia em Alphaville.”