É 2018, e a fumaça indica o caminho até Jessica VerSteeg. A modelo holandesa-porto-riquenha de 30 anos e ex-Miss Iowa (além de participante do reality “Amazing Race”) também é CEO da Paragon, uma plataforma blockchain criada pela indústria da cannabis.
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A empresa oferece desde uma criptomoeda – a ParagonCoin, negociada como PRG – até uma solução blockchain, a ParagonChain, projetada para agilizar e digitalizar a cadeia de suprimento de maconha. Para uma indústria que ainda luta pela legalização enquanto se afoga em uma economia analógica baseada em dinheiro, a Paragon promete segurança de informações para os consumidores e transações rápidas e seguras para os vendedores. Agora, o mais recente empreendimento da empresária é a Paragon Space, o primeiro espaço de trabalho voltado para cannabis em Los Angeles com inauguração prevista para 1º de setembro.
A imagem é de dois mundos colidindo? Jessica ri ironicamente quando perguntam a ela sobre a relação entre o que parece ser dois capítulos díspares de sua vida: modelo de lingerie e empresária de criptografia. “Essa é sempre a pergunta que todo mundo faz”, conta.
E há uma resposta convincente. Jessica desistiu da faculdade e trabalhou como modelo profissional de lingerie e moda dez anos antes de um evento avassalador em sua vida fazer com que mergulhasse em um empreendimento voltado para cannabis.
Da tragédia à tecnologia
Em 2013, Jessica namorava Tyler Sash, um jogador da NFL que lutava para lidar com a dor de suas lesões no futebol. Quando o atleta foi dispensado pelos New York Giants depois de sofrer muitas contusões, sua dose normal de analgésicos ficou restrita e ele passou, então, a ingerir pílulas para lidar com as dores.
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“Enquanto estávamos juntos, ele perguntava: ‘Jess, posso fumar maconha para a dor?'”, lembra ela. “Eu não entendia a maconha naquela época e negava o pedido, dizendo a ele que a substância não era legal no país e que confiava nos médicos da NFL, que eles sabiam o que estavam fazendo. Mal sabia eu que, na verdade, eles não sabiam.”
Jessica achou que o namorado estivesse com algum tipo de distúrbio quando ele “se tornou uma pessoa diferente” e começou a “fazer coisas malucas”. Ela implorou à NFL para ajudar, mas sem sucesso. Sash se tornou um viciado em opióides e ela se viu obrigada a terminar o relacionamento. Um ano depois, o atleta morreu de overdose.
Abalada, Jessica disse ter desenvolvido uma depressão suicida, consumida pela culpa de não ter ouvido seu parceiro mais seriamente sobre os usos da maconha medicinal. A mãe da empresária notou que ela estava doente e a ajudou a transformar sua dor em uma saída empreendedora e tecnológica.
“Por tudo que passei, precisava de algo forte para me segurar”, diz Jessica. “Minha paixão mudou a forma como outras pessoas viam a cannabis para que o que aconteceu comigo não acontecesse novamente. Ninguém mais teria que perder pessoas queridas para um vício em opiáceos.”
Um novo empreendimento conjunto
Em 2014, Jessica fundou sua primeira startup, a AuBox, um serviço de luxo de assinatura de cannabis que oferecia produtos como bolos e pirulitos com infusão de ervas, bombas de banho de canabidiol e suplementos entregues discretamente na porta dos clientes. A tecnologia blockchain desenvolvida por ela ao lado da AuBox, apelidada de AuChain, transformou-se em uma ideia inicial para a Paragon, uma oferta de criptomoedas e blockchain projetada especificamente para o mundo da cannabis.
Foi uma oportunidade de negócio perfeita, que estava apenas esperando para decolar. O mercado do canabidiol deverá crescer 35% ao ano para acumular US$ 35 bilhões em vendas no varejo até 2022, de acordo com Matt Karnes, fundador e sócio-gerente da GreenWave Advisors, uma importante empresa de pesquisa da indústria de cannabis. Esse número baseia-se na suposição de que todo estado legalizará a maconha, seja medicinal ou em todas as outras formas nos próximos cinco anos.
“Não acho isso irrealista, já que vários estados que estão tratando do tema”, diz Karnes. “Assim que essa próxima onda de legalização ocorrer, ela vai acelerar o cronograma para que outros estados também legalizem.”
Dado que o governo atual não reprimiu a maconha em nível federal dois anos depois da posse, Karnes disse ser improvável haver problemas legais para a indústria. Além do fato de que a Paragon não lida com o produto físico em si – ao contrário, é apenas uma tecnologia relacionada à cannabis – logo, não está infringindo a lei.
Então, como a ex-Miss Iowa, contrária à cannabis, fez a transição para o mundo do Bitcoin? Para Jessica, a tecnologia é coisa de família. Seu pai era graduado pelo MIT e funcionário do Pentágono. Sua mãe trabalhou com criptografia para o governo durante a Guerra do Golfo. Sua irmã é cientista da computação. Além disso, há o marido, o tecnocrata russo e milionário Egor Lavrov, que apoiou a Paragon e, atualmente, é diretor de criação da empresa.
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A própria empresária foi uma das primeiras investidoras de Bitcoin desde 2010 e é obcecada pela criptografia, optando por fazer o máximo possível de suas compras em estabelecimentos que adotam a tecnologia. Quando levantava capital para a ParagonCoin, Jessica optou por fazer uma OIC (Oferta Inicial de Moedas) em vez de recorrer às empresas de capital de risco, nas quais ela achou dificuldade para se estabelecer como empreendedora.
“Com uma OIC, eu não precisaria passar por esse processo estranho com um grupo de pessoas”, diz ela. “Era só lançar minha ideia para o mundo inteiro, e o que importaria mais do que o gênero da CEO seria meu código e meu trabalho com blockchain.”
A Paragon arrecadou US$ 70 milhões com a oferta inicial de moedas no ano passado. No entanto, em janeiro deste ano, os investidores entraram com uma ação alegando que a Paragon não registrou a oferta junto aos reguladores. Jessica disse que a empresa se dedica a cumprir a lei e se esforça para tal em todo o processo da OIC, mas se recusou a falar mais sobre o assunto.
A combinação de cannabis e blockchain talvez seja um pouco parecida com o passado e o presente da empresária, mas rapidamente começa a fazer muito sentido comercial em uma análise mais profunda. A maconha é uma indústria em rápido crescimento, na qual cada vez mais investidores estão apostando, já que o primeiro ETF – Exchange Traded Funds (Fundos Negociados em Bolsa, em tradução livre) baseado em cannabis do mundo atraiu quase US$ 400 milhões desde dezembro. É também uma indústria madura para a ruptura tecnológica, considerando sua atual dependência do dinheiro.
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Como os bancos federais segurados não podem transacionar com empresas relacionadas à cannabis, a maioria das companhias utiliza apenas dinheiro, o que retarda as operações e traz sérios riscos de segurança. Enquanto isso, devido à falta de supervisão a nível federal, os compradores estão suscetíveis a produtos falsificados ou impuros, sem uma ideia real de onde ou como a erva que eles estão consumindo foi cultivada.
A tecnologia blockchain poderia resolver tudo isso. A ferramenta, que essencialmente funciona como um livro de informações descentralizadas, introduz transparência e eficiência para o processo da cadeia de fornecimento de maconha ao prover dados agrícolas, sobre a origem do produto, resultados de laboratório e ingredientes.
“Com o tempo, percebi que poderia realmente ser algo benéfico para a indústria de cannabis”, relata Jessica. Agora, na Paragon, o trabalho da empresária vai das criptomoedas às soluções de blockchain, passando por carteiras digitais e por um aplicativo móvel que pode escanear QR codes em produtos da empresa para ter acesso a uma grande variedade de dados.
O coworking vertical da cannabis
Como se não bastasse iniciar duas empresas antes dos 30 anos, há um desafio final que Jessica está tentando solucionar na junção da cannabis e da tecnologia: espaços de trabalho flexíveis para quem lida com a erva.
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Ao longo dos anos, com a criação de suas duas startups, a empreendedora descobriu como era difícil encontrar um espaço de escritório adequado em função da desconfiança dos proprietários quanto à ambiguidade jurídica de seu negócio. Empresas tradicionais de coworking, como a WeWork nem sempre se mostraram amigáveis ao clientes que lidam com canabidiol. Muitos outros espaços eram inacessíveis devido aos regulamentos da Zona Verde, que impediam que empresas relacionadas à erva fossem localizadas próximo a creches, por exemplo.
“Quando eu chefiava a AuBox, era realmente difícil encontrar um espaço no bairro que não me cobrasse dez vezes mais quando descobriam que eu era uma espécie de empresária de maconha”, lembra.
O Paragon Space é um condomínio de quatro prédios para coworking relacionado à cannabis programado para ser lançado em Hollywood em um mês. As empresas poderão alugar escritórios privados e compartilhados com acesso a salas de conferência, espaços ao ar livre, um café e áreas comuns. A adesão custará US$ 449 por mês. Uma mesa para quatro pessoas sairá por US$ 1.996 mensais, enquanto uma sala privada para três pessoas exigirá US$ 2.070.
O interesse é grande e os clientes já se inscreveram para usufruir do espaço, segundo Jessica. Quanto à legalidade, a Paragon Space não é irregular, pois lida apenas com tecnologia e espaço de trabalho colaborativo.
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“Se você não está relacionada diretamente a uma fábrica e não faz nada fisicamente ligado à maconha, não acho que deva ter problemas legais”, diz Karnes, da GreenWave Advisors. “Não deve ser diferente de qualquer outro negócio.”
A Green Helix, uma startup sediada em West Hollywood que vende produtos com infusão de canabidiol, é uma das clientes da Paragon Space. Quando Nick Palacios, diretor de produto e desenvolvimento da empresa, conheceu Jessica e ouviu sobre o espaço, ficou instantaneamente intrigado. “Algo que percebemos com espaços de trabalho competitivos é que não conseguimos trazer certos produtos para as instalações”, conta. “Não queríamos gastar dinheiro para obter um espaço de escritório que não pudesse ser usada da maneira que desejávamos.”
A startup está de mudança marcada para a Paragon Space depois da inauguração do espaço, no próximo mês. Como parte de uma jovem empresa baseada em cânhamo, Palacios diz que a equipe se beneficiará imensamente de estar em um espaço de coworking com outros profissionais da mesma vertical, sem ter que se preocupar com julgamentos ou preconceitos. “Para nos unirmos e trabalharmos de forma colaborativa, em rede, e trocarmos ideias uns com os outros, acho que o espaço só trará sucesso e legitimidade que a indústria realmente precisa”, acredita.