O interesse em alternativas à carne tem se originado, em grande parte, na crescente conscientização dos problemas ambientais deixados pela criação animal, o que leva os consumidores e as empresas a buscarem soluções ativas. Também não é pequeno o número de atletas de destaque e outras celebridades que promovem dietas baseadas em vegetais.
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Indiscutivelmente, a abordagem mais controversa para a substituição de produtos de origem animal é a “carne limpa”, ou carne in vitro, que envolve recriar a proteína das células dos animais e cultivar a carne em laboratórios, o que elimina a necessidade de criação e abatimento. A Universidade de Oxford estima que a tecnologia também reduzirá muito os gases de efeito estufa (96%) e a quantidade de terra (99%), água (96%) e energia (46%) necessários na produção tradicional. São números que mudam o jogo.
Alguns questionam se essa carne futurista será adotada por parte dos consumidores quando chegar às prateleiras e se é possível produzir o suficiente para substituir a carne oferecida hoje. No entanto, um desenvolvimento recente pode ter marcado o início da solução do enigma “custo/escala” da carne cultivada em laboratório.
A Mosa Meats, empresa que produziu o primeiro hambúrguer de laboratório, em 2013 (os primeiros investidores incluem Sergey Brin, do Google), levantou apenas 7,5 milhões de euros para continuar a produção em massa de carne sustentável até 2021. Embora esse valor em dólar não seja tão expressivo, os participantes dessa recente rodada de investimento incluem entusiastas de peso.
A rodada de investimentos da Mosa foi coliderada pela M Ventures, braço corporativo de capital de risco da empresa de ciência e tecnologia Merck, e pela Bell Food Group, a maior processadora de carne da Suíça, com operações em toda a Europa.
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Este foi o primeiro investimento da M Ventures em agricultura celular. Para Alexander Hoffman, diretor da investidora, a Merck procura ir além de seus negócios tradicionais e explorar novas áreas, particularmente aquelas que podem se tornar uma parte essencial de seus negócios. Aparentemente, o departamento de ciências biológicas da Merck está muito empolgado com o potencial das empresas de carne de laboratório, como a Mosa.
O financiamento da M Ventures marca um movimento significativo no caminho para a comercialização da carne de laboratório, pois é o primeiro investimento de um braço de capital de risco de uma importante empresa de ciência e tecnologia. A Merck já é líder global no cultivo de células em larga escala e na produção de meios celulares escaláveis, a parte mais cara do processo de produção de carne in vitro. Até agora, a empresa havia focado esses esforços exclusivamente no desenvolvimento farmacêutico.
“Substituir a produção tradicional pela cultivada teria um enorme impacto na redução das emissões de gases do efeito estufa, liberaria uma grande quantidade de recursos que são usados atualmente para a produção de carne em todo o mundo e interromperia completamente uma indústria antiga e atualmente insustentável”, diz Hoffmann.
A Mosa Meat usará o financiamento da Série A no desenvolvimento de um processo completo para a produção de carne de laboratório a um custo significativamente reduzido. O ponto final do investimento permitirá que a empresa se prepare para a construção de uma planta de produção piloto para a introdução de um produto premium em 2021.
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Para Liz Specht, cientista sênior do Good Food Institute, a participação da Merck é um grande negócio. “A expertise vai muito além dos meios de cultura. Eles têm competência profunda em muitos aspectos da ciência biológica, assim como em outras áreas [materiais, por exemplo], que eventualmente podem ser muito importantes para a produção de carne limpa.”
A experiência da Merck com culturas laboratoriais é atraente do ponto de vista estratégico. A produção de células é a chave para aumentar o cultivo de carne in vitro, pois ainda é preciso descobrir como fazer com que as células cresçam mais rapidamente e em maior quantidade. Em resumo, novas tecnologias precisam ser desenvolvidas. É aí que empresas como a Merck podem ser de grande contribuição.
A Merck também pode ser fundamental para ajudar a reduzir o custo do meio de cultivo, que imita o papel do sangue para ajudar as células a proliferarem. Como a companhia já tem muita familiaridade com a área, pode ajudar na produção de alto volume e qualidade.
Os produtores de alimento (isto é, a Bell Food Group) também são parceiros importantes para a indústria de carne de laboratório. O grupo traz fortes capacidades no processamento e distribuição de carne, o que ajuda a garantir que o produto cultivado chegue às mãos de todos ao redor do mundo.
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“A demanda por carne tem crescido e, no futuro, não será atendida apenas pela pecuária”, diz Lorenz Wyss, CEO do Bell Food Group. “Acreditamos que esta tecnologia pode se tornar uma verdadeira alternativa para os consumidores preocupados com o meio ambiente, e estamos muito satisfeitos em trazer o nosso know-how e expertise do negócio de carnes para esta parceria estratégica com a Mosa Meat”.
A Mosa Meats também se juntou, recentemente, a um grupo de outras empresas de renome do ramo da carne para levantar capital, incluindo Memphis Meats (apoiada por Richard Branson e Bill Gates) e Super Meat, entre outros.
Espera-se que a partir de agora outras empresas de ciências biológicas se animem a fazer o mesmo, o que estimulará a corrida para uma alternativa escalonável, acessível e ecologicamente correta a um dos grupos de alimentos favoritos do mundo. Enquanto tudo isso pode soar muito “Star Trek” para alguns, os líderes de alimentos e sustentabilidade mal podem esperar para atingir um novo paradigma de alimentação.