“Agora vivemos em um mundo global e exponencial”, diz Steven Kotler para mim e para meu coautor Michael Ashley, em seu escritório em Santa Mônica. Nós estávamos entrevistando o autor best seller do “New York Times” e empresário para o nosso próximo livro “Uber Yourself Before You Get Kodaked: A Modern Primer on A.I for the Modern Business” (algo como “Atualize-se Antes de Ser Ultrapassado: Uma Apresentação Sobre IA para Negócios Modernos”, em tradução livre).
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“Você precisa entender que nossos cérebros evoluíram em um ambiente local e linear. Não podemos processar a mudança a essa velocidade ou escala, somos ruins nisso. Mas no século 21, segundo uma pesquisa feita por Ray Kurzweil, vamos experimentar mais de 20 mil anos de mudanças. Em síntese, nos próximos 80 e poucos anos, passaremos pelo nascimento da agricultura até a revolução industrial duas vezes em termos de avanço tecnológico”, continuou ele.
Muito tem dito sobre os seres humanos poderem ser substituídos pela inteligência artificial no local de trabalho – de garçons a robôs domésticos. No entanto, o que Kotler e seu coautor Peter Diamandis afirmam em livros como “Bold: How to Go Big, Create Wealth” (“Ousadia: Como Tornar-se Grande, Criar Riqueza e o Impacto do Mundo”, em tradução livre) é que a abundância tecnológica sem precedentes se aproxima. É importante ressaltar como esses pensadores sugerem que o futuro da prosperidade depende não apenas da inovação tecnológica, mas também da criatividade exponencial.
“Minha organização, a Flow Genome Project, participou recentemente do Hacking Creativity Project, da Red Bull”, conta Kotler. “Com cerca de 30 mil estudos e centenas de entrevistas, foi a maior pesquisa empírica de criatividade já realizada. Uma das conclusões mais abrangentes alcançadas é que o lado criativo é a habilidade mais importante para prosperar no século 21.”
Kotler não está sozinho em sua afirmação de que a criatividade é a chave para o sucesso no futuro. Stephen Ibaraki, fundador/presidente da ITU – AI For Good Global Summit com a XPRIZE Foundation, aconselhou os jovens, em uma entrevista recente para o nosso livro, a concentrarem seus esforços no desenvolvimento de habilidades para a resolução de problemas: “As áreas em que a automação terá problemas para penetrar envolvem criatividade, inovação e imaginação”.
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Ciente do valor dessas habilidades, Kotler estudou durante anos como funciona e como extrair resultados sobre-humanos. Como diretor de pesquisa do Flow Genome Project, ele considera que alcançar o estado de fluxo – considerado uma das principais ferramentas para obtenção da felicidade e bem-estar – é crucial para alcançar nosso verdadeiro potencial.
O fluxo é definido, tecnicamente, como “um ótimo estado de consciência”. É a sensação de nos sentirmos bem e fazermos o melhor possível. É quando o tempo desacelera, quando nos tornamos tão absorvidos na tarefa que tudo ao oredor desaparece. “Está bem estabelecido que este é o estado em que os humanos preferem estar”, diz Kotler. “Vamos colocar o fluxo acima do sexo, das drogas e afins. É a melhor sensação da terra.”
Por que essa sensação é tão especial?
Em estado de fluxo, o desempenho humano dispara. A atenção se cristaliza. As habilidades se multiplicam. Um estudo da McKinsey realizado durante uma década descobriu que executivos de alto nível são 500 vezes mais produtivos em estado de fluxo. Quanto mais a mente se concentra nesse estado, mais o nosso crítico interior se fecha. É quando uma corrente de ideias conscientes jorra como uma garrafa de champanhe sem tampa. Os cientistas ainda têm evidências causais de que o estado de fluxo leva a melhores resultados de aprendizado.
As escolas de hoje não formam a força de trabalho de amanhã para serem criativas
Em um artigo de 2017, George Monbiot, do “The Guardian” diz: “Nossas escolas foram projetadas para produzir a força de trabalho exigida pelas fábricas do século 19. O objetivo era desenvolver profissionais que se sentassem silenciosamente em seus bancos o dia todo, tivessem comportamentos iguais para produzir produtos idênticos e fossem submetidos à punição se não conseguissem alcançar os padrões necessários”.
De acordo com Monbiot, ser empregável ou ter sucesso como empreendedor no futuro exige desafiar a engenharia social antiquada. “Você deve ser o mais diferente possível de uma máquina: criativo, crítico e socialmente habilidoso.” Em uma palavra, você deve ser humano. Agora, e se a inteligência artificial pudesse nos ensinar como ser mais humano e mais criativo?
Inteligência artificial e desenvolvimento de habilidades humanas
Segundo Kotler, a inteligência artificial pode ser uma aliada na excelência do incentivo do potencial humano. Para este fim, o Flow Genome Project está nos estágios iniciais de desenvolvimento de redes neurais que capturam dados de sensores biofísicos e determinam se alguém está em estado de fluxo. “Você essencialmente lida com a neurociência comportamental, e faz a ligação da psicologia com a ciência neural”, diz ele. “O conceito é difícil de ser praticado, mas é um ótimo problema de machine learning.”
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O desafio que Kotler descreve é importante porque há muitas razões para acreditarmos que criatividade aprimorada é a chave para o florescimento da quarta Revolução Industrial. Historicamente, a economia tem sido chamada de “a ciência sombria”, baseada na previsão malthusiana de que uma população crescente superará os recursos do mundo. Basicamente, em algum momento não haverá o suficiente para todos.
No entanto, com o advento de tecnologias altamente produtivas, como a impressão 3D e carne limpa, a palavra “escassez” aos poucos é substituída em certos círculos por uma nova: “abundância”. Embora Kotler e Diamandis tenham escrito muito sobre esta ideia em seus livros, eles fazem um grande contraponto para transformar a afirmação em praticidade. Sua versão de abundância não é pensamento mágico, é fundamentada no racionalismo, na lei dos retornos acelerados e, o mais importante, na criatividade.
“Quando Peter e eu falamos sobre abundância, as pessoas de alguma forma interpretam isso de forma errônea, como uma utopia tecnológica”, diz Kotler. “Não é isso que queremos dizer, mas sim que temos a ferramenta para resolver os grandes desafios do mundo. No entanto, isso não se dá de forma automática. De fato, provavelmente será necessário maior esforço de cooperação na Terra.”
Kotler ressalta que, desde o surgimento da humanidade, a evolução apresentou duas soluções para combater a escassez. A primeira opção – a que temos feito desde os tempos pré-históricos – é competir por recursos cada vez menores. “Mas há uma segunda opção. Uma que realmente aparece repetidamente em toda a natureza: cooperação e criação novos recursos”, diz ele.
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Para perseguir a última escolha, os humanos devem ser muito mais criativos – e ter mais espírito coletivo do que nunca. Quando se trata de mudança climática, extinção em massa, ocorrência de desastres naturais e aumento do nível do mar, as apostas precisam ser altas. A boa notícia é que a humanidade tem algumas vantagens importantes. Agora temos a internet, um mecanismo capaz de conectar simultaneamente mentes em qualquer lugar do mundo. Nós também possuímos o benefício da IA. Entre outras coisas, esta tecnologia em desenvolvimento permite o uso melhorado da mente – para pensar mais profundamente e imaginativamente. E, como vimos, a melhor maneira de alcançar essa criatividade ideal é com o acesso ao estado de fluxo.
Como acessar o estado de fluxo para enfrentar os desafios do mundo
O Flow Genome Project trabalha arduamente em soluções inovadoras. Consciente do fato de que os indivíduos acessam mais facilmente os estados de fluxo por meio dos esportes de ação e aventura, o programa está construindo o Flow Dojos. A ferramenta consiste no uso da IA aliada à realidade virtual. Munidos das duas tecnologias eles apresentam “equipamentos circenses extremos”, onde protegido com segurança em um ambiente virtual, seu corpo experimenta a sensação de oscilações em looping capaz de lançar você a 7,5 metros do chão, catapultando-o pelos ares. Da mesma forma, também são utilizados videogames hiper-realistas como estímulo ao estado de fluxo.
Mas Kotler tem ambições ainda mais ousadas de usar a inteligência artificial para aproveitar essa condição. “Eu quero construir um sistema de análise semântica capaz de aprender com o crescente conteúdo do mundo”, diz ele. “Os principais especialistas em alto desempenho já fizeram milhares de podcasts. A coisa mais inteligente que poderíamos fazer para alcançar novos níveis de alto desempenho é usar a inteligência artificial para rastrear os podcasts, ingerir os dados e procurar semelhanças.”
No final do dia, Kotler e os outros pensadores exponenciais de hoje têm um pé nesta era e o outro no desconhecido – um reino de imaginação além dos sonhos mais insanos. Mas, ao longo do tempo, foi a criatividade que construiu as maiores invenções e levou à conquistas mais duradouras – inclusive à inteligência artificial.
Agora, a inteligência artificial está pronta para se fundir com o ser humano e conquistar o objetivo de imaginar e construir um mundo diferente de qualquer outro já visto. Não é de admirar que as empresas de tecnologia do Vale do Silício tenham começado a contratar escritores de ficção científica para criar novos produtos. O que antes era o reino de Arthur C. Clarke e William Gibson está rapidamente se tornando real à medida que a criatividade humana cresce e flui. É um bom momento para estar vivo e testemunhar tanta inovação.