Muitas pessoas acreditam que os preservativos não tiveram qualquer inovação nas últimas décadas, desde a introdução da extremidade fechada da camisinha masculina. Mas, se você disser isso a um fabricante, ele deve discordar.
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Uma das coisas que ele dirá é que, de meados dos anos 1990 até o início dos anos 2000, foram desenvolvidos modelos que substituíram o látex, material dominante na indústria desde 1919, por nitrilo, poliuretano e poliisopreno, substâncias com vantagens e benefícios sensoriais únicos. Avanços na fabricação nas últimas duas décadas permitiram reduzir pela metade a espessura das borrachas de látex, grande queixa dos usuários por diminuir a sensibilidade.
Ao mesmo tempo, diz Davin Wedel, fundador da fabricante e varejista Global Protection, os preservativos se tornaram mais duráveis e confiáveis. No ano passado, a Global Protection apresentou um novo leque de tamanhos, criados para atender as outra reclamação dos consumidores: o ajuste inadequado. Assim como outros fabricantes, a empresa também trabalha para sanar queixas sobre a lubrificação insuficiente do preservativo fora da embalagem — um fator que aumenta o risco de a camisinha romper ou não parar no lugar.
No entanto, a maioria dessas inovações, admite Wedel, são incrementos. Isto é, não alteram a estrutura do produto. Mesmo os materiais introduzidos na fabricação desde 1990 não soam, para muitos, revolucionários: o poliisopreno e o nitrilo são apenas látex sintético. E o poliuretano já era, ao menos nos Estados Unidos, recomendado para quem tem sensibilidade ao látex — e principalmente por essa razão, já que é menos eficiente e mais duro. O látex, de um jeito ou de outro, está sempre lá. A maioria das novas camisinhas apenas traz incrementos superficiais na borracha, como nervuras.
Os avanços no mercado de preservativos podem parecer insignificantes se comparados às inovações arrojadas ocorridas em outros setores nos cinco anos em que a Fundação Gates desafiou — com um prêmio em dinheiro — qualquer um a revolucionar a área. Acadêmicos, designers e empresas de saúde propuseram a fusão de materiais existentes com novas substâncias (em um dos casos, um tipo de grama) para permitir que os preservativos ficassem mais finos e encolhessem até se agarrar automaticamente ao pênis.
Também propuseram cravejar os materiais existentes por meio da nanotexturização, o que não só poderia oferecer novas sensações, mas estimular o aumento do fluxo sanguíneo durante o sexo. Alguns até sugeriram a troca de materiais por novas substâncias como grafeno ou hidrogéis. Esses materiais poderiam imitar a textura do tecido humano, transferir calor e, ao mesmo tempo, gerar estimulantes, lubrificação e pulsos elétricos durante o ato sexual. Idéias que poderiam levar à criação de preservativos que as pessoas realmente querem usar — com os quais se sentiriam melhor do que no sexo desprotegido.
Essa é uma proposta atraente, tanto do ponto de vista comercial quanto de saúde pública, já que muitos indivíduos sexualmente ativos não usam preservativo por acharem desconfortável. (As taxas de uso variam descontroladamente em termos demográficos e regionais. E algumas pessoas, como casais monogâmicos livres de doenças com outras formas de controle de natalidade, ou aqueles que querem engravidar, podem ignorar a camisinha. O número de pessoas que deveria usar o preservativo o faz apenas esporadicamente ou simplesmente não o faz.)
Prazer, a camisinha
Um bom número de não usuários, especialmente em locais onde as camisinhas são amplamente disponíveis e não são estigmatizadas, evita usá-las com argumentos como o que diz que é como chupar bala com a embalagem. Esses são boa parte dos afetados pela epidemia de infecção sexualmente transmissível (IST) nos Estados Unidos — e, ao mesmo tempo, um grande público a ser explorado por fabricantes de preservativos.
“Há uma enorme oportunidade para a indústria do preservativo”, argumenta Robert Gorkin, bioengenheiro que trabalha com preservativos à base de hidrogel desde 2013. “Dá para criar camisinhas melhores, mais seguras e eficazes, que trarão benefícios de saúde e socioeconômicos, particularmente para as populações vulneráveis, e proporcionarão retornos significativos sobre o investimento ”.
Alguns pesquisadores negam que a camisinha reduza o prazer do usuário durante o sexo. Segundo esses pesquisadores, existe uma cultura de ódio à camisinha. E, para combatê-la, é preciso lançar mão de marketing e comunicação.
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Agências governamentais também apoiam a ideia de que Estados, organizações sem fins lucrativos e fabricantes façam campanhas para ampliar o uso de preservativos, assim como programas de distribuição e de engajamento da comunidade. O foco em marketing e divulgação parece mais lógico que apostar em inovações radicais.
Como as marcas inovam
Então, por que as melhores e mais ousadas propostas de inovação para preservativos parecem vir não das grandes fabricantes — as empresas por trás das marcas Durex (Reckitt Benckiser), LifeStyles Healthcare e Trojan (Church & Dwight), que juntas controlam ao menos 90% do mercado –, mas de pequenos atores? E por que não há notícias dos grandes players apoiando ou absorvendo os pequenos e emergentes?
Nenhum desses três principais fabricantes respondeu quando tentei falar sobre esses problemas. Mas Wedel, que trabalha com grandes players, afirma que todas as empresas de preservativos, inclusive a sua, estão explorando ideias novas. Todos os que a Fundação Gates apoiou com um suporte de US$ 100 mil, afirma Gorkin, ele mesmo incluído entre os apoiados, teve contato com grandes fabricantes, a quem apresentaram seus projetos.
As maiores empresas não falam sobre as suas pesquisas, diz Wedel, porque não veem sentido em aumentar as expectativas dos consumidores em relação a algo que ainda pode estar anos à frente — isso também poderia elevar as queixas. Eles também não querem avisar a concorrência dos seus planos. Os pequenos inventores, por outro lado, precisam gerar o interesse público desde o início para encontrar apoio para suas ideias. Por isso, se expõem mais.
De todo modo, dizem os que travaram contato com os maiores players, suas pesquisas são limitadas, especialmente quando se trata de inovações materiais com grafeno ou hidrogéis. A Lelo, por exemplo, fabricante de peças infantis que há quase uma década está também no ramo da camisinha, prefere apostar no fortalecimento da marca, em pesquisas com clientes, taxas de “gateway” para novos parceiros de varejo e coisas básicas como testar embalagens diferentes para designs antigos, diz Stuart Nungent, gerente de marca da empresa.
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Isso faz sentido porque, como Wedel enfatiza, “este é um mercado menor do que as pessoas imaginam” e muito mais frágil. É verdade que a indústria vende bilhões de preservativos por ano. Mas eles são um produto de consumo barato. Camisinhas são comercializadas entre US$ 0,25 e US$ 1 cada, o que se traduz em centavos de lucro para os fabricantes, na melhor das hipóteses, depois dos custos de fabricação, propaganda e remessa, bem como do corte final do varejista.
O processo de inovação
Sempre que uma empresa busca substâncias novas, observa Shengxi Chen, outro pequeno inventor com uma grande ideia para um preservativo radicalmente diferente, pode ter que experimentar uma série de experimentações a partir do projeto original, até encontrar algo que possa funcionar. Então, é preciso obter permissão de usar o novo material escolhido junto aos órgãos reguladores do governo. Embora a FDA (Food and Drug Administration ou, em tradução direta, Administração de Alimentos e Medicamentos) dos EUA permita que preservativos de látex recebam aval rápido, substâncias novas precisam de testes clínicos que custam mais de US$ 2 milhões e levam mais de dois anos. As coisas podem ficar mais caras e demoradas se uma empresa tentar desafiar os padrões de teste.
“Esses regulamentos existem por uma razão”, diz Nungent, “para garantir que nada arriscado chegue ao mercado”. No entanto, eles são monumentalmente frustrantes, admite. A Lelo demorou sete anos para desenvolver seus preservativos HEX, lançados em 2016, que ainda usam látex, em uma diferenciada estrutura hexagonal que a empresa afirma torná-los mais duráveis e prazerosos.
Mesmo que um novo material pareça pronto para passar pela regulamentação, uma empresa ainda pode ter que descartá-lo, caso perceba que os novos modelos de preservativo não se encaixam em seus sistemas de fabricação com facilidade. Investir em novas máquinas ou processos pode exigir imensas quantias e anos incalculáveis de aperfeiçoamento.
“Os consumidores não estão interessados em pagar muito mais por uma camisinha, mesmo que haja uma melhoria efetiva”, diz Wedel. Então, demande ou não demande processos de fabricação radicalmente novos, um preservativo não poderia custar muito mais que US$ 1, e ainda dar lucro para que a empresa considere a possibilidade de avançar com o modelo. Se esses lucros forem semelhantes ou inferiores aos dos preservativos existentes, pode-se levar muito tempo para recuperar os gastos com desenvolvimento.
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Seguir adiante só faz sentido se uma empresa percebe que inovações caras vão trazer novos clientes, e não dividir os consumidores que já tem entre os modelos diferentes que oferece. Além disso, não há dados claros que apontem uma abertura dos consumidores a novos modelos e hábitos de preservação. É óbvio, observa Wedel, que poucos vão querer algo mais complexo de usar do que o que já existe. Algumas inovações, como uma camisinha específica para o sexo anal — posição para a qual os preservativos masculinos e femininos tradicionais nunca foram efetivamente testados nos EUA –, podem até atrair novos clientes, mas também afastar quem associaria a marca a valores que não aprecia.
Levar um conceito do laboratório ou estação de trabalho para o ponto de venda pode, portanto, custar alguns milhões de dólares, além de alguns anos — pouco na comparação com os bilhões consumidos no desenvolvimento de um novo medicamento no mercado. Mas a chance de que qualquer produto produza um retorno sobre o investimento reconhecível parece bem menor neste setor. Isso gera, diz Gorkin, a aversão ao risco, dispensável sobretudo se a fabricante tem uma posição estável no mercado.
Campo minado
Se um inventor terceirizado desenvolve um projeto capaz de superar obstáculos regulatórios, poderia aceitar não apenas vender sua ideia a uma grande fabricante, mas se tornar parceiro dela. A maioria provavelmente aceitaria a oferta porque, como diz Gorkin, lançar o próprio preservativo a partir do zero seria quase impossível. É muito mais fácil trabalhar com os principais canais de produção, distribuição e divulgação dos produtores do que contra eles.
Mas chegar a esse ponto é uma tarefa árdua para os pequenos inventores, considerando o quão limitado é o governo e os fundos sem fins lucrativos, especialmente em culturas com atitudes delicadas em relação à pesquisa sexual. Gorkin observa, por exemplo, que os US$ 100 mil que recebeu da Fundação Gates foram um bom começo, mas só um início Ele também teve que lutar por anos para obter uma concessão de inovação médica do governo australiano, que foi de US$ 1 milhão.
Dieffenbach, o pesquisador do NIH AIDS, certa vez me disse que os inovadores não devem se queixar da falta de financiamento do governo quando podem recorrer ao “crowdfunding” e aos investidores privados. Mas, enquanto alguns projetistas de preservativos usaram o Indiegogo para algum sucesso, o crowdfunding pode ser difícil, especialmente quando alguém precisa de milhões para um resultado incerto. E poucos investidores externos, apontam Gorkin e Nungent, olham para o setor de saúde sexual. Mesmo se o fizessem, a inovação em preservativos especificamente levantaria as mesmas bandeiras vermelhas para eles, assim como para grandes empresas de preservativos.
Pequenos inovadores podem ter mais flexibilidade e liberdade para explorar e estimular idéias radicais do que os grandes. Mas, seja por falta de sucesso ou financiamento antecipado, ou até mesmo por outras razões, diz Chen, muitos acabam se dobrando e desaparecendo, enquanto os consumidores lamentam suas promessas não cumprida.
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Em outras palavras, a indústria de preservativos é um campo minado, cheio de inovações e obstáculos. Mas alguns inventores ainda tentam encarar os desafios. Chen, que lançou uma start-up para a sua ideia, Joys, diz que vai usar o próprio dinheiro para, até o final do ano, pagar a um fabricante chinês, que já concordou em fazer parceria com ele, criando protótipos com seu novo material. Ele usará isso como uma prova de conceito em novas conversas com parceiros em potencial.
Gorkin também está lançando uma startup, a Eudaemon Technologies. Mas seu plano é atrair investidores com outras aplicações médicas em potencial de seu material de hidrogel, que enfrentariam menos barreiras e ofereceriam maiores retornos sobre o investimento. “Estamos criando várias oportunidades significativas de US$ 50 milhões em setores de US$ 10 bilhões… é nisso que as pessoas investem”, diz ele. Esse financiamento pode proteger seu trabalho com preservativos. (Não é diferente de como as vendas de brinquedos sexuais da Lelo deram um salto para se arriscar na linha de preservativos HEX.) Ele tem muita fé de que o trabalho com preservativos também teria sucesso, pois ele afirma que escolheu o material hidrogel específico com o qual está trabalhando e orientou seu desenvolvimento, baseado em desafios já conhecidos da indústria.
Ambas as táticas podem falhar. Como Gorkin reconhece, para qualquer start-up, não importa o quão robusta, “o vento pode soprar e a empresa pode cair”. Mas, neste ponto, ninguém parece ter uma idéia melhor de como avançar com grandes e ousadas inovações.