O ano foi difícil para Elon Musk, mas ninguém sabia do perigo que ele estava correndo com a Tesla até que ele concedeu uma entrevista ao site “Axios”, dizendo aos repórteres que a fabricante de carros elétricos estava “a poucas semanas” de um colapso.
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Parece ser algo importante – uma admissão de que, em algum momento durante o “inferno de produção” do Model 3, que durou o ano inteiro, a Tesla esteve a um passo de ficar sem dinheiro. Essa foi uma informação nova para os acionistas, que talvez preferissem ficar sabendo antes da real situação da companhia.
Será que esse tipo de dúvida séria quanto à manutenção da Tesla como empresa em atividade não deveria ter sido divulgada por Musk e pela empresa antes do momento de crise, em vez de ser revelada depois? Musk não tem o dever de divulgar essas informações?
A Tesla não respondeu aos pedidos de comentários sobre o que Musk disse a respeito da quase falência da empresa. Perguntamos a alguns especialistas o que eles achavam.
“Você não tem a obrigação de divulgar acontecimentos relevantes diariamente”, diz John Coffee, diretor do Centro de Governança Corporativa da Faculdade de Direito de Columbia. “O silêncio não é passível de medidas judiciais, a menos que exista um dever de divulgar.”
Mas quando esse dever surge? De acordo com Tom Elder, sócio da gigante contábil BDO, caso o auditor e a administração de uma empresa tenham “sérias dúvidas” de que ela conseguirá se manter nos próximos 12 meses como “empresa em atividade”, eles têm o dever de divulgar isso aos acionistas. Mas esse dever está sujeito a um cronograma muito particular. Só importa a opinião deles no dia em que os dados financeiros são publicados. Uma crise que ameace a existência da empresa pode surgir e ser resolvida entre períodos de apresentação de demonstrações financeiras e permanecer em segredo. Elder explica: “Se a coisa estoura no segundo mês, mas no final do trimestre você fez um acordo que salvou os números, então a divulgação não é necessária”.
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Uma questão importante: quando foi, exatamente, esse período em que, segundo Musk disse ao “Axios”, a Tesla esteve a “poucas semanas” da morte? Talvez ele tenha resolvido os problemas dentro dessas semanas e antes da data de apresentação das demonstrações financeiras. No entanto, caso essas “sérias dúvidas” tenham coincidido com a data da apresentação trimestral de demonstrações, então, de acordo com Coffee e Elder, Musk teria sido obrigado a divulgá-las no formulário 10-Q de Tesla. “Alguém pode se perguntar se não deveria ter sido feita alguma divulgação em períodos anteriores ao momento em que ele pensou que a empresa poderia ter apenas algumas semanas de sobrevivência”, sugere Elder.
Não que a crise financeira da Tesla fosse uma surpresa. Em outubro último, Musk lamentou estar no “inferno da produção, mais ou menos no oitavo círculo”. Em fevereiro, os analistas achavam que a velocidade de queima de dinheiro da Tesla suscitava receios quanto à sua manutenção como empresa em atividade. Havia um consenso de que a montadora precisaria vender algo em torno de US$ 5 bilhões em ações até o final de 2019. Em março, Jim Collins, colaborador da FORBES, escreveu que Musk precisaria vender ações assim que o nó da forca financeira apertasse. Wall Street estava dando bastante cobertura ao bilionário. Mas ele adiou. Em um documento de abril, a empresa escreveu que “a Tesla não necessita de um aumento de capital ou dívida este ano, além das linhas de crédito normais”.
Os formulários 10-Q da Tesla revelavam uma enorme queima de dinheiro, mas não mencionavam nenhuma dúvida quanto a continuar em atividade. Musk disse que passou dias morando na fábrica enquanto aumentava a produção do Model 3 para 5 mil por semana. “Houve momentos em que eu estava trabalhando literalmente 120 horas.” Parece ter valido a pena, dado o milagroso lucro de US$ 300 milhões que a Tesla obteve no terceiro trimestre.
Nós nos acostumamos a esperar falsidades por parte de Elon Musk. A SEC, Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio dos Estados Unidos, diz que ele mentiu descaradamente aos acionistas com sua infame série de tuítes anunciando que tinha “recursos financeiros garantidos” para uma aquisição do controle da Tesla a “US$ 420” por ação. Logo depois, ele apareceu em um podcast fumando um baseado gigante. Um processo instaurado pela SEC afirmava que os tuítes de Musk eram “falsos e enganosos e afetaram o preço das ações da companhia”. Sem admitir nem negar as alegações, a Tesla pagou, até agora, US$ 25,8 milhões em multas e honorários advocatícios e entregou o cargo de presidente do conselho, antes exercido por Musk, a Robyn Denholm, ex-diretora financeira da australiana Telstra Corp.
O diretor de contabilidade da Tesla, Dave Morton, demitiu-se após somente um mês no cargo. Em documento apresentado à SEC, Morton disse que não tinha “nenhuma discordância com a liderança da Tesla nem com as demonstrações financeiras dela”. Acrescentou que “o nível de atenção dado à empresa pelo público e o ritmo dentro da empresa superaram minhas expectativas. Isso me levou a repensar o meu futuro”.
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Os detentores de títulos da Tesla não estão achando graça. Eles reduziram esses títulos de 5,3% da Tesla com vencimento em 2025 para US$ 0,86, em comparação aos US$ 0,96 em janeiro último, para um rendimento de 8,1%. Quanto mais desvalorizados os títulos da Tesla, maior o custo implícito do capital para a empresa e mais caro para ela (e outros tomadores que oferecem alto rendimento) rolar dívidas de mais de US$ 10 bilhões. Cerca de US$ 1 bilhão em títulos vão vencer no início de 2019. Isso, além de planos de gastar US$ 2 bilhões ou mais em investimento de capital, consumirá US$ 3 bilhões de caixa e liquidez. Se os custos ficarem fora de controle ou os lucros milagrosos da Tesla perderem a força, a empresa precisará de capital novo em uma época de alta das taxas, aumento das margens e declínio da demanda de títulos de alto risco.
As ações judiciais movidas por acionistas estão aumentando e há investigações federais em andamento, sendo que a SEC está analisando a adequação das divulgações da Tesla no que diz respeito a problemas na cadeia de suprimentos. Um porta-voz da entidade não quis comentar o assunto. O Departamento de Justiça também está se familiarizando com os registros contábeis da montadora, tendo recentemente indiciado Salil Parulekar, ex-funcionário da empresa, por supostamente desviar US$ 9,3 milhões e se passar por fornecedor da Tesla. A Força Aérea dos EUA negou relatos de que estaria analisando a autorização de segurança de Musk (via SpaceX) devido à preocupação com seu uso de drogas, embora a SpaceX tenha conseguido angariar apenas US$ 250 milhões em uma oferta de títulos no mês passado, na qual se esperava que chegasse a US$ 750 milhões.
Musk tem o mérito de ter criado uma empresa que já entregou 83 mil veículos este ano, incluindo mais de 56 mil unidades do Model 3, que se tornou um dos carros médios de luxo mais vendidos nos Estados Unidos. Ele assumiu os riscos para criar o mercado de massa de veículos elétricos, mas, considerando-se que há mais de 400 mil pedidos pendentes de veículos da marca, os concorrentes estão se apressando para conquistar sua participação nesse mercado. A Mercedes, que já foi parceira da Tesla, lançou sua linha EQ, totalmente elétrica. A Audi está lançando seu E-tron, e até mesmo a Jaguar tem o I-Pace. A Volkswagen está planejando um grande impulso em veículos elétricos com um modelo básico de US$ 23 mil. O que acontecerá com a demanda desses veículos quando os subsídios federais de US$ 7,5 mil por carro elétrico caírem a zero até 2020? Recentemente, a General Motors anunciou que encerraria sua linha Volt, em vez de tentar concorrer.
Será que Musk ainda tem a capacidade de continuar a impulsionar a trajetória de alto crescimento da Tesla em direção ao Model Y, ao EV semi, ao Roadster 2.0 e assim por diante? É difícil dizer, já que nosso herói pode se distrair. Musk, de 47 anos, disse ao “Axios” que há 70% de chance de ele ir a Marte – em caráter permanente. “Vai ser difícil. Há uma boa probabilidade de morte”, disse ele. Mas isso não é motivo para não tentar. “Morre gente no Everest o tempo todo.”