A carreira de Alex Guiva não corresponde à de um empresário típico do ramo musical. Nascido na Ucrânia, ele se mudou para o Arkansas em 1997 para frequentar o Lyon College e depois conseguiu um emprego em finanças corporativas em uma boutique de investimentos de Dallas. No ano passado, ele se deparou com um site chamado Royalty Exchange (“Bolsa de Royalties” em português) e investiu um montante de cinco dígitos em um catálogo de músicas tocadas no seriado cômico “Família Moderna” e em comerciais da Barbie.
Quando esse primeiro catálogo gerou um retorno de 15% no ano, Guiva decidiu expandir seu portfólio e saiu em busca de outra propriedade intelectual na plataforma. No fim, ele encontrou uma nova canção com potencial de rentabilidade de dois dígitos e ganhou uma fatia no leilão por US$ 110 mil, apesar de não estar familiarizado com a música em si, “Bodak Yellow”, nem com a cantora, uma estrela do hip-hop em ascensão, originária do Bronx.
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“Para ser sincero, antes de ver isso, eu nunca tinha ouvido falar da Cardi B”, diz Guiva, que agora destina cerca de 10% de seu portfólio geral a royalties de músicas. “Mas eu senti que [a canção] tinha um público suficiente. Os comentários no YouTube e tudo mais – senti que ela vai continuar sendo popular.”
“Bodak Yellow” agora está certificada como 7 vezes platina, e o valor mundial total dos direitos autorais de músicas saltou para US$ 28 bilhões, segundo o economista-chefe do Spotify, Will Page. Juntamente com concorrentes como a SongVest, a Royalty Exchange vem proporcionando, aos aficionados do entretenimento com inclinação para investir por conta própria, uma maneira de explorar esse mercado em pequenos pedaços. Entre as vendas recentes: US$ 113,4 mil por uma peça de catálogo com Jay-Z, Beyoncé e Justin Timberlake que rendeu US$ 25 mil, ou 22%, ao longo do ano passado; do lado mais barato, US$ 22,3 mil por uma coleção de pop coreano que arrecadou US$ 5,9 mil, um impressionante retorno de 26%, em seu primeiro ano.
Números
Os serviços de streaming reacenderam a indústria fonográfica, e hoje os investidores podem comprar pequenas fatias de suas canções e shows preferidos. No entanto, os compradores devem ter cautela: esses retornos impressionantes podem desaparecer rapidamente.
FONTES: ROYALTY EXCHANGE; ESTIMATIVAS DA FORBES.
OBSERVAÇÃO: “MÚLTIPLO” REPRESENTA A RELAÇÃO ENTRE O PREÇO DE COMPRA E O RENDIMENTO DO ROYALTY NOS ÚLTIMOS 12 MESES (OU O RENDIMENTO ANUALIZADO, NO CASO DE DIREITOS COM MENOS DE UM ANO).
Os níveis de preço estão bem longe dos do passado, quando os catálogos geralmente mudavam de dono apenas por dezenas ou mesmo centenas de milhões de dólares e raramente eram divididos canção a canção, quanto mais em uma porcentagem de uma única faixa. Diferentemente das startups, essa classe de ativos – que também inclui residuais de filmes, royalties de publicações de livros e lucros de patentes – não envolve a necessidade de o investidor ser credenciado. Ela também oferece incentivos fiscais significativos para os compradores, que podem abater o preço de compra por um período de anos.
Parte do fascínio é a simplicidade das plataformas baseadas na web. Os usuários da Royalty Exchange fazem login em uma conta gratuita e, após uma verificação por telefone para os ofertantes iniciantes, podem comprar de três maneiras. Existe o formato de leilão, que Guiva usou para adquirir sua fatia de “Bodak Yellow”; existem consórcios privados, que oferecem a oportunidade de investir em um lote diversificado de catálogos; e há uma carteira de pedidos, lançada recentemente pela empresa, na qual os investidores podem especificar as características quantitativas que buscam e uma série de catálogos na qual distribuir o capital.
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A Royalty Exchange recebe um bom quinhão do vendedor, cerca de 15% em uma venda típica, mais uma taxa única de US$ 500 no final de cada leilão para cobrir a futura administração dos royalties. No caso dos consórcios, a empresa recebe um carry não muito diferente do de um fundo de hedge, mas sem taxas adicionais. É um negócio lucrativo: a Royalty Exchange processou US$ 60 milhões em transações desde 2016, dos quais US$ 7,6 milhões no primeiro trimestre de 2019, graças aos leilões.
“A grande maioria do capital do mundo é dedicada à geração de renda”, diz o CEO da empresa, Matt Smith, de 44 anos. “Existem fundos de private equity, escritórios de administração de patrimônio familiar e fundos soberanos que estão todos ansiosos por participar dos royalties de música. Isso porque, do jeito que os mercados se encontram no momento, está muito difícil ter rentabilidade.”
Smith atentou para a Royalty Exchange da mesma maneira que Guiva, atraído mais pelo potencial de renda do que por uma banda ou canção específica. O empreendedor em série se deparou com o serviço há muitos anos, ao procurar uma maneira de investir em direitos autorais de música. Fundada em 2011, a empresa da Carolina do Norte estava passando por dificuldades na época, e Smith decidiu não comprar nenhum catálogo – mas acabou comprando os ativos da empresa por um valor não revelado.
Smith tinha sido CEO da Stansberry Research, uma editora de boletins de investimento comercializados de forma agressiva, entre os quais Aposentadoria Milionária, Capitalista da Cannabis e Superciclos das Commodities. Ele sabia que, desde a redução das taxas de juros pelo Fed, os investidores de varejo estavam clamando por quaisquer ativos capazes de gerar renda alta. A venda de fluxos de royalties de música popular, programas de televisão e filmes representava uma oportunidade de ouro. Assim, Smith reinicializou a empresa em 2016, levantando US$ 6,4 milhões e mudando a sede dela para Denver. A Royalty Exchange fez mais negócios nos nove meses depois que Smith assumiu o controle, diz ele, do que nos três anos anteriores, e logo estava acrescentando centenas de novos clientes por mês.
Parte do sucesso da Royalty Exchange remonta às mudanças feitas por Smith – especialmente ao adicionar a opção de vender direitos por um período determinado, e não por toda a sua duração, o que abriu a porta para criadores relutantes em se desfazer de sua propriedade intelectual para sempre. Porém, outra parte do sucesso tem a ver com a direção que esse ramo tomou. Impulsionadas pela adoção em massa do streaming, as músicas gravadas tiveram três anos seguidos de crescimento de dois dígitos, atingindo US$ 9,8 bilhões no ano passado (embora as vendas ainda estejam substancialmente abaixo do pico anterior ao Napster, de US$ 14,6 bilhões). E o consumo é imune aos ciclos econômicos.
“Os royalties de música geram dinheiro, ano após ano, de uma maneira que não parece depender dos mercados acionários, da inflação ou das taxas de juros”, diz Caroline Bienstock, presidente da editora de música Carlin America. “Quando um ativo chega a seu nível básico de ganhos, ele não tende a se desviar muito.”
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As ambições de Smith, entretanto, cresceram junto com o mercado em geral. Então, quando representantes dos Bass Brothers, produtores musicais vencedores do Grammy e responsáveis por hits como “Lose Yourself”, de Eminem, abordaram a Royalty Exchange em 2017 com a ideia de desenvolver uma maneira de securitizar uma fatia do catálogo do rapper, Smith ficou muito interessado. Na esperança de levantar até US$ 50 milhões em uma oferta pública, ele criou uma subsidiária chamada Royalty Flow para tirar proveito de um dispositivo da Lei JOBS de 2012 que facilitava pequenos IPOs.
Contudo, antes que Smith pudesse colocar seu novo empreendimento em ação, três outras pequenas empresas com ofertas da Lei JOBS fracassaram em suas estreias no mercado de balcão. Outra empresa, a Longfin, que pretendia incorporar criptomoedas a seu sistema de subscrição, desmoronou em meio a acusações, por parte da Comissão de Valores Mobiliários e Câmbio, de utilizar informações privilegiadas em benefício próprio. Dois dias antes da data marcada para a abertura de capital da Royal Exchange, em abril de 2018, a Nasdaq adiou o lançamento para dar uma olhada mais atenta. Smith pediu uma resolução rápida, mas isso foi recusado.
“Há males que vêm para o bem, e digo isso porque o negócio mais interessante sempre foi a bolsa”, diz Smith, que posteriormente abandonou o IPO para dobrar a aposta em conectar artistas e investidores que negociam catálogos menores. “Resolver o problema de tentar eliminar o atrito de mercado para possibilitar que esses participantes dispostos interajam, transacionem e criem um caminho transparente e justo – isso é muito mais estimulante.”
Para intérpretes, compositores, produtores, cantores de apoio e coautores, que normalmente recebem uma porcentagem de royalties, usar a Royalty Exchange é muito fácil. Basta se inscreverem com as credenciais que já possuem nas organizações de direitos autorais, e receberão uma avaliação instantânea de seus catálogos. Depois, eles podem colocar uma parte em leilão, seja por um período determinado, seja por toda a duração dos direitos autorais.
Vender os direitos sobre canções ou apresentações nem sempre foi uma boa decisão para os criadores. O ramo é repleto de histórias de vigaristas que obtiveram os direitos dos artistas em troca de um Cadillac ou mesmo de uma garrafa de vinho. Há anos, alguns superastros, de Jay-Z a John Oates, vêm ressaltando a importância de serem donos de seus direitos.
Todavia, mesmo com suas taxas, a Royalty Exchange oferece uma liquidez útil para os artistas. Também há incentivos fiscais: a venda de um catálogo geralmente é tratada como um ganho de capital, enquanto os royalties são tributados pelas alíquotas de imposto de renda comuns, mais altas.
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Os investidores que estão em busca de rentabilidade enfrentam diferentes desafios. Eles têm de lidar com a imprevisibilidade dos gostos na música popular. Em geral, os fluxos de renda dos catálogos que contêm canções mais recentes diminuem rapidamente, à medida que os hits vão saindo das listas de reprodução populares.
No caso dos royalties de “Bodak Yellow” pertencentes à Guiva, a renda estava em US$ 12 mil por trimestre antes do leilão, segundo estimativas, mas atualmente está em cerca de US$ 14 mil por ano. “Agora, eu incluo no cálculo um certo nível de perda”, explica Guiva, que recentemente desembolsou US$ 57 mil por uma fatia dos royalties de outro catálogo de Cardi B.
Os potenciais investidores devem ter cuidado com os rendimentos incríveis anunciados em leilões de programas de TV ou canções que estão no topo das paradas. Por outro lado, os royalties maduros de obras como o filme “Trocando as Bolas”, de 1983, ou das músicas de “Vila Sésamo” provavelmente gerarão fluxos mais constantes e confiáveis.
E, apesar de a nova classe de ativos ter a reputação de ser uma proteção contra as oscilações de um ciclo econômico, o show business talvez seja um setor mais propenso aos chamados eventos “cisne negro”. Basta perguntar a Milli Vanilli, Bill Cosby ou R. Kelly.
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