Na equipe de 173 integrantes da sonda de perfuração Norbe IX da Ocyan, uma prestadora de serviços da Petrobras, 12 mulheres se destacam por terem conseguido superar o estereótipo masculino do setor de petróleo e gás. Elas representam apenas 6% do time, mas esse número se agiganta quando descobrimos que são as únicas em posições de liderança em todas as unidades de perfuração que a gigante brasileira mantém em alto mar.
Clarisse Rodrigues e Carla Malafaia ocupam os cargos de gerente de plataforma e comandante, respectivamente. Suas altas posições refletem tanto suas histórias de vida quanto a evolução da empresa na qual trabalham. Competência e dedicação caminharam lado a lado com a atenção da companhia pela diversidade. Esse interesse resultou no projeto Diversidade & Inclusão, que vem sendo desenvolvido desde 2016 e busca informar sobre igualdade de gênero e expandir as oportunidade femininas na área.
Mas antes das ideias migrarem do papel para consolidação do projeto, Clarisse e Carla já escreviam suas trajetórias e conquistavam seus espaços. A gerente de plataforma está na empresa há mais tempo: são 12 anos de uma relação que começou por mera curiosidade, quando ela precisava decidir o tema do mestrado.
Formada em engenharia civil e com atuação em construtoras, Clarisse descobriu na área de petróleo uma oportunidade de estudo e uma ótima pauta para o mestrado. Sua descoberta, na verdade, resultou em muito mais do que isso. Ela se encantou pelo assunto e partiu para sua segunda formação: engenharia do petróleo. Completamente imersa no setor, conseguiu uma vaga como trainee no programa Jovem Parceiro, da Ocyan, e voou para Coreia do Sul para a construção do estaleiro da Daewoo.
Clarisse passou três anos baseada em terras coreanas, mas viajando o mundo todo em busca de equipamentos para a construção da plataforma. Seu trabalho era testar as peças e aprová-las para o encaminhamento à base. Esses anos de experiência foram essenciais para seu futuro. Na volta ao Brasil, logo foi promovida como assistente de gerente e, há sete anos, ocupa a posição de gerente de plataforma.
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Ela fala sobre seu trabalho, basicamente o gerenciamento da sonda da base, em Macaé. “Eu embarco todo mês por uns três dias para fazer palestras e observar tudo pessoalmente, mas faço videoconferências todos os dias”. A partir de reuniões virtuais e físicas, ela dá as ordens e monitora o funcionamento geral.
Por estar com base em terra, Clarisse necessita de representantes no mar – justamente a posição de Carla Malafaia. A comandante foi oficializada há três meses, após um tempo equivalente de experiência e testes. Ela divide a posição com outro comandante, já que os funcionários que ficam na sonda fazem uma escala 14X14: 14 dias em terra e 14 no mar.
“A promovi devido à sua capacidade”, diz Clarisse. A experiência da comandante realmente não é pequena. Carla cursava química, mas no quarto período do curso teve seu caminho transformado por um anúncio. “Eu sempre lia o jornal com o meu pai. Um dia ele disse: ‘Olha aqui, está abrindo concurso para mulheres na Marinha. Você não falou que queria fazer algo relacionado ao mar?’. E eu queria mesmo, sempre tive uma forte ligação com o mar”, lembra.
Carla seguiu seu coração, prestou o concurso e trancou a faculdade para se entregar à escola da Marinha Mercante, optando pela carreira náutica. Era uma formação militar e, nos quatro anos em que se entregou aos estudos, aprendeu a ficar longe da família e a enxergar o mar como uma segunda casa. Nos embarques vocacionais e períodos de instrução marítima, chegou a ficar seis meses com o balançar das ondas sob os pés.
Tudo isso forneceu as bases para que a comandante fosse contratada pela Ocyan, em 1999. “Como entramos muito novos nessa área e passamos por diversos testes e experiência, acabamos sendo preparados para o que vem a seguir.” Carla também trabalhou na Coreia do Sul, na construção do estaleiro da Daewoo, época em que chegava a ficar 42 dias em alto mar. Na volta ao Brasil, foi trabalhar imediatamente na sonda, mas em um cargo muito mais operacional do que o de comandante. Ela explica que “a comandante acaba liderando o navio todo, o que faz da posição algo muito mais de gestão”.
EVOLUÇÃO CULTURAL
O trabalho é complexo e ter o apoio da empresa e dos colegas é essencial. Carla conta que essa questão também mudou e evoluiu com o tempo. “Quando eu entrei, era uma época de incertezas. Não sabíamos como ia ser a aceitação, o trabalho… No começo, fomos muito testadas.” A atual comandante experimentou a sensação de, por um tempo, ser a única mulher do navio – e todos a sua volta queriam saber se ela realmente daria conta da função.
Clarisse revela que consegue notar essa mudança de percepção no dia a dia e que isso é resultado da disseminação de informação e das iniciativas femininas para conquistar diversas áreas, inclusive aquelas que são estereotipadas como masculinas. “As mulheres estão entrando forte na área de engenharia. Estão se interessando e sendo valorizadas”, diz. Como exemplo, revela que entre suas 12 funcionárias há mecânicas, coordenadoras de segurança, marinheiras e analistas de máquinas, funções historicamente masculinizadas e feitas com primor por essas mulheres.
A gerente destaca a importância desse avanço para o próprio funcionamento da companhia. “Estamos com o melhor resultado de todos os tempos em segurança, capacidade e economia. É a melhor sonda na lista da Petrobras. Quanto mais você faz uma gestão participativa, mais você incrementa o funcionamento da empresa.” Segundo ela, o trabalho em equipe faz com que a parte masculina do time receba bem o projeto, se interesse por possibilidades de melhoria, tente descobrir maneiras de fazer a diferença e repense suas atitudes. “É uma cultura e os programas ajudam muito. Comunicação é a base”, revela Clarisse.
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Com sucesso e representatividade, Clarisse e Carla protagonizam uma igualdade de gênero necessária e mostram que a capacidade e a dedicação sempre devem ser base de tudo. É um trabalho árduo e a gerente de plataforma conta que sua maior dificuldade é estar sempre atenta para que tudo funcione sem erros e acidentes. “Prezamos a segurança a bordo, ninguém pode se machucar. Por mais que sejamos de exatas, nosso maior foco é nas pessoas.” Tal percepção parte do fato de que o setor petrolífero é muito sensível. É uma indústria que precisa operar 24 horas por dia. “Se um equipamento parar por uma hora, nós não recebemos esse tempo de pausa. Precisamos de atenção constante, manutenção em dia”, diz, explicando que há uma engrenagem gigantesca por trás de toda essa operação. “É um outro mundo.”
“Outro mundo” também é uma ótima descrição para os funcionários que trabalham no mar. Longe da família, eles agradecem ao avanço da tecnologia, que tornou possível chamadas de vídeo, mensagens e internet à vontade. “Quando eu comecei, não tínhamos nem internet. Existiam as estações costeiras, onde era possível fazer chamadas pelo rádio… Só que todo mundo que estivesse naquela frequência ouvia o que você falava. Não tinha privacidade”, relembra Carla, que hoje tem contato diário com seus familiares.
Trata-se de um setor em evolução – seja em tecnologia, diversidade ou recursos humanos – e todas essas recentes mudanças têm afetado as pessoas que exploram a área para viver. Carla revela que sempre teve um objetivo, mas nunca o enxergou com imediatismo. “Quando você entra em uma carreira, espera ascender um dia. Mas eu nunca tive pressa para isso”, conta. Em meio a tantas provações, experiências e estudos, Carla e Clarisse quebraram barreiras com tempo e competência. E cresceram como inspiração para pessoas dentro e fora da sonda de perfuração que comandam.
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