O dedo humano é incrivelmente sensível, com uma matriz densa de receptores na ponta que nos permite sentir partículas tão pequenas quanto os nanômetros. Quando Kimo Johnson visitou empresas aeroespaciais que produzem peças de metal, ele percebeu que muitas delas estavam confiando em trabalhadores experientes para realizar um “teste de unha” e julgar rapidamente se um defeito na superfície era apenas um pequeno arranhão ou profundo o suficiente para comprometê-la.
A Gelsight, startup de Johnson baseada em Boston, fornece uma alternativa mais precisa, mas igualmente rápida: uma sonda de mão. A ponta contém uma almofada de gel transparente que, assim como nossos dedos, pode se ajustar ao redor do objeto. Usando técnicas de visão computacional, o sistema “transforma o toque em uma imagem”, diz o cofundador, permitindo mapear as características da superfície em 3D e medi-las até o nível de um dígito de mícron.
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A ideia está começando a ganhar força: várias empresas aeroespaciais estão adotando a ferramenta, diz Johnson, incluindo a fabricante de motores de avião Rolls-Royce.
Recentemente, a Gelsight levantou US$ 10 milhões em uma rodada da série B, que elevou seu financiamento total para US$ 11,8 milhões. A expectativa é que a receita da empresa supere os US$ 4 milhões este ano com vendas de mais de 100 sistemas e 2.500 cartuchos de gel.
Enquanto Johnson, de 42 anos, espera que o setor aeroespacial represente uma aplicação inovadora para a Gelsight, nos nove anos desde que ele cofundou a empresa com base em seu trabalho de pós-doutorado no MIT, versões de bancada de sua tecnologia foram usadas para uma grande variedade de tarefas, inclusive por pesquisadores de Harvard, para mapear escamas de peixe, e por desenvolvedores de cosméticos, para medir a qualidade de preenchimento de um produto nas rugas.
A Rolls-Royce, por exemplo, está distribuindo o dispositivo portátil para atender representantes de vendas em suas lojas de manutenção, de maneira que eles possam avaliar os danos das peças do motor. Até agora, para obter uma medição precisa de arranhões e amassados em locais de difícil acesso, a montadora – e outras empresas – usavam um método semelhante ao processo de dentistas quando fazem moldes de dentes: pressão de um material úmido contra o local, que endurece e cria um “negativo” do defeito. Isso pode levar até 24 horas para obter um resultado.
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“Não encontramos outro produto com a capacidade da solução da Gelsight”, diz Alistair Donaldson, executivo da Rolls-Royce focado em inovação que ajudou a startup a aprimorar sua tecnologia para uso prático. “Eu poderia colocá-la nas mãos de uma criança e ainda assim poderíamos obter uma medição precisa.”
O dispositivo é baseado no trabalho do professor do MIT Edward Adelson, especialista em visão computacional, que ficou fascinado com o funcionamento do poder e sensibilidade do toque ao criar seus filhos. Depois de saber por seus colegas que ninguém ainda havia desenvolvido um sensor tátil artificial com capacidade próxima da pele humana, Adelson decidiu fazê-lo, aproveitando sua experiência da tecnologia.
“O conceito era como se você tivesse uma câmera dentro da sua pele e pudesse ver quando algo está incomodando”, diz Johnson, que ingressou no laboratório de Adelson como pós-doutorando em 2008 depois de seu doutorado em ciência da computação em Dartmouth.
Adelson desenvolveu uma almofada transparente feita de um elastômero termoplástico de borracha, revestido em uma face com tinta metálica. Quando um objeto é pressionado no lado pintado, ele assume a forma do objeto e apresenta uma superfície na qual uma câmera pode capturar facilmente uma imagem fiel por meio do gel, sem distorções pela variações de elementos refletivos ou transparentes do produto. Johnson construiu o hardware e escreveu algoritmos para mapear com precisão as superfícies usando técnicas de processamento de imagem e aprendizado de máquina.
Juntamente com um artigo de 2011 descrevendo o sistema, Johnson publicou vídeos no YouTube que chamaram a atenção, mostrando representações da geometria complexa de um biscoito Oreo e a estrutura em relevo de uma letra impressa em uma nota de US$ 20. O cofundador diz que essa divulgação levou a equipe a receber milhares de mensagens de empresas e engenheiros perguntando se a técnica poderia ser usado para medir tudo, desde características da pele humana até a qualidade dos abrasivos, e uma visita de dois engenheiros da Boeing com uma mala cheia de peças para teste.
“Foi isso que me levou a abrir esta empresa”, diz Johnson. Ele lançou a Gelsight em 2011 com o CTO Janos Rohaly, ex-palestrante do MIT que cofundou uma startup de imagens 3D odontológicas – adquirida pela 3M -, e o ex-CEO Bill Yost. Johnson é CEO desde 2016. A equipe criou uma série de máquinas de bancada únicas para departamentos corporativos de P&D, com pastilhas de gel otimizadas para aplicações específicas – como um fabricante de pasta de dentes que esmagava pedaços do produto para avaliar sua mistura de abrasivos. Mas Johnson diz que percebeu que essa abordagem era um beco sem saída: em geral, cada empresa queria apenas um dispositivo que não era amplamente vendável.
Um fabricante de celulares na China ofereceu uma oportunidade maior na produção em massa, ao solicitar à Gelsight, em 2015, a criação de um sistema que pudesse verificar se componentes como botões de metal tinham o tamanho certo. Isso levou Johnson a uma epifania.
“Estávamos fazendo belos mapas 3D de superfícies, mas o que o cliente geralmente quer é apenas um número: qual é a profundidade desse recurso, qual é o ângulo do chanfro”, diz ele.
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Eles começaram a procurar outros setores onde uma única medição era necessária, dia após dia. Isso os levou ao setor aeroespacial, particularmente aos arranhões e amassados em peças de metal de alto valor.
Com o resultado das vendas para a fabricante chinesa de celulares e as lições aprendidas sobre o que era necessário para tornar um sistema robusto e simples o suficiente para ser usado por trabalhadores comuns, foi criada a versão portátil do dispositivo, com o lançamento em 2017.
“Agora, em vez de um único cliente, temos todo o mercado aeroespacial, e isso nos dá uma capacidade muito maior de expandir a empresa”, diz Johnson.
Donaldson, da Rolls-Royce, diz que pôde aplicar centenas de sistemas portáteis de US$ 40.000 da Gelsight em diversas áreas sua empresa. A startup também ganha dinheiro com as vendas de cartuchos de gel de reposição, que se desgastam após aproximadamente uma semana de uso em tempo integral e custam US$ 120 cada.
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Juntamente com a rodada de captação de recursos de US$ 10 milhões, liderada pela empresa de capital de risco Anzu Partners, a Gelsight adicionou dois ex-oficiais de aviação militar de alto escalão ao seu conselho para ajudá-la a quebrar o mercado de defesa, onde a pressão é intensa por inspeções rápidas de aeronaves. “Se uma pedra atinge a lâmina de um helicóptero, você precisa saber se ele ainda pode voar”, diz Johnson.
Com o novo financiamento, Johnson pretende dobrar o número atual de funcionários (oito) e construir uma versão menor do bastão para entrar em espaços mais apertados. O desafio é diminuir a peça ao tamanho semelhante de um dedo humano. “As pessoas usam muito o dedo na fabricação para sentir diferentes superfícies. Se elas pudessem ter uma ferramenta digital com um formato semelhante, seria o ideal”, diz ele.
A empresa também está adaptando a tecnologia para criar mãos robóticas capazes de avaliar a rigidez das peças, o que as torna mais capaz de lidar com objetos delicados e pequenos.
Existem muitas outras tecnologias que podem realizar inspeção em estações fixas, mas a Gelsight enfrenta pouca concorrência de alternativas portáteis, além da 4D Technologies, baseada no Arizona, que produz um dispositivo móvel a laser.
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Tem sido uma jornada difícil para Johnson. Saxofonista e guitarrista, ele se formou em música e matemática na Universidade de New Hampshire e pensou em tentar a carreira na música até desenvolver interesse pela ciência da computação, enquanto estudava para um mestrado em música eletroacústica em Dartmouth. Deixar a academia para fundar uma empresa é outro passo não planejado, mas ele diz que a vida na empresa lembra a experiência de uma banda de rock.
“Você tem um pequeno grupo de pessoas, está tentando conquistar um espaço e as probabilidades estão contra você”, diz. Felizmente, a Gelsight evitou esse drama interpessoal no estilo de uma banda de rock. “Temos uma ótima equipe.”
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