O homem que simboliza a nova e mais quente área de crescimento em tecnologia e as florescentes esperanças do empreendedorismo no Leste Europeu gira um pincel atômico entre os dedos enquanto luta contra o desejo rotineiro de não berrar com seus funcionários. Em vez disso, Daniel Dines, cofundador e CEO da UiPath, só faz uma careta para o quadro digital, tendo pela frente um lançamento de produto em outubro. Há um recurso que está gerando preocupações com a segurança; outro não foi projetado corretamente para dispositivos móveis.
Por fim, Dines, um veterano da Microsoft nostálgico da simplicidade do botão Iniciar no canto inferior esquerdo do Windows, não consegue mais se conter. Olhando para o centro de Bucareste, na Romênia, onde fundou a UiPath, Dines confronta um executivo de produtos em Bellevue, Washington, onde são 6h30 da manhã. “Quero que você repense isso”, diz Dines. “Está me parecendo muito complicado. Deveria funcionar como o Gmail funciona.”
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A interface é de importância crucial para Dines, porque seu produto final é algo invisível ao olho humano. A UiPath cria bots – blocos de código que executam automaticamente tarefas repetitivas. Talvez você associe os bots a estratagemas eleitorais russos ou a substitutos de atendimento ao cliente, mas a UiPath obteve recentemente uma avaliação de US$ 7 bilhões ao vender um tipo mais trivial, capaz de extrair números de PDFs de faturas para inserir em softwares contábeis ou de processar pedidos de indenização de sinistros – aquelas tarefas maquinais que, como as dos caixas bancários ou dos telefonistas de outrora, pedem para ser extintas.
Essa mudança – que deu origem a uma categoria tecnológica totalmente nova, denominada “automação robótica de processos” ou RPA, na sigla em inglês – tem um potencial impressionante. Pelas projeções do grupo bancário japonês Sumitomo Mitsui, cliente da UiPath desde abril de 2017, a redução do trabalho inútil dos funcionários e o aumento da precisão terão gerado uma economia de quase US$ 500 milhões para o grupo até o ano que vem. Gigantes como Toyota e Walmart vêm acorrendo à UiPath em busca de mágicas semelhantes. Implantar robôs virtuais é mais rápido e mais barato do que designar engenheiros para criar um aplicativo interno e poupa aos trabalhadores a alternativa de baixa tecnologia: longas horas criando macros no Excel e preenchendo planilhas. Um bot da UiPath executa a tarefa interminavelmente, sem reclamar, por um valor anual de até US$ 15 mil. Algumas empresas usam milhares deles ao mesmo tempo.
Dines, de 47 anos, não inventou a RPA, mas posicionou-se habilmente para predominar nessa área. Dois anos atrás, quando os investidores europeus a avaliaram em US$ 110 milhões, a UiPath era uma empresa pouco conhecida, com 150 funcionários e sede na Romênia, que tinha acabado de registrar um faturamento de menos de US$ 5 milhões. Hoje, ela está sediada em um reluzente arranha-céu na Park Avenue de Manhattan e emprega 3.200 pessoas em mais de 30 escritórios ao redor do mundo. Ela gerou US$ 155 milhões de faturamento no ano passado e espera dobrar essa cifra este ano. Essa guinada levou-a ao terceiro lugar da lista Cloud 100 da Forbes em 2019. Em abril, investidores de Wall Street, entre os quais a Wellington Management, investiram US$ 568 milhões, a uma avaliação de US$ 7 bilhões, tornando Dines, que é dono de mais de 20%, o primeiro bilionário dos bots em nível mundial.
Foi a programação que catapultou Dines para fora da Romênia. Filho de uma professora e de um engenheiro civil que se conheceram quando foram transferidos pelo governo do ditador Nicolae Ceausescu para uma nova cidade industrial de produtos químicos, Dines cresceu atrás da Cortina de Ferro querendo ser escritor, para depois descobrir que era bem melhor em matemática. Ele entrou na faculdade em 1990, um ano após a queda do Muro de Berlim e o fim do regime de Ceausescu perante um pelotão de fuzilamento. Entediado com as aulas impessoais, Dines cabulava quase todas, menos algumas de matemática e ciência da computação, para jogar bridge competitivo. Ele se sustentava fazendo arbitragem da moeda inflacionária da Romênia no pós-comunismo, comprando mercadorias quando estavam mais baratas em Bucareste e mandando-as para sua cidade a um preço maior.
Quando tocava um negócio de vagas de empregos em meados dos anos 1990, Dines ouviu dizer que os programadores de Bucareste que trabalhavam em projetos terceirizados para empresas de tecnologia norte-americanas estavam ganhando o valor relativamente alto de US$ 300 por mês. Pegou um livro sobre a linguagem de computação C++ na biblioteca e aprendeu por conta própria, usando o computador de um amigo enquanto este dormia. Em 2001, recebeu uma oferta da Microsoft e mudou-se para Seattle, onde trabalhou como programador por quase cinco anos. “Meus primeiros anos foram horríveis”, diz Dines. “Nas reuniões, eu entendia de 50% a 60% do que eles falavam e não conseguia falar nada.” Somente muito mais tarde ele descobriu que algumas palavras – como “pasta” – não eram apenas nomes dos ícones do Windows.
Em 2005, ele voltou a Bucareste para abrir uma empresa de terceirização em tecnologia, a DeskOver. Acompanhando as tendências, Dines havia trocado o bridge pelo pôquer, do qual surgiu seu estilo de gestão. “Ele assumia muitos riscos e, assim, perdia na maioria das vezes, mas gostava de tirar um aprendizado daquilo”, diz Marius Tîrca, que se tornou o braço direito de Dines. “Às vezes, ele jogava com as cartas expostas e perguntava a todos como jogariam com sua mão.”
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Essas lições foram postas à prova em 2011, quando ele perdeu seu maior cliente de terceirização. Em vez de fechar sua empresa, ele parou de fumar um cigarro atrás do outro, promoveu Tîrca a cofundador e, depois, a diretor de tecnologia – e eles se concentraram na atividade paralela da empresa, a venda de kits de desenvolvimento de software, ou SDKs, que ajudavam os engenheiros a programar aplicativos mais rapidamente. Aquilo se mostrou um quebra-galho. A mudança radical ocorreu quando uma cliente indiana mostrou a Dines como estava usando essas ferramentas como base para treinar softwares para imitar tarefas básicas, como entrada de dados, sem a necessidade de um engenheiro.
A UiPath enviou funcionários para visitar essa empresa indiana e, depois, segundo ela, tirou o contrato das mãos da Blue Prism, que havia acabado de cunhar o termo “RPA” depois de automatizar funções administrativas para bancos. “Eles deixaram claro que esse era o melhor uso da nossa tecnologia”, diz Dines. “Nosso software era totalmente útil no mundo da RPA.”
Foi aí que Dines entrou no negócio de robôs virtuais, concentrando-se em softwares que rodavam de forma autônoma, sem exigir a escrita de novo código. Em 2014, a empresa obteve um faturamento de US$ 500 mil – nada mau na Romênia –, e Dines, inspirado nos quadros de mensagens do site Hacker News, passou a ter como alvos clientes de maior porte e maior escala no estilo do Vale do Silício. Ele mudou o modelo de negócios para assinaturas de software como serviço, levantou US$ 1,6 milhão com os fundos europeus Earlybird, Credo Ventures e Seedcamp e rebatizou a empresa às pressas, dando a ela o nome de UiPath com base em um termo técnico do código da startup.
Em vez de concorrer com as grandes firmas de auditoria e consultoria, a UiPath virou parceira delas. Empresas como Cognizant e Ernst & Young já tinham contratos com multinacionais para aumentar a eficiência de processos como compras. Sendo elas mesmas clientes da UiPath, poderiam economizar dinheiro por cliente ao automatizarem parte desse trabalho. Mais lucrativo: Dines incentivaria os consultores a apresentar a UiPath a seus clientes, permitindo que eles ficassem com até 80% dos gastos gerais relacionados aos bots em troca da instalação e manutenção do programa. De repente, algumas das maiores empresas do mundo estavam atuando como força de vendas da pequena UiPath. Inclusive passaram-se dois anos até Dines conhecer pessoalmente qualquer um de seus clientes (a suíça Re fez questão de que Dines viajasse a Zurique por um contrato de US$ 100 mil).
Quando a rival Blue Prism abriu o capital, em 2016 (valor de mercado atual: US$ 750 milhões), Dines estava determinado a tornar a UiPath global. Ele já havia conquistado clientes nos EUA – como um contrato de US$ 300 mil com a General Electric – por telefone. Mas Dines sabia que, para negócios maiores, ele precisaria de tropas na linha de frente – primeiramente, em 2016, com um escritório em Bangalore, um polo de terceirização, e depois Londres e Nova York. Em meados de fevereiro do ano seguinte, Dines havia assinado a carta de intenções de US$ 30 milhões em investimentos da Accel, a uma avaliação de US$ 110 milhões, enquanto os executivos esperavam no aeroporto para irem abrir o escritório de Tóquio. Antes de voar, Dines soltou uma frase de despedida para os investidores da Accel em Londres. “O Daniel olha para nós e diz: ‘Vou fazer vocês ganharem muito dinheiro!’”, conta Luciana Lixandru, sócia da Accel.
Mudança para Nova York
Com o financiamento garantido e as aspirações multiplicadas, Dines mudou sua sede – e sua família – para Nova York dois anos atrás. (Ele ainda passa cerca de um terço de seu tempo trabalhando no escritório de Bucareste, agora um centro de P&D.) Até o fim de 2017, a UiPath tinha um faturamento de pouco mais de US$ 30 milhões e, diferentemente das startups típicas do Vale do Silício, que costumam começar vendendo umas para as outras, a empresa afirma que 60% das maiores empresas dos EUA são suas clientes. O foco global transparece: as vendas da UiPath dividem-se em três partes quase iguais entre América do Norte, Europa e resto do mundo.
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Esse crescimento rápido e diversificado logo atraiu mais investidores de primeira linha. O CapitalG, fundo de investimento em startups da Alphabet, compartilhou a liderança de sua Série B de US$ 153 milhões em março de 2018, que avaliou a UiPath em US$ 1,1 bilhão, e a Accel voltou querendo mais.
Naquele verão, com as vendas chegando a US$ 100 milhões, Dines recebeu a oferta que se tornou um rito de passagem para os fundadores de unicórnios. Representantes do Vision Fund do SoftBank, veículo de investimento de US$ 100 bilhões liderado por Masayoshi Son, conversaram com Dines quando este passava férias na Côte d’Azur, na França. Dines voou para o Japão para se encontrar com Son em pessoa, o qual, segundo Dines, ofereceu um investimento de US$ 1 bilhão – o que implicaria uma diluição e um controle do conselho que o deixariam pouco à vontade. “Eu disse ao Masa que ele era bem-vindo na empresa”, relata Dines. “Mas que ele só poderia investir ‘tanto’ [um valor menor].” A UiPath escolheu o CapitalG e a firma de capital de risco Sequoia para liderarem em conjunto o investimento de US$ 225 milhões que propiciou à primeira a avaliação de US$ 3 bilhões. “O Daniel é um negociador brilhante. É como um crocodilo na água”, diz Mihai Faur, diretor de contabilidade da UiPath, que atuou nas rodadas de financiamento. “Por fora, ele é descontraído. Por dentro, tem um fogo.”
A cultura de ambição do Vale do Silício idolatra os CEOs que se levantam antes do amanhecer para se exercitar ou meditar enquanto o resto de nós aperta o botão soneca. Quase todas as manhãs, Dines acorda e lê por uma hora ou mais, até ficar entediado, depois tira uma soneca rápida. Só então – às 11h da manhã, quando ele está na Romênia (em Nova York um pouco mais cedo, Dines jura) – ele se digna a abrir o WhatsApp e o Slack.
Dines diz que a meta da UiPath é estar pronta para o IPO até o fim de 2020, a fim de abrir o capital em 2021. “Eu não ligo nem um pouco para tocar aquele sino. Zero. Mas você não pode ser muito grande como empresa de capital fechado”, explica ele. “Em algum momento, você precisará abrir o capital.” Antes disso, a UiPath pode arrecadar dinheiro novamente, talvez já no começo do ano que vem. Ao fazer isso, ela alcançaria um preço bem mais alto, supondo que atinja suas metas de faturamento de US$ 300 milhões até o fim deste ano e um valor extrapolado de US$ 1 bilhão para 2020.
“Não é possível prever como a UiPath estará daqui a seis meses porque ninguém fez isso antes”, diz Dines. “É como um livro: muda constantemente.”
CLOUD 100: O RANKING DAS TECNOLOGIAS
O ranking definitivo das principais empresas de capital fechado no setor tecnológico: pelo quarto ano, a Forbes e a
Bessemer Venture Partners classificam as empresas de nuvem que estão liderando a inovação em segurança, em infraestrutura e em nossa maneira de trabalhar.
De startups autossuficientes a gigantes financiadas por firmas de private equity, elas têm em comum vendas altas e em rápido crescimento, avaliações líderes do setor e uma forte cultura, conforme atestado por 40 CEOs de empresas de nuvem de capital aberto que atuaram como juízes. Para conhecer as 50 principais e obter a lista completa, a metodologia, os perfis e muito mais, acesse CLOUD 100: WWW.FORBES.COM/CLOUD100.
1. STRIPE
São Francisco
CEO: Patrick Collison
Funcionários: 2 mil
Financiamento obtido: US$ 785 mi
Processamento de pagamentos
2. SNOWFLAKE
San Mateo, Califórnia
Frank Slootman¹
Funcionários: 1.400
Financiamento obtido: US$ 290 mi
Armazenamento de dados na nuvem
3. UIPATH
Nova York
Daniel Dines
Funcionários: 3.200
Financiamento obtido: US$ 1,1 bi
Automação robótica de processos (RPA)
4. HASHICORP
David McJannet1
Funcionários: 600
Financiamento obtido: US$ 174 mi
Automação de infraestrutura na nuvem
5. DATADOG
Nova York
Olivier Pomel
Funcionários: 1.200
Financiamento obtido: US$ 147,9 mi
Monitoramento e análise de dados
6. PROCORE
Carpinteria, Califórnia
Tooey Courtemanche
Funcionários: 1.800
Financiamento obtido: US$ 250 mi
Gestão de construções
7. TANIUM
Emeryville, Califórnia
Orion Hindawi, Fazal Merchant1
Funcionários: 1.200
Financiamento obtido: US$ 800 mi
Segurança cibernética
de dispositivos de endpoint
A empresa de segurança cibernética Tanium atingiu uma avaliação de US$ 6,5 bilhões ao criar um processo melhor para as grandes empresas lidarem com ameaças a dispositivos como servidores e notebooks.
Ela não é mais uma novata e agora está concorrendo com um bando de iniciantes nesse espaço. Um dos CEOs da Tanium, Orion Hindawi, que há 12 anos fundou a empresa sediada em Emeryville, Califórnia, em conjunto com o pai, David, acha que a liderança deles vai durar. “Há muitas firmas de capital de risco financiando empresas na área de segurança. Pouquíssimas delas têm paciência para esperar seis anos até uma arquitetura ser criada”, diz ele.
8. INVISION
Nova York
Clark Valberg
Funcionários: 800²
Financiamento obtido: US$ 350,2 mi
Softwares de design
9. RUBRIK
Palo Alto, Califórnia
Bipul Sinha
Funcionários: 1.600
Financiamento obtido: US$ 553 mi
Gestão de dados
10. CONFLUENT
Palo Alto, Califórnia
Jay Kreps
Funcionários: 500
Financiamento obtido: US$ 205,9 mi
Plataforma de streaming de dados
1 O CEO não é um fundador
2 Estimativa cortesia da Pitchbook
Reportagem publicada na edição 73, lançada em dezembro de 2019
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