É a partir de Natal, capital do Rio Grande do Norte e destino insólito para os principais controladores do mundo da moda, que Nevaldo Rocha comanda, do alto de seus 84 anos, a maior cadeia integrada de fast-fashion do Brasil, um negócio avaliado em cerca de R$ 7 bilhões e conhecido no mercado internacional como a Zara brasileira. Fundador e presidente da Guararapes Confecções, controladora das lojas Riachuelo, Rocha conseguiu quebrar o paradigma de que a riqueza no Brasil advém exclusivamente da “velha economia”. Ou seja, dos negócios à Rothschild e Rockefeller, a exemplo das indústrias pesadas e do setor financeiro. Durante décadas – para não falar séculos –, o clube do bilhão se restringiu a esse universo quadrado, acinzentado e conservador do minério de ferro, do aço, do petróleo e dos bancos.
Nos últimos anos, com a explosão da produção em escala e a disseminação das redes de fast-fashion, o acesso e o interesse da população mundial pela moda subiram vertiginosamente. Peças outrora supérfluas tornaram-se não só necessárias como também vitais para a sociedade moderna. Foi assim que as portas do clube do bilhão foram escancaradas por aqueles que conseguiram acariciar a vaidade humana a partir de seus moldes com muitas cores, cortes, brilhos e estampas.
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Baseado em Natal (RN) e, claro, muito distante de Paris, Londres, Milão e Nova York, as grandes capitais mundiais da moda, Rocha observava tudo a distância enquanto colocava sua equipe de estilistas para desenhar as peças que a classe média brasileira sonhava em vestir e, assim, traçava o futuro do seu grupo de moda. Graças à estratégia de criar um grupo verticalizado que pesquisa, desenha, produz, distribui, comercializa e financia peças de vestuário e acessórios de moda em quase 200 endereços do país, Rocha alcançou o que parecia inalcançável. Ele não só entrou para a lista das pessoas mais ricas do mundo, da Forbes, e composta por 1.426 indivíduos com uma fortuna somada de US$ 5,4 trilhões, como também passou a figurar como o único bilionário brasileiro da moda em dólares.
Os controladores da Guararapes surgem no 458º lugar da lista e na 18ª posição entre os brasileiros, com uma fortuna de US$ 3 bilhões. O octogenário empresário teve início em 1947, com a abertura da loja A Capital, em Natal, e deu uma guinada em seus negócios em 1979, quando arrematou a rede de lojas de tecidos Riachuelo e a transformou no que ela é hoje. As recordações permanecem assim como os hábitos. Metodicamente às 8h30, o empresário se dirige dia após dia à fábrica do grupo instalada em Extremoz, perto de Natal, e só vai embora ao final da jornada.
O ranking coloca Nevaldo Rocha e família ao lado de cerca de 100 poderosos nomes do universo fashion, como os controladores da Zara, H&M, Gap, Benetton, Forever 21, Diesel Jeans, Mango, Chanel, Dolce & Gabbana, Giorgio Armani, Ralph Lauren, Prada, LVMH, Luxottica, Richemont, Geox, dentre tantos outros que contabilizam individualmente uma riqueza de dez dígitos para cima.
É Nevaldo Rocha quem define pessoalmente os preços dos 300 produtos lançados semanalmente pela Riachuelo. E isso não é tudo. “Toda diretoria da Riachuelo voa mensalmente para Natal, onde temos uma reunião com o meu pai e mostramos todos os acontecimentos que envolvem a empresa. Normalmente tem coisas que ele pede para executarmos de forma diferente do que planejamos. O fato é que ele tem a intuição tão apurada e aguçada que quando tentamos fazer algo que a gente acha que ele não vai concordar, ele fareja a história a 3 mil quilômetros de distância”, confidencia Flávio Rocha, filho de Nevaldo, presidente da Riachuelo, vice-presidente da Guararapes e grande braço direito do homem que transformou sua empreitada em um negócio bilionário.
Embora seu Nevaldo seja a razão da existência do grupo, Flavio é a emoção do negócio. Por ser de uma geração mais nova e também globalizada, ele adiciona fôlego e ousadia aos processos e estratégias da empresa. Tudo, claro, embasado pelo termômetro da economia brasileira e pelos números de pesquisas de mercado. Rocha foi recentemente empossado presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo). Há 30 anos, conta ele, uma indústria gerava mais empregos que 30 varejistas. Hoje, enfatiza, é justamente o contrário. “O Pão de Açúcar é o gigante do varejo”, comenta.
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Em seguida emenda que o varejo ainda está aquém do que a potência futura do Brasil demandará. E é aí que a cabeça do filho acrescenta valores à do pai. “Meu pai acha que já fomos longe demais, mas eu acho que ainda temos muito para crescer. Assim que a Zara anunciou sua 344ª loja em Portugal, eu liguei para ele de lá para mostrar o potencial de mercado”, conta Rocha.
A tese de Rocha faz sentido quando se observa a redução da informalidade no país e também o consequente fortalecimento do varejo atual, seja por meio de crescimento orgânico ou fusão/aquisição. Ele calcula que ninguém tem mais de 1,5% das vendas de vestuário no Brasil, um mercado que comercializa 9,8 bilhões de peças por ano. As maiores redes, estima, vendem no máximo 120 milhões de peças por ano, o que significa que o mercado ainda está muito diluído. “Em alguns anos, alguém terá 10% desse mercado. Poderemos ser nós, a Renner, a C&A ou alguma outra rede, mas o mercado está evoluindo e isso vai acontecer.”
Na trilha de Amancio Ortega, o grande magnata da moda mundial e terceiro homem mais rico do mundo, a Riachuelo transformou-se em uma verdadeira rede de fast-fashion no momento em que fez com que suas fábricas falassem com suas lojas, em uma conversa sem falhas de comunicação e uma estratégia que envolve desde a associação da marca com grandes estilistas brasileiros até a entrega diária de peças atualizadas nas araras das lojas. “Enquanto a GAP tem nas lojas peças desenvolvidas há um ano, a Forever 21 traz um frescor às unidades com roupas desenhadas há 15 dias”, conta Flávio Rocha.
O estilo Forever 21 da Guararapes chamou a atenção de Abilio Diniz tempos atrás. Pouca gente sabe, mas quando Diniz ainda se encontrava à frente do Grupo Pão de Açúcar, ele chegou a propor uma associação à Riachuelo e a respectiva criação da Via Varejo da Moda, seguindo o modelo construído com o Ponto Frio e Casas Bahia. Após conversas, Rocha decidiu seguir pela carreira solo. Como sua empresa segue em rota ascendente, o empresário resolveu não se render a essa e outras propostas de sociedade.
O projeto 70 anos em 4, uma alusão aos “50 anos em 5” do presidente Juscelino Kubitschek, levará a Riachuelo a um salto históricoA Riachuelo está se preparando para dar um grande salto nos próximos anos. É o que internamente os funcionários chamam de “70 anos em 4”, uma alusão ao slogan “50 anos em 5”, usado pelo presidente Juscelino Kubitschek durante a campanha.
Após inaugurar 24 lojas em 2012, fechando o ano com 169 endereços em operação, a meta é abrir 40 unidades neste ano. E as inaugurações não param por aqui. “De 2013 a 2016, nós vamos abrir um total de 160 lojas. Nesses quatro anos nós vamos inaugurar mais lojas do que em toda a história da empresa”, revela.
Só para este ano, o investimento previsto é de R$ 500 milhões, um recorde. Os reais serão distribuídos na abertura de uma nova unidade produtiva em Fortaleza, na troca de equipamentos e em um importante reforço na área de logística. O número é um salto quando se observa o investimento de 2012, que foi de R$ 270 milhões.
A empresa dos Rocha concluiu 2012 com receita líquida de R$ 3,5 bilhões e lucro líquido de R$ 365,6 milhões. Os resultados foram considerados satisfatórios para Nevaldo e Flávio. A diferença, contudo, é que o pai se contentou. O filho, não. Ele acha que a Guararapes Confecções pode voar mais alto. Em 2012, o tíquete médio da Riachuelo aumentou de R$ 128,30 para R$ 136,30. Flavio quer mais. Seu objetivo é conquistar uma parte maior da passarela brasileira.
O MUNDO
segundo Flávio Rocha
Arte
Coleciona de Di Cavalcanti a Frans Krajcberg. A última aquisição, a qual está curtindo muito, é uma obra cinética de Cruz Diez. “De maneira geral, gosto de escultores contemporâneos brasileiros”
Livro
“A Saga Brasileira, de Miriam Leitão, foi uma de minhas últimas leituras e eu recomendo”
Música
Chico Buarque e Caetano Veloso
Roupa
Hermès, Prada, Gucci e Riachuelo
Restaurante
Em São Paulo, sou cliente fiel do Rodeio há décadas. Dos recentes gosto muito do Attimo, do chef Jefferson Rueda, e do Dom, do craque Alex Atala
Com a palavra, Nevaldo Rocha
Avesso a entrevistas e jornalistas, o grande mentor da Guararapes e primeiro brasileiro a gerar uma fortuna acima de dez dígitos com a moda no país respondeu às perguntas de FORBES Brasil:
Em 1947, o senhor criou a loja de roupas A Capital e, em 1979, comprou a Riachuelo e a transformou no maior grupo de moda do país. Olhando para trás, quais foram os seus maiores acertos e equívocos?
No início, ainda muito jovem, quando me dei conta de que estava para começar a minha vida empresarial, o primeiro caminho que segui foi o de me espelhar nos vitoriosos. Essa percepção juntamente com a minha obstinação de ser vencedor tornaram-se traços marcantes da minha trajetória. O maior acerto que considero é o de nunca ter me desviado desse caminho. Foi com base nele que comecei, construí e gerencio o meu negócio até hoje. Destaques como a compra da Riachuelo, o reposicionamento dela, a reestruturação da indústria e a integração da cadeia têxtil foram consequências da minha concentração e foco para atingir meus objetivos. Sempre pautados por princípios éticos e respeito nas relações.
Dizem no mercado financeiro que o senhor é totalmente contrário à venda da Riachuelo, apesar de propostas já terem sido feitas. Essa é a sua posição definitiva?
É verdade! Sou contrário à venda integral ou parcial e essa é minha posição definitiva. Meu pensamento sempre esteve voltado para o crescimento da Riachuelo no sentido de torná-la uma cadeia de lojas de moda, reconhecida e desejada pelos seus clientes, mas nunca para ser negociada.
Qual foi o momento mais difícil na construção e ascensão da empresa desde sua fundação?
Desde que comprei a Riachuelo, sempre pensei e acreditei na ideia de produzir na Guararapes aquilo que seria vendido nas lojas: era o sonho de ver um canal direto, sem intermediação, que somente traria benefícios para o negócio. Um momento difícil foi não ter tido êxito na minha primeira tentativa em fazer essa integração. As empresas e seus processos não estavam completamente prontos para esse casamento. O recuo, a nova preparação e a minha obstinação de construir uma cadeia totalmente integrada como modelo de negócio mostraram que eu estava no caminho certo de um modelo vitorioso.
Como é a sua rotina? Soube que aos 84 anos vai diariamente à fábrica. O senhor se impôs uma data para parar?
Minha rotina é simples, mas muito disciplinada. Além da atenção e preocupação geral com os principais assuntos da empresa, cumpro meu ritual diário de “tomar conta” daquilo que considero mais importante no nosso negócio: o produto, aquele que diariamente abastece todas as nossas lojas. Não defini nenhuma data para parar. Minhas energias serão o limite da minha atuação.
Como o senhor definiria o ato de empreender no Brasil?
Essa é uma tarefa das mais penosas. São anos e anos de muita dedicação e determinação para superar as dificuldades impostas pela legislação brasileira, pelo ônus da pesada carga tributária, pelas barreiras fiscais e por toda essa complexidade burocrática que nos toma um tempo precioso e atrapalha quem quer crescer e gerar progresso.
Deixando de lado o fato de o Flávio Rocha ser seu filho, que nota o senhor daria para ele como presidente da Riachuelo?
Eu estou satisfeito com a condução de Flávio à frente da Riachuelo e lhe atribuo a nota máxima. Considero uma grande virtude sua espelhar-se na minha experiência.
Reportagem publicada na edição 8, lançada em abril de 2013
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