Nos anos 1980, no pequeno município paulista de Ribeirão Pires, Lady Vailante, fundadora da loja de perucas Lady Laces, nascia em um berço que respirava empreendedorismo. Seus pais não eram donos de grandes empresas – bem longe disso -, mas enquanto a mãe vendia pipoca e salgadinho na rodoviária da cidade, também mostrava, a cada nova operação, que o único item essencial para agir era a vontade.
Foi nesse ambiente que Lady cresceu: lembrada, todos os dias, de que ter seu próprio negócio era possível, mesmo que fosse como ambulante. Aos dez anos, parou de acompanhar a mãe no trabalho diário para participar do projeto Guardinha Mirim, que recrutava crianças e as incluía no mercado de trabalho da região. A maioria das vagas era em bancos ou lojas, e foi aí que Lady, já uma vendedora nata, incrementou suas táticas de convencimento. “Eu já vendi praticamente tudo o que é possível vender. Amo o desafio de convencer o cliente a adquirir o meu produto”, conta a empreendedora.
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Lady fez parte do projeto até a idade limite, 14 anos, quando foi formalmente contratada pela loja na qual atuava. Até os 35, continuou vendendo os mais variados produtos. Foi apenas quando a sua segunda filha nasceu, que ela se permitiu desacelerar. Mente – quase vazia -, oficina de novas oportunidades: foi exatamente nesse momento de calmaria que nasceu a Lady Laces.
No carnaval de 2015, Lady hospedou uma amiga em casa após os desfiles de rua. “Quando ela foi tomar banho, simplesmente tirou o cabelo. Eu fiquei em choque, ri e falei: Você está se desmontando?’. Então ela me explicou que aquilo era uma lace wigs”, relembra. “Enquanto ela tomava banho, eu coloquei o adereço na cabeça e tirei várias fotos. Ainda fiquei meio presa ao preconceito de que aquilo era uma peruca, muito associada a doenças, mas comecei a pesquisar mais, ver fotos de celebridades adeptas do acessório e me dei conta de que não vendia no Brasil.”
Ela explica que as laces vestem como uma toca. “Serve desde a cabeça feminina até a masculina e têm uma elasticidade que permite que todo mundo use. São apenas três minutos para colocar.” Uma opção rápida e fácil de deixar os cabelos bonitos sem investir horas em salões de beleza ou tratamentos químicos agressivos. Era o acessório perfeito para a própria empreendedora, que na época passava por uma transição capilar e buscava algo que a ajudasse na autoestima. “Com 35 anos e 15 de alongamentos químicos, já tinha danificado muito o meu cabelo, resultado de um excesso de tração do fio. Procurava algo que me empoderasse e não me fizesse mais escrava da manutenção”, conta. Aquele adorno parecia ser o combo perfeito.
A princípio, Lady importou algumas peças dos Estados Unidos. Quando chegou, ficou maravilhada. “Coloquei fotos nas redes sociais e minhas próprias amigas começaram a perguntar o que era aquilo. Num impulso, falei: ‘Estou vendendo’. Mas nem sabia por onde começar”, conta. O instinto de vendedora, em repouso por menos de um ano, aflorou novamente. “Uma coisa é comprar para você, outra é estruturar um negócio.” Assim, meio no susto, começou a aceitar encomendas. “Eu recebia metade do valor do cliente, fazia a encomenda, e aí me pagavam a outra metade quando o produto chegava. Esse era o meu lucro por peça.” E foi assim por um ano inteiro.
EXPANSÃO
Em 2016, a empresa finalmente ganhou forma. As encomendas deram lugar à pronta entrega. A produção caseira migrou para um escritório em Santo André, no ABC Paulista, e a empresa passou a contar com consultores espalhados pelo Brasil. A clientela também mudou: de amigas para um exército de mulheres, graças às indicações. Agora, em 2020, o projeto que nasceu de um instinto já conta com um time de 12 pessoas e registra recordes de vendas: em plena pandemia, entre os meses de abril e julho, faturou cerca de R$ 80 mil.
Lady conta que nos primeiros meses esperava vender apenas algumas dúzias de cabelos por mês, gerando uma renda de até R$ 2 mil para ajudar nas contas da casa. A proporção alcançada não foi algo imaginado – quando percebeu, já estava esquematizando formas de importação de laces em grande quantidade. “Os acessórios são produzidos na Ásia, vão para os Estados Unidos e só então seguem para o Brasil.” Lady explica que compra tanto de empresas norte-americanas quanto de revendedoras instaladas aqui. “Em seguida, tudo sai do nosso depósito e é distribuído pelo país, às vezes até pela Europa.”
Talvez um dos principais protagonistas desse movimento tenha sido a estratégia digital. Logo nos primeiros anos de negócio, antes das lives terem o destaque que ganharam na pandemia, Lady já explorava a tecnologia em sua página no Facebook. “A peruca é um negócio muito pessoal, difícil de comprar online. Então eu criei uma forma de entrar na casa das clientes para mostrar os produtos: as lives”, conta. “Elas são como um programa. Gravo três vezes por semana episódios com duas horas de duração nos quais apresento cerca de 70, 80 modelos, além de tirar dúvidas, interagir e dar dicas.” Após a transmissão, os consumidores podem comprar direto no site ou entrar em contato com os consultores de plantão.
Essa sacada de marketing foi um grande marco para a Lady Laces. “Logo que criei a página na rede social, conquistei muito engajamento orgânico. Foi nessa época que recebi o convite de uma emissora de televisão para colocar meus acessórios em cinco programas. Ali eu conheci clientes como a Sabrina Sato e a Jojo Toddynho”, conta. Segundo a empreendedora, um divisor de águas para o conhecimento do público sobre o que é um lace. “Quando uma celebridade adota e assume o uso da peruca, rompe o preconceito.”
Durante a pandemia, essa percepção ficou ainda mais forte. Com os salões de cabelereiro fechados por conta do isolamento social, a procura por uma opção prática para deixar os cabelos bonitos fez com que a audiência das lives aumentasse, chegando a 2 milhões de visualizações. “A pandemia foi uma surpresa. Quando ela chegou, eu falei para os consultores apertarem os cintos nas finanças. Mas, de repente, nossa audiência triplicou.”
Por sorte ou por instinto, Lady estava preparada para esse pico. Com medo do fechamento das fronteiras, a empreendedora comprou muitos acessórios para fazer estoque durante a pandemia. “No momento em que poderia recuar, eu arrisquei”, conta. “Se eu não estocasse, não teria condição de fazer mais nada. É questão de entender o mercado e não ter medo de empreender.”
O MERCADO DA AUTOESTIMA
A empreendedora explica que as peças custam de R$ 150 a R$ 4 mil, e que essa diferença de valores leva em conta o material utilizado – cabelo humano ou sintético -, e até o nível de utilização do acessório no dia a dia, já que existem peças próprias para exercícios físicos, contato com a água e festas. “O preço médio das peças feitas com cabelo humano é de R$ 2 mil, enquanto as de cabelo sintético ficam ao redor de R$ 400.”
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Embora exista essa diferença de qualidade e valor do produto, uma coisa é igual em todos os acessórios: o poder de transformação. “Eu tenho 14 perucas”, conta Lady. “Posso transitar entre ser ruiva, loira, morena, ter cabelo curto, longo, médio. Tudo na mesma semana. Quando você descobre que pode mudar, se liberta.” A empreendedora acredita que esse seja um sentimento comum entre aquelas que começam a explorar as laces. “Nossas clientes não param em uma peça só. Em pelo menos três meses elas voltam querendo outro modelo.”
Para Lady, isso acontece por conta da “injeção de autoestima” que os acessórios propiciam. “Apenas 10% da minha clientela estão passando por algum tratamento. 90% querem uma mudança estética”, revela. Com a maior parte da clientela de mulheres negras, ela conta que a insegurança com o cabelo crespo começa desde muito cedo. “O bullying leva a sequelas na vida adulta. Corremos para alisar e caber num padrão. Pensamos: ‘Eu podia ser igual a Beyoncé’. E realmente você pode.”
A partir do feedback das clientes, que postam fotos e interagem na plataforma do Facebook, Lady percebe que vende “autoestima em caixinha”. Seu próprio contato com as laces ocorreu por conta dessa caça por empoderamento. “Atrás da busca por um novo cabelo, tem todo um histórico emocional”, finaliza.
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