Adam Rogas foi encurralado. Até aquela tarde quente de Las Vegas em 1º de setembro, ele era a única pessoa em sua empresa –batizada de NS8-– com acesso a uma das duas contas bancárias para onde toda a receita de clientes era enviada. Mas, nas semanas anteriores, os executivos da startup de software de fraude cibernética começaram a fazer perguntas sobre quanto dinheiro ele realmente tinha.
Após pressão para mostrar esses extratos bancários, ele concordou em se encontrar com o vice-presidente de finanças do NS8 em uma agência do Bank of America em Charleston Boulevard, onde ele entregaria as credenciais de login da conta, de acordo com pessoas com conhecimento do assunto.
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Mas minutos antes do horário agendado para a reunião, o conselho da NS8 recebeu um e-mail de Rogas anunciando sua renúncia como CEO.
A NS8 está agora em processo de fechamento, depois de demitir a maioria de seus mais de 200 funcionários recentemente. Alguns de seus investidores de primeira linha, que investiram mais de US$ 150 milhões na companhia, informaram a seus parceiros que pode haver pouca ou nenhuma recuperação financeira.
Para aqueles que ficaram se perguntando o que aconteceu com uma das startups de tecnologia mais quentes de Las Vegas, alguns questionamentos foram respondidos na última quinta-feira (17), quando Rogas foi preso pelo FBI em Las Vegas. O homem de 43 anos foi acusado de fraude pelo Departamento de Justiça e pela Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês), sob alegação de que ele tinha fabricado extratos bancários e enganado investidores durante anos. Ele enfrenta penas de até 20 anos de prisão e deve comparecer ao tribunal na sexta-feira (25).
Recentemente, em junho, Rogas havia alegadamente compartilhado extratos bancários falsificados mostrando a funcionários e investidores que a empresa tinha US$ 62 milhões na conta. De acordo com a reclamação da SEC, o valor real estava perto de US$ 28 mil. Tal engano permitiu que Rogas embolsasse mais de US$ 17,5 milhões vendendo suas ações a investidores em abril, afirma o órgão.
Em comunicação com a Forbes antes de sua prisão, Rogas disse que os investidores pressionaram para comprar mais ações da empresa depois que ela quase ficou sem dinheiro em setembro de 2019. Ele continuou dizendo que havia deixado a empresa por motivos pessoais e familiares. “Eu simplesmente não conseguia mais fazer isso e sabia que não tinha o necessário para voltar ao meu conselho e conquistar outros investidores para levantar mais fundos e manter a empresa funcionando e avançando”, escreveu ele via LinkedIn.
Em comunicado, a porta-voz da NS8, Genevieve Haldeman, disse que a investigação federal está em andamento, embora ninguém mais tenha sido acusado. Após uma averiguação interna, disse ela, o conselho soube que “grande parte da receita da empresa e das informações de clientes foram fabricadas por Rogas”.
Mas alguns dos antigos funcionários da NS8 disseram à Forbes que há algum tempo vinham levantando bandeiras para os executivos da empresa sobre grandes discrepâncias em seus números financeiros. “Eu vinha dizendo há algum tempo que a NS8 é uma aldeia Potemkin” –expressão que define qualquer construção cujo único objetivo é proporcionar uma fachada para fraudes, por exemplo– disse Matt Zehner, ex-diretor de vendas que falou aos executivos em junho que acreditava que a companhia poderia estar envolvida em fraudes.
Além das ações de Rogas, permanecem dúvidas sobre como investidores de alto perfil –incluindo Lightspeed Venture Partners, Sorenson Capital Partners e AXA Venture Partners– não perceberam sinais de que a NS8 estava supostamente cometendo fraude enquanto despejavam milhões de dólares na empresa.
Esse ponto ficou ainda mais destacado depois que a SEC divulgou que estava investigando a NS8 desde dezembro de 2019, quatro meses antes de a empresa receber US$ 73 milhões em uma rodada de financiamento liderada pela Lightspeed para comprar ações existentes, incluindo os US$ 17,5 milhões pagos a Rogas.
Nem a AXA nem a Lightspeed responderam a perguntas sobre o conhecimento de que a NS8 estava sob investigação no momento de seu recente investimento nem informaram qual diligência foi feita. A Sorenson Capital também não respondeu aos pedidos de comentários.
A Lightspeed disse em um comunicado que “acredita que nós e outros investidores fomos enganados no processo de due diligence e fomos fraudados em milhões de dólares”.
Para os ex-funcionários da NS8, que agora se encontram desempregados no meio da pandemia de Covid-19, a supervisão dos investidores é desconcertante. “A Lightspeed Ventures, eles são ricos –para eles, isso é uma gota no oceano”, diz Zehner, o ex-funcionário. “Mas ainda assim eles deveriam ter feito a devida diligência. Eu garanto que a cabeça de alguém deve estar rolando por lá.”
Antes da NS8, Rogas tinha um histórico aparentemente sólido. Ele ocupou cargos executivos em uma empresa de marketing médico e depois em uma de hospedagem de sites e, em 2012, lançou uma companhia com sede em Las Vegas chamada Catch5, que afirmava prevenir fraudes de publicidade. Embora a Catch5 não tenha decolado, serviu como plataforma de lançamento para a NS8, que ele cofundou em 2016.
Ele era visto como um programador talentoso na NS8 e, até recentemente, era muito querido. “Sempre gostei de trabalhar com ele”, diz um funcionário sênior que se reportava à Rogas semanalmente. “Se ele fosse um cara superinteligente, mas antipático como pessoa, ou um cara estranho talvez eu diria ‘sim, faz sentido’.” O funcionário acrescenta: “Parece o golpe perfeito”.
A personalidade despreocupada de Rogas também conquistou investidores. Em 2017, a NS8 arrecadou US$ 7,5 milhões em uma rodada de financiamento inicial liderada pela Arbor Ventures. O produto era uma ferramenta de software para pequenas e médias empresas que afirmava usar análise de dados para detectar fraudes em transações de comércio eletrônico. Parte da chave para o suposto sucesso da NS8 dependia dos programas de parceria que mantinha com as principais plataformas de comércio eletrônico, como Shopify e Magento, que recomendariam o produto para seus próprios comerciantes.
Mas, desde o estágio inicial, Rogas supostamente relatava declarações financeiras falsas aos investidores. Sua capacidade de ocultar a alegada fraude dependia do fato de que ele tinha acesso exclusivo à conta da NS8 com o Bank of America, para onde a empresa enviava pagamentos e receitas de clientes; a empresa não empregava um diretor financeiro. (Uma conta separada com o Silicon Valley Bank, usada para operações e dinheiro de investidores, foi acessada por várias pessoas.)
A partir de janeiro de 2018, Rogas supostamente adulterou os extratos do Bank of America para mostrar os números da receita que foram bastante inflados. Em setembro de 2019, mesmo mês em que a NS8 cresceu US$ 50 milhões, seus extratos bancários falsos mostravam US$ 23,7 milhões. De acordo com a SEC, o número real era US$ 5.636.
No final de 2019, as autoridades já estavam investigando a NS8. A empresa, Rogas e dois outros executivos receberam intimações da SEC em dezembro solicitando informações relacionadas a alegações de que investidores foram enganados –uma investigação que a companhia acreditava ter sido desencadeada por uma denúncia anônima, de acordo com documentos internos.
O momento não poderia ter sido pior. Rogas estava em negociações para levantar outra grande rodada de financiamento liderada pela Lightspeed Venture Partners –um negócio em que ele poderia vender milhões de dólares em ações de volta aos investidores. Antes de entregar o capital, a Lightspeed contratou a firma de contabilidade EY para conduzir a due diligence, disseram à Forbes pessoas com conhecimento direto da rodada de financiamento.
Apesar da pressão da investigação da SEC –a agência emitiu outra rodada de intimações em março–, Rogas continuou manipulando os extratos bancários. De acordo com a SEC, quando um consultor encontrou discrepâncias no extrato bancário da NS8 em março, Rogas supostamente corrigiu o extrato para incluir um depósito falso de US$ 1 milhão, reforçando o saldo.
Na mesma época, os funcionários –mantidos no escuro sobre a investigação da SEC– começavam a fazer perguntas. Em um memorando enviado a vários executivos no início de junho, Zehner, o ex-diretor de vendas, usou dados da SalesForce para mostrar que quase 70% dos “parceiros” da NS8 –empresas que supostamente direcionavam os clientes para a companhia de softwares– nunca se comunicaram diretamente com a empresa.
“Se eu fui capaz de descobrir essas evidências em uma auditoria rudimentar, imagine o que um potencial parceiro de aquisição descobriria!” Zehner escreveu. “A princípio, estou inclinado a supor que somos vítimas de um elaborado esquema de fraude.”
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Zehner diz que nunca recebeu nenhum feedback sobre o assunto; a NS8 não respondeu. Mas oito dias depois de enviar o memorando, a empresa anunciou o fechamento de uma rodada de financiamento de US$ 123 milhões liderada pela Lightspeed –um negócio que permitiu à Rogas embolsar US$ 17,5 milhões com a venda de ações.
A EY, cujo presidente recentemente pediu que os auditores desempenhem um papel maior na detecção de fraudes depois que a empresa foi envolvida em um grande escândalo na startup de pagamentos alemã Wirecard, em que US$ 2 bilhões desapareceram, se recusou a comentar sobre sua devida diligência com a NS8 porque “é um assunto do cliente.”
Os executivos restantes da NS8, entretanto, estão tentando lidar com as consequências. Uma semana depois que Rogas não compareceu ao banco de Las Vegas e renunciou, a nova CEO, Tiffany Kleemann, apareceu em uma ligação no Zoom para dar a notícia aos funcionários de que eles estavam sendo demitidos sem indenização.
Desatando a chorar, Kleemann disse aos funcionários que eles haviam sido enganados por Rogas. “Eu vim para esta empresa depois de ouvir várias coisas ditas por Rogas”, disse Kleemann, de acordo com uma gravação obtida pela Forbes. “O resultado final é que provavelmente mentiram para alguns de nós.”
Kleemann, que ingressou na NS8 em junho como presidente, disse ainda que a investigação da SEC ainda está em andamento. “Podemos pelo menos concordar”, disse ela, “que se houver qualquer delito, esse indivíduo, ou esses indivíduos, serão responsabilizados.”
Brandon Storms, um ex-gerente de desenvolvimento de negócios da NS8, disse à Forbes que não conseguiu dormir desde que perdeu o emprego. Ele acrescenta: “É muito difícil para mim acreditar que ninguém sabia o que estava acontecendo.”
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