Morar longe do barulho, da poluição, da violência, do trânsito e, agora, do maior risco de contágio das grandes cidades. Trabalhar em um terraço ensolarado, perto da família, olhando as árvores, os pássaros, as montanhas ou o mar azul.
O que parecia sonho de uma noite de verão está se tornando realidade em alta velocidade – e ainda mal chegamos ao inverno. “Empurrada” pela pandemia do novo coronavírus e pelas mudanças comportamentais e profissionais que dela decorrem, muitas famílias estão trocando a “velha” praticidade do endereço nos centros urbanos, “perto de tudo”, para reconstruir a vida em lugares mais afastados, sem abrir mão do luxo e do conforto.
Até pouquíssimo tempo atrás, casas de campo ou de praia eram imóveis destinados basicamente ao lazer e ao tempo livre, nos fins de semana ou nas férias – ou eram tratadas como refúgio derradeiro de idosos e aposentados. A Covid-19 e o boom do uso da tecnologia em quarentenas e lockdowns ao redor do mundo mudaram essas premissas. Milhões de profissionais perceberam que podem trabalhar tão bem ou melhor em suas casas do que nos escritórios – e com mais segurança, produtividade e prazer.
Álvaro Coelho da Fonseca, presidente de uma das mais importantes imobiliárias do país (que leva seu sobrenome), participou de todas as etapas do lançamento de alguns dos empreendimentos de campo mais bem-sucedidos do interior de São Paulo, como a Quinta da Baroneza (entre Itatiba e Bragança Paulista, a 90 km da capital), o Haras Larissa (em Monte Mor, a 120 km de distância) e a Fazenda Boa Vista (em Porto Feliz, a 112 km). Ele afirma que os primeiros movimentos dessa transição foram feitos por famílias de renda mais alta, que trocaram a cidade por belas casas de
campo com muito espaço para as crianças crescerem próximo à natureza e longe do caos urbano, sem prejuízo para a vida profissional dos pais. “No Haras Larissa, por exemplo, quase 90% dos proprietários são jovens casais com filhos pequenos. Muitos ainda não moram definitivamente lá, mas já passam mais dias da semana no campo do que na cidade, um comportamento bem diferente das gerações anteriores”, afirma Álvaro.
O público dos três empreendimentos, prossegue ele, é o mesmo: o que muda é a preferência pelos diferentes estilos. “A Boa Vista tem um estilo mais formal, o Hotel Fasano permite um relacionamento diferente; a Quinta da Baroneza agrada aos golfistas e àqueles que preferem uma tranquilidade maior; já o Haras Larissa é voltado para quem aprecia mais o campo propriamente dito”, explica. Os preços dos imóveis em todos eles têm valores mínimos entre R$ 7 milhões e R$ 10 milhões.
Dez para um
Os primeiros impactos da pandemia foram sentidos logo no início de março, quando a procura para locação de imóveis no campo e na praia aumentou em larga escala. Segundo os números da Coelho da Fonseca, há em média dez pessoas disputando o mesmo imóvel, “comportamento raro” fora da temporada de férias escolares ou dos feriados de fim de ano.
A JHSF sentiu os mesmos efeitos. Responsável pelo empreendimento da Fazenda Boa Vista, a empresa viu a procura aumentar em 143% no primeiro trimestre de 2020, quando comparado ao mesmo período do ano anterior, de acordo com Thiago Alonso de Oliveira, CEO da JHSF. “A Fazenda Boa Vista nunca esteve tão cheia. Vemos famílias de São Paulo que se mudaram para lá e que de lá estão tocando seus negócios, os filhos estudando de forma remota… Tudo isso é possível porque o empreendimento tem uma infraestrutura similar à de uma cidade grande”, afirma Thiago.
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Favorecida (sem querer) pelo timing, a empresa lançou em dezembro do ano passado um novo projeto, o Boa Vista Village, ao lado da Fazenda. “A construção e o lançamento têm oito fases e investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão”, diz o CEO. O projeto inclui a construção de edifícios de dois ou três andares com apartamentos a partir de 133 metros quadrados. Ele também aposta no novo comportamento do consumidor principalmente depois da pandemia. “A qualidade de vida no campo é ótima, e a flexibilidade do home office vai mudar a forma como as pessoas vão levar a vida daqui para a frente. Esse tipo de imóvel passou a ser visto como uma opção não só para o fim de semana, mas para a primeira moradia”, completa.
Tanto mar
A praia também tem se transformado em lar permanente de muitas famílias. No litoral próximo à cidade de São Paulo, no município do Guarujá (a 95 km da capital), está localizado um complexo de condomínios de alto padrão, como o condomínio das Praias do Iporanga e São Pedro, onde as casas chegam a valer mais de R$ 30 milhões.
Lígia Costa, sócia e diretora de operações da imobiliária Costa César – que é especializada na compra, venda e locação de imóveis em Iporanga e São Pedro –, afirma que, além de a procura ter aumentado, outra mudança significativa foi o próprio comportamento dos proprietários. “Muitos imóveis que estavam para locação foram imediatamente retirados do mercado e os próprios proprietários passaram a ocupar as casas para se refugiar da pandemia”, diz ela.
Apesar das restrições temporárias de acesso ao Guarujá, Lígia acredita que o período pós-pandemia será muito positivo – durante o período de isolamento, a procura já superou a do final de ano. “Passamos por um período no qual era impossível viajar, hospedar-se em hotéis… Ficamos trancados em casa, e é inevitável passarmos a valorizar cada vez mais os refúgios próximos à cidade, de onde possamos trabalhar e ao mesmo tempo estar com a família”, analisa.
Se a tendência de fuga para o campo e a praia está mais do que clara, por que não juntar as duas coisas no mesmo lugar? Foi essa a estratégia da KSM, responsável pela expansão da Fazenda da Grama, condomínio de luxo a 20 km de Campinas e a 70 km de São Paulo: a incorporadora decidiu construir uma praia em pleno interior paulista. Oscar Segall, o empresário à frente da KSM, explica que os condomínios de casas de campo, como era a Fazenda da Grama, tendem a não agradar todos os públicos, principalmente jovens e adolescentes. “Uma praia na Fazenda da Grama resolve o problema da distância entre a cidade e a praia e agrada os adolescentes e os surfistas, dando a eles mais uma possibilidade de esporte e diversão”, diz Oscar.
A praia será implantada em uma área de 91 mil metros quadrados com tecnologia da empresa espanhola Wavegarden, capaz de produzir, com o apertar de um botão, uma onda a cada 8 segundos, com 0,5 a 2 metros e diferentes graus de dificuldade. A KSM fez um investimento inicial de cerca de R$ 70 milhões e projeta um aporte total de R$ 280 milhões, o que promoveu uma valorização relevante dos lotes e imóveis que já existiam no condomínio Fazenda da Grama, lançado em 2004. Hoje os lotes partem de um preço mínimo de R$ 2 milhões; as casas prontas valem cerca de R$ 10 milhões.
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Oscar prevê que as casas da futura Praia da Grama vão servir não só como segunda moradia, mas, em muitos casos, como endereço principal. “É muito perto da cidade, fica a 45 minutos da Avenida Faria Lima, e as cidades vizinhas têm ótimas escolas. Além disso, o home office passou a ser uma ideia extremamente pertinente no momento que estamos vivendo.”
O êxodo apontado pelos especialistas ouvidos nesta reportagem é um dos inesperados efeitos colaterais do coronavírus. Outros virão.
Edição: José Vicente Bernardo
Reportagem publicada na edição 78, lançada em junho de 2020
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