No auge da quarentena italiana em abril, fábricas foram fechadas em todo o país. Mas em Piombino Dese, uma pequena cidade a cerca de 30 quilômetros de Veneza, as pesadas máquinas de corte de vidro da Stevanato Group continuavam funcionando, fabricando milhões de ampolas e seringas. Centenas de funcionários usaram máscaras para trabalhar 24 horas por dia em três turnos diários, sete dias por semana. Eles fizeram de tudo, desde cartuchos de caneta de insulina a barris de vidro em miniatura e (o que é mais importante) milhões de frascos de fluidos estéreis minúsculos, cada um menor que 30 ml, que um dia irão conter doses de uma vacina para Covid-19.
“Todos os sábados e domingos, mesmo na Páscoa, ia trabalhar ao lado de meus funcionários para mostrar que estávamos nas trincheiras também”, diz Franco Stevanato, o CEO de 46 anos do grupo e neto do fundador, Giovanni.
As vacinas, como a maioria dos medicamentos injetáveis, precisam ser embaladas em vidro esterilizado. O vidro é essencialmente impermeável para gases como o oxigênio. Até mesmo plástico de alta qualidade deixa um pouco de ar passar. Fazer esses frascos era um grande negócio antes mesmo de a Covid-19 aparecer em janeiro. No ano passado, a indústria farmacêutica global comprou cerca de 12 bilhões de frascos. A Stevanato Group, uma empresa familiar de 71 anos, forneceu mais de dois bilhões deles (a empresa também é a maior fabricante mundial de cartuchos para canetas de insulina). Uma vacina para Covid-19, que provavelmente terá de ser administrada em duas injeções separadas, exigirá bilhões de frascos adicionais. A empresa espera que a pandemia aumente a demanda por seus frascos de vidro em 20% nos próximos dois anos.
“De forma proativa, começamos a fornecer aos nossos clientes tudo o que eles queriam [para lutar] contra a Covid-19”, diz Franco. “Não havia estratégia mágica. Tentamos agir com rapidez e assumimos riscos enormes ao antecipar alguns investimentos, porque era o momento certo para fazê-lo.”
O vidro em si é comprado de grandes empresas como Corning e Schott, mas a Stevanato faz todo o resto. Eles projetam os frascos, constroem as máquinas que fabricam e esterilizam os recipientes, além de trabalhar com reguladores médicos em 150 mercados diferentes em todo o mundo. E muitos de seus clientes usam máquinas feitas pela Stevanato para embalar os medicamentos antes de enviá-los para farmácias e hospitais.
Essas máquinas são um diferencial importante. Em 2007, quando a gigante farmacêutica francesa Sanofi precisava de um suprimento de seringas estéreis que pudessem chegar rapidamente ao mercado, a Stevanato desenvolveu uma seringa pronta para uso que não exigia esterilização adicional. A empresa construiu suas próprias máquinas para lavar e esterilizar as seringas e patenteou todo o processo, criando uma linha de produtos que hoje é uma das mais lucrativas da companhia.
“Eles realmente valorizam a qualidade e os clientes. Eles conectam as necessidades dos clientes aos seus produtos”, diz Ron Verkleeren, que gerencia a divisão de ciências da vida da Corning Inc e trabalha com a Stevanato desde 2011. “Isso realmente os diferencia da concorrência.”
É um negócio sólido, talvez até espetacular. Em 2019, a Stevanato Group lucrou US$ 47 milhões e teve US$ 675 milhões em vendas. A Forbes estima que Sergio Stevanato, o presidente da empresa de 77 anos e filho do fundador, possui uma participação de 68%, no valor de US$ 1,8 bilhão. Os filhos de Sergio, Franco (o CEO) e Marco, o vice-presidente de 47 anos, administram o lugar agora. Cada um possui 16%, valendo mais de US$ 400 milhões cada um.
Grandes mudanças estão acontecendo. Em junho, o grupo levantou US$ 59 milhões em uma arrecadação de dívida privada, a primeira vez que a empresa buscou financiamento externo. Eles planejam usar o dinheiro para desenvolver dispositivos médicos vestíveis e máquinas para montá-los automaticamente. A família também tem planos de abrir o capital da empresa nos próximos três anos.
“Os bancos com os quais trabalhamos querem que façamos o IPO mais cedo, mas quero fazê-lo quando tiver certeza, independentemente da Covid-19”, diz Franco.
A Stevanato está se preparando para uma vacina contra Covid-19 há meses. A empresa contratou mais de 580 novos trabalhadores nos primeiros seis meses de 2020. No final de junho, assinou um acordo com a Coalizão da Noruega para Preparação para Epidemias e Inovações (CEPI, na sigla em inglês), um grupo apoiado pela Fundação Gates que está ajudando no desenvolvimento de nove projetos de vacina diferentes contra a Covid-19, incluindo esforços da Moderna (sediada em Boston) e da Universidade de Oxford para fornecer 100 milhões de frascos de vidro de borosilicato para até dois bilhões de doses de vacina.
O vidro de borosilicato pode suportar temperaturas muito mais altas do que outros tipos e é mais resistente a produtos químicos externos, o que o torna o material preferido para medicamentos sensíveis como vacinas. A Stevanato também está fornecendo produtos para vários outros esforços significativos que atualmente não pode divulgar, além de outros 30 em estágios iniciais de desenvolvimento. Ao todo, isso é mais de um quinto das 176 vacinas em desenvolvimento em todo o mundo.
“Conversamos com todos os produtores de vidro e a Stevanato Group era a única empresa que ainda tinha capacidade de produção de vidro não comprometida”, disse Jim Robinson, vice-presidente do comitê consultivo científico do CEPI. “Eles tinham o que todos queriam.”
As vacinas enfrentam barreiras regulatórias muito mais rígidas do que a maioria dos outros medicamentos e precisam ser armazenadas em frascos e seringas de vidro estéreis, diz Verkleeren da Corning. “Muitas drogas se degradam na presença de oxigênio. Levaria milhões de anos para uma molécula de oxigênio permear o vidro e alguns minutos para passar pelo plástico”, diz ele. “Qualidade e esterilidade são muito, muito importantes, porque se não for estéril, ou houver um problema de qualidade e você estiver injetando algo no corpo, pode ser muito, muito sério.”
A Stevanato Group foi fundada nos arredores de Veneza (uma cidade com uma longa tradição de produzir vidros) em 1949 para fazer garrafas de vinho e perfume. A empresa, originalmente chamada Soffieria Stella, cresceu com o rápido desenvolvimento da economia italiana do pós-guerra. Em 1959, eles precisavam de mais espaço, então se mudaram para Piombino Dese, uma cidade industrial situada na confluência de cinco rios.
Quando os produtores de alimentos começaram a mudar para o plástico na década de 1960, Giovanni Stevanato assumiu o risco e dobrou a produção de vidro, desenvolvendo uma máquina capaz de produzir rapidamente recipientes de tubos de vidro em grande escala. A máquina 3BS, em homenagem a Stevanato e seus três coinventores (Bormioli, Bottaro e Bardelli) permitiu à empresa dobrar a produção e atingir um novo mercado: a crescente indústria farmacêutica. No início da década de 1970, a família fechou totalmente a Soffieria Stella, consolidando sua mudança de foco para embalagens de vidro médico.
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“As primeiras décadas foram muito difíceis”, diz Franco, principalmente porque a família evitava investimentos externos. Mas a empresa seguiu crescendo. “Ao fabricar nossas próprias máquinas, poderíamos produzir 50% a 60% mais do que nossos concorrentes. Como meu pai reinvestiu todos os nossos lucros na empresa, pudemos desenvolver nossa tecnologia mais rápido do que os outros. [Eles] compravam sua tecnologia na Alemanha, mas conseguimos dobrar a produção com o mesmo número de funcionários.”
Franco e Marco entraram na empresa da família em 1998, na casa dos 20 anos, dois anos após a morte de Giovanni. A primeira tarefa do dia: rejeitar uma série de ofertas de aquisição de concorrentes maiores. A segunda: expandir a empresa no cenário internacional. Em 2008, a família abriu sua primeira fábrica no exterior, em Monterrey, no México, buscando atingir o mercado norte-americano. A Stevanato agora possui uma rede de 12 fábricas em quatro continentes. Em 2016, o grupo entrou nos Estados Unidos pela primeira vez, por meio da aquisição da empresa alemã de embalagens plásticas Balda por US$ 112 milhões, que possui duas instalações no sul da Califórnia.
Uma vantagem de fornecer pacotes complexos e especialmente projetados é que eles são patenteados e incluídos no processo de aprovação regulamentar para novos medicamentos, o que significa que as empresas farmacêuticas devem usar as embalagens da empresa durante a vida útil do produto. De acordo com Aaron DeGagne, analista de saúde da Morningstar, isso garante efetivamente lucros por décadas, porque os produtores de medicamentos muitas vezes continuam a usar a mesma embalagem, mesmo depois que a patente do medicamento expira e ele se torna um medicamento genérico.
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Girando entre os dedos uma elegante caneta de insulina feita pela Stevanato durante uma entrevista por vídeo, Franco descreve um futuro no qual sua empresa familiar se expandirá para produtos mais complexos. “Agora temos canetas de insulina, mas amanhã os aparelhos serão mais automedicantes, analisadores e muito mais evoluídos”, explica. Por exemplo, um paciente com câncer pode ser capaz de autoadministrar infusões de remédios em casa. “Este é o grande desafio em que queremos mergulhar nos próximos 10 a 20 anos.”
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