Em 1º de março, enquanto Kat Taylor se reunia com milhares de outras pessoas para marchar pela Ponte Edmund Pettus em Selma, no Alabama, no 55º aniversário do Domingo Sangrento, cantou a música “Do Right Woman, Do Right Man”, de Aretha Franklin. Atualmente, Kat é mais conhecida como a esposa do ativista bilionário pela mudança climática e ex-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos Tom Steyer. Mas no mundo do investimento de impacto, ela é famosa por seus próprios méritos pela amplitude e ambição de seus esforços, bem como por seus dotes musicais. Na verdade, os esforços de Kat são a grande razão pela qual o casal está na lista Impacto 50 de 2020 da Forbes.
Em 2007, Kat e Steyer lançaram uma ideia da qual já estavam discutindo por anos: usar uma fundação de caridade para construir um banco que emprestaria para organizações sem fins lucrativos e empresas benfeitoras, redirecionando os lucros às suas causas de caridade ambientais e comunitárias. Com Kat como CEO, o Beneficial State Bank cresceu e se tornou uma instituição de US$ 1,1 bilhão com 13 filiais, de Washington ao sul da Califórnia. O casal doou US$ 110 milhões em caridade no Beneficial, que tem US$ 760 milhões em empréstimos pendentes para seu mercado-alvo, embora ainda não tenha pago dividendos à fundação. Em janeiro, Kat deixou o cargo de CEO e se tornou presidente do Beneficial.
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Enquanto isso, Kat está em busca de mais um novo projeto ambiental: transformar a fazenda de criação de gado alimentado a pasto de 1.800 acres a cerca de 64 km ao sul de San Francisco, que pertence ao casal, em um modelo de agricultura “regenerativa”, com foco em qualidade da água e da terra. Antes da pandemia do novo coronavírus, a Fazenda TomKat, adquirida em 2002, tinha vendas constantes de sua principal marca de carne bovina, a LeftCoast Grassfed, coletando dados sobre a saúde do solo, realizando oficinas no local e pressionando grandes compradores como escolas e hospitais a exigir alimentos regenerativos. Com o período de instabilidade e distanciamento social, ela passou a realizar webinars e doou galinhas e galinheiros a idosos com dificuldades financeiras e a bancos de alimentos. Embora o casal tenha investido dezenas de milhões na fazenda, ela ainda não deu lucro.
E há o que Kat espera que se torne seu maior jogo de impacto de todos. Em 2013, ela cofundou a Radicle Impact, uma empresa de capital de risco com fins lucrativos com objetivo de investir em “boa comida, bom dinheiro e bom clima”. Até agora, a Radicle investiu US$ 45 milhões, quase inteiramente por Kat e Steyer, em 27 empresas de portfólio –de fintechs como LendUp e Aspiration à empresa agrícola local Hudson Valley Harvest e Aclima, que cria redes de detecção de poluição, e UrbanFootprint, de software planejamento urbano. Em última instância, Kat espera investir US$ 1 bilhão em dinheiro de impacto, tanto da fortuna de sua família como de investidores externos, por meio da Radicle –e ganhar dinheiro de verdade fazendo isso.
Ativismo
Kat traça sua veia ativista ao assistir ao noticiário com seus pais desde que ela tinha cinco anos e ver pela TV o assassinato de John F. Kennedy, marchas pelos direitos civis, protestos contra a guerra e o funeral de Martin Luther King Jr. “Eu sabia que algo muito negativo existia na sociedade norte-americana e que estávamos tentando viver sem questionar isso”, diz ela.
Tendo crescido no condado de San Mateo, Califórnia, Kat teve uma infância privilegiada, seu avô materno era o CEO do Crocker National Bank de São Francisco. Além disso, Kat sempre teve como inspiração sua mãe que era ambientalista. Depois de frequentar uma escola preparatória privada em Harvard, ela viajou ao redor do mundo por alguns anos e foi para Stanford para um MBA de quatro anos e um programa de graduação em Direito.
Em seus estudando em Harvard, Kat pensou que ela se tornaria uma advogada. Mas em vez disso, apenas alguns meses após sua formatura em Stanford, ela se casou com seu colega de MBA, Steyer, e foi trabalhar para a Wells Fargo. Após 14 meses no emprego, aos 29 anos, ela se demitiu para se tornar dona de casa.
Enquanto Steyer construía a Farallon Capital, seu fundo de hedge, Kat alimentava seu apetite ativista em conselhos sem fins lucrativos –uma rádio pública e um grupo de reforma prisional. Mas sua vida mudou drasticamente em 2004 com a reeleição de George W. Bush e com os planos frustrados de Steyer trabalhar com John Kerry. “Como não aconteceu, ficamos em dúvida do que íamos fazer. Até que Steyer disse: ‘Talvez seja hora de abrir aquele banco; temos dinheiro suficiente para fazer isso’”, lembra Kat.
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Em junho de 2007, o casal doou US$ 22,5 milhões para uma fundação como capital inicial para abrir um banco com o objetivo específico de melhorar as oportunidades econômicas e a educação financeira para comunidades de baixa e média renda na área da Baía de São Francisco. Mais tarde, eles aumentaram seu compromisso de caridade para ter aquisição e crescimento orgânico. Desde o início, Kat garantiu que pelo menos 75% dos empréstimos do Beneficial fossem para organizações que promovem alguma ação social, como moradia acessível, justiça social e sustentabilidade ambiental, ou para empresas lideradas por mulheres ou minorias.
Estratégia
Os empréstimos, no entanto, têm limitações, e Kat rapidamente percebeu isso. Ela teve de recusar pedidos a uma série de empreendedores promissores porque seus perfis de crédito eram muito arriscados para o fundo de investimento do banco. Foi quando Kat começou a pensar sobre a necessidade de uma estratégia integrada de capital de impacto, incluindo não apenas empréstimos e filantropia, mas também investimentos em capital de risco.
“Os sistemas em que estamos trabalhando são complexos e sem soluções únicas”, diz Kat. “Para conseguirmos mudar a desigualdade, precisamos mudar a dinâmica. As comunidades desinvestidas que foram mais prejudicadas podem exigir subsídios para construir capacidade de absorção de capital, mas também merecem capital produtivo para o desenvolvimento, controle e propriedade da comunidade.” Em outras palavras, Kat planejava uma ação integrada maior que apenas dinheiro.
Assim, ela começou a fazer alguns investimentos de capital de risco por meio da Beneficial, como colocar dinheiro em um fundo de energia limpa com liderança negra. Depois de se familiarizar e fazer contatos no mundo de capital de risco, ela começou a construir seu nome. Reuniu uma equipe de quatro sócios, incluindo ela mesma, e investiu cerca de US$ 25 milhões na Radicle Impact, que tem fins lucrativos.
“Assim como o banco está tentando mudar o sistema para sempre, a Radicle está tentando ser uma boa empresa de risco com valores alinhados”, diz ela. Além de apoiar companhias que acreditam na promoção de alimentação e sustentabilidade ambiental, a empresa tem o objetivo de levar capital para empreendedores que têm menos acesso. Mais da metade das empresas de seu portfólio têm fundadores ou CEOs que são mulheres ou apresentam diversidade racial, em comparação com um terço de todas as empresas apoiadas por capital de risco, segundo análise de dados da Crunchbase feita pelo Kauffman Fellows Research Center.
Tem-se como exemplo Darrell Jobe, fundador da Vericool, um ex-membro de gangue que abandonou a escola na oitava série e foi preso pela primeira vez aos 14 anos. Não surpreendentemente, ele enfrentou imensos obstáculos ao tentar levantar capital para sua startup de embalagens sustentáveis. Jobe aponta: “Muitas empresas olham para as invenções de embalagem, mas não querem você. Eles só querem a sua invenção.”
Quando Jobe conheceu Kat, ele conta que ela o convidou para sua casa para saber mais de sua história. No início deste ano, a Radicle liderou uma rodada da Série A de US$ 19,1 milhões para a Vericool que foi encerrada no final de março, após o início da pandemia. Sem esse financiamento, Jobe diz que ele teria de paralisar seu negócio. “Em vez de apenas falar, eles praticam esses valores e realmente fazem o que dizem que vão fazer”, diz ele. “Eles se preocupam com as pessoas e com o planeta e apenas garantindo que as coisas estejam equilibradas.”
A disposição da Radicle em fazer uma aposta antecipada nas empresas significa que seu capital –como o de qualquer investidor em estágio inicial– pode catalisar o investimento de outros. Ela se orgulha de que as empresas de seu portfólio conseguiram levantar mais de US$ 850 milhões desde o primeiro investimento. Mas, até agora, os retornos têm sido secundários em relação às ambiciosas metas de sustentabilidade e justiça social de Kat. Em vez de anunciar benchmarks como receitas para as empresas de seu portfólio, ela fala sobre métricas de impacto, como galões de água economizados ou toneladas de emissões de dióxido de carbono evitadas.
Retornos monetários
As participações do portfólio da Radicle valem atualmente cerca de 150% dos quase US$ 45 milhões que investiu, e a taxa interna de retorno anual de seu primeiro fundo é de aproximadamente 14%, em comparação com o retorno médio de 20% que a Cambridge Associates calcula para fundos de risco iniciados em 2013. É provável que a Radicle tente levantar capital adicional em 2021 e, nesse momento, visa expandir sua base de investidores além de Kat e Steyer. Enquanto o casal estava pronto para assinar com a Giving Pledge, organização de Bill Gates, Melinda Gates e Warren Buffet, que diz que irá dar “a maior parte” de seu patrimônio líquido atual de US$ 1,4 bilhão para a caridade, Kat entende que a maioria dos potenciais investidores de impacto não estão prontos para simplesmente doar sua riqueza.
Assim, Kat está pensando de forma criativa novamente sobre as maneiras pelas quais o Radicle poderia permitir que outros “mergulhassem na arena dos investimentos de impacto”, diz ela. “Estamos considerando a possibilidade de vender posições minoritárias nas empresas do portfólio que possuímos, com a permissão delas, é claro, para que alguém possa comprar um pouco de várias empresas,não arriscar muito de capital e ser diversificado.”
Polêmicas
Como seu marido, Kat não foge da polêmica. Ela é “radicalmente honesta”, diz Catha Groot, uma sócia da Radicle. Em 2018, depois que o CEO da BlackRock, Larry Fink, escreveu uma carta amplamente direcionadas a outros líderes de empresas pedindo um enfoque na melhoria da sociedade em relação aos lucros, Kat não deixou passar. “Meus padrões são ainda mais altos do que os de Fink”, escreveu ela em um artigo de opinião da ‘Conscious Company”. “Até que eu veja a ação real e a responsabilidade, estou poupando meus aplausos.” Poucos meses depois, em maio de 2018, ela renunciou ao Conselho de Supervisores de Harvard, dizendo que a escola não conseguiu se desfazer totalmente dos combustíveis fósseis, entre outros investimentos duvidosos.
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Desde então, Kat e Steyer tiraram suas próprias lições nesses testes de pureza. Enquanto Steyer vendia sua participação acionária na Farallon em 2012, ele sofreu durante sua corrida presidencial quando seu formulário de divulgação financeira mostrou que ele tinha alguns milhares de dólares investidos em uma empresa de petróleo e gás do Colorado e alguns milhões em fundos de private equity com participações em petróleo e empresas de infraestrutura de gás ou xisto. “Assim que tomamos consciência do que aconteceu, nos desvencilharmos o mais rápido que pudemos. Então, tentamos encorajar outros a fazer o mesmo”, diz ela.
Agora, o casal se livra rapidamente de qualquer conflito de interesses. Em abril, Steyer foi nomeado assessor-chefe da Força-Tarefa para Recuperação de Negócios e Empregos do governador da Califórnia, Gavin Newsom. Para evitar qualquer indício, Kat e Steyer retiraram todos os seus ativos que poderiam ser influenciados pela política da Califórnia e Kat renunciou temporariamente ao comitê de investimentos da Radicle.
O ano sabático da Radicle deixa Kat com mais tempo para seus diversos projetos filantrópicos e políticos. Por exemplo, Kat está trabalhando com legisladores da Califórnia em iniciativas para direcionar produtos agrícolas (que poderiam não ser vendidos durante a pandemia) a bancos de alimentos e para impor obrigações de transparência sobre fundos de doadores. Além disso, ela também está defendendo uma proposta para turbinar a proteção financeira do consumidor no estado, ao mesmo tempo em que administra a fazenda do casal a uma distância social segura.
Antes da pandemia, Kat havia embarcado em uma viagem de palestras por várias cidades, estimulando as pessoas a alinharem capital com valores, apontando a Radicle e o Beneficial State Bank como modelos. Atualmente, seu calendário cheio de reuniões no Zoom, em que ela prega (e canta) sobre como o capital, quando empregado com responsabilidade, pode ajudar a criar uma sociedade melhor e mais justa.
“A única certeza da sociedade será a de que realmente precisamos de filantropia”, declara ela. “É uma espécie de admissão de fracasso, porque se estivéssemos administrando a sociedade da maneira certa, não precisaríamos dar dinheiro às pessoas.”
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