Oito anos atrás, a Forbes declarou Isabel dos Santos a mulher mais rica da África, com um patrimônio estimado em US$ 3,5 bilhões. A filha do ex-presidente da Angola ficou imensamente rica em um caso clássico de como saquear um país. Com seu pai fora do cargo, seu império é uma sombra do passado, com acusações de corrupção, bens congelados por tribunais em três países diferentes e uma ação judicial reivindicando centenas de milhões de dólares em dívidas não pagas. A Forbes estima que ela não tem acesso e provavelmente não tem chance de recuperar o controle dos recursos congelados que juntos valem cerca de US$ 1,6 bilhão. Por isso, não a considera mais bilionária. A revista retirou Isabel com uma fortuna de US$ 2,2 bilhões em janeiro de 2020, da lista de 2021 pessoas mais ricas da África.
A ex-“princesa” africana não é de forma alguma uma indigente. Ela teria uma casa em uma ilha particular em Dubai, outra residência em Londres e um iate de US$ 35 milhões. Ela provavelmente tem contas bancárias e recursos que a Forbes e as autoridades legais ainda precisam rastrear. Existem rumores de que ela está dividindo seu tempo entre Dubai, onde seu marido Sindika Dokolo morreu em um acidente de mergulho em outubro, e Londres, onde o funeral de Dokolo foi realizado em novembro, na Catedral de Westminster. A porta-voz de Isabel disse que ela não quis comentar os acontecimentos.
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O caminho para a riqueza
Como a Forbes afirmou em um artigo de agosto de 2013, coescrito pelo jornalista angolano Rafael Marques de Morais, Isabel dos Santos é a filha mais velha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, que governou o país de 1979 a 2017. Enquanto ele esteve à frente de um país pobre, mas rico em petróleo, ela acumulou participações significativas em indústrias estratégicas do país, como bancos, construtoras, diamantes e telecomunicações, o que a tornou a pessoa de negócios mais influente de Angola. Mais da metade do seu património pertencia a empresas portuguesas, o que lhe oferecia credibilidade internacional. Quando a Forbes a anunciou como bilionária em janeiro de 2013, o governo divulgou a notícia como orgulho nacional, prova viva de onde o país havia chegado. (Angola foi uma ex-colônia portuguesa e conquistou a independência em 1975.)
Segundo a apuração, todos os grandes investimentos angolanos detidos por Isabel resultaram de tomadas de parcelas de uma empresas com quem ela pretendia fazer negócios no país ou de canetadas do pai presidente. Sua história foi uma rara abertura para a trágica narrativa cleptocrática que envolve países ricos em recursos de todo o mundo.
Em Portugal, as empresas em que Isabel investiu –vários bancos, um canal de televisão à cabo e uma empresa de engenharia– fecharam os olhos à questionável origem dos seus fundos de investimento, afirma Ana Gomes, ex-deputada do Parlamento Europeu e membro do Partido Socialista de Portugal (e atualmente candidata à presidência de Portugal). “Quando ela comprou participações em bancos em Portugal eu dizia ‘qual é a origem do dinheiro? Por que você está permitindo que ela lave dinheiro através do nosso sistema?’” A política levou detalhes da suposta lavagem de dinheiro às autoridades judiciais portuguesas em 2016. Desde então, nenhuma ação foi tomada em resposta.
No início de 2020, Isabel processou Ana por difamação em um tribunal português. Ela discordou do fato de a ex-deputada ter tuitado e ido à TV dizendo que o banco dos Santos era uma máquina de lavar dinheiro. A ex-bilionária perdeu o caso, mas os advogados recorreram da decisão.
Ruínas do castelo
O império de Isabel começou a ruir sob a liderança do novo presidente da Angola, João Lourenço, que assumiu o cargo em setembro de 2017, após a aposentadoria do pai de Isabel. Lourenço prometeu atacar a corrupção, após a Transparência Internacional ter classificado o país como um dos mais corruptos do mundo. Dois meses após o seu mandato, ele demitiu Isabel como chefe da empresa estatal de petróleo Sonangol, cargo ao qual ela foi nomeada durante o governo de seu em junho de 2016.
Mas a maior mudança veio em dezembro de 2019. Como parte de uma investigação de corrupção, o tribunal angolano congelou recursos no país que pertenciam a Isabel e seu marido, incluindo uma participação na empresa de telecomunicações móveis Unitel e em vários bancos. O tribunal declarou que a Exem Energy BV, uma entidade detida pelos Santos e por Dokolo, havia prometido reembolsar pelo menos US$ 75 milhões devidos à Sonangol, o que não aconteceu. O tribunal afirmou ainda que o casal e um dos seus sócios comerciais fizeram com que o governo angolano perdesse pelo menos US$ 1,1 bilhão. Em janeiro de 2020, um procurador-geral da Angola acusou Isabel e Dokolo de fraude e lavagem de dinheiro. Na época, Isabel emitiu um comunicado dizendo que as acusações contra ela eram “extremamente enganosas e falsas” e que tinha sido uma “mulher de negócios privados” que “sempre agiu dentro da lei”.
Naquele mesmo mês, uma enxurrada de detalhes sobre Isabel e seus bens se tornou pública por meio do Luanda Leaks, uma coleção de mais de 700 mil documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. Uma reportagem da Forbes de 2013 confirmou que Isabel obteve participações de forma corrupta em empresas angolanas. O Luanda Leaks também destacou seus viabilizadores: empresas de consultoria e contabilidade como McKinsey e PwC, bem como um grupo de banqueiros e advogados que a ajudaram a transferir sua fortuna para o exterior. Em uma declaração de dezembro de 2020, a PwC disse que quando as alegações vieram à tona, “tomou medidas imediatas para encerrar relacionamentos com as empresas envolvidas” e que alguns funcionários seniores deixaram a empresa ou foram sujeitos a “medidas corretivas.” Um porta-voz da McKinsey disse que Isabel e outras empresas da família não fazem mais parte de sua agenda de clientes. Até o momento, nenhuma das empresas de serviços profissionais foi acusada de qualquer delito. Mesmo assim, no ano passado um regulador português investigou firmas de auditoria que trabalharam com Isabel e constatou que algumas não tomaram medidas para impedir uma possível lavagem de dinheiro.
Isabel também firmou negócios com a Forbes Media, dona da revista Forbes e da Forbes.com. A empresa com sede em Angola, Zap Midia, é titular da licença das revistas Forbes Angola e Forbes Portugal. A Zap Midia está listada no processo judicial angolano como uma das empresas cujos bens deveriam ser congelados.
Uma revelação particularmente desagradável sobre o Luanda Leaks: documentos de 2006 mostram que o marido de Isabel pagou à Sonangol apenas US$ 15 milhões por uma participação na empresa petrolífera portuguesa Galp que valia US$ 99 milhões. Essa diferença foi essencialmente resultado de um empréstimo sem juros do governo angolano. A participação na Galp, detida através da entidade registrada na Holanda Exem Energy BV, vale atualmente US$ 550 milhões. Mas as ações foram congeladas por um tribunal da Holanda, segundo o ICIJ.
Isabel está longe de ser a única pessoa em seu círculo que enriqueceu às custas do estado. A corrupção está profundamente enraizada na elite política angolana. “Alguns dos maiores vigaristas parecem ter feito um acordo de cavalheiros com Lourenço (o presidente angolano) e estão sendo deixados de fora”, diz Ricardo Soares de Oliveira, professor de política africana na Universidade de Oxford.
Congelamento de recursos
Autoridades em Portugal também tomaram medidas para recuperar os recursos controlados por Isabel. Em julho, o governo chegou ao extremo de nacionalizar a Efacec, empresa de engenharia majoritariamente pertencente a Isabel, após alegações preocupantes sobre a sobrevivência da empresa. Em abril, um tribunal português congelou sua participação de cerca de US$ 500 milhões na empresa de TV fechada e banda larga Nos. Seu investimento na Nos mostra como Isabel foi bem recebida pela elite empresarial portuguesa: ela detinha as ações por meio da ZOPT, por meio de uma parceria com a família de Belmiro de Azevedo, um respeitado bilionário português falecido em 2017. Segundo a porta-voz da Nos, os acionistas da ZOPT estão em vias de dissolução da sociedade.
Isabel também tem problemas no Reino Unido com a Unitel, da qual detém 25% das ações. A operadora de telefonia móvel angolana processou a empresária em Londres no ano passado, alegando que sua empresa holandesa, Unitel International Holdings BV, esteva em situação inadimplente em 2019, após a emissão de vários empréstimos desde 2012. A empresa está em busca de um reembolso de US$ 430 milhões.
Em resumo, os bens congelados em Angola valem cerca de US$ 300 milhões e os congelados ou nacionalizados por Portugal e pela Holanda chegariam a cerca de US$ 1,3 bilhão. As chances de Isabel recuperar esses recursos é pequena. Suas casas, iates, dinheiro e outros bens podem valer até US$ 400 milhões, ao mesmo tempo em que há US$ 430 milhões em dívidas não pagas à Unitel.
Qual o destino de todos esses processos judiciais? Em agosto, o irmão de Isabel, José Filomeno dos Santos, foi condenado a cinco anos de prisão em Angola por transferir US$ 500 milhões do fundo soberano do país que dirigia. O sistema de justiça é devagar tanto em Angola quanto em Portugal, por isso ninguém espera uma resolução rápida dos casos. “Vejo diversos processos litigiosos nos tribunais e enquanto isso o povo angolano não receberá o dinheiro que foi levado”, afirma Karina Carvalho, diretora-executiva da Transparência Internacional Portugal. “É por isso que precisamos agir na recuperação de ativos e compensação das vítimas.”
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A recuperação de recursos é uma longa jornada. Não há garantia de que os procuradores irão acordar em liberar os bens congelados para o Estado angolano. Um relatório de 2014 do Programa de Recuperação de Ativos Roubados do Banco Mundial, intitulado de “Poucos e Distantes”, relatou que existem grandes questões relacionadas à recuperação de bens. Entre 2010 e 2012, apenas US$ 147 milhões foram recuperados, em contraste com US $20 bilhões e US$ 40 bilhões que teriam sido roubados de países em desenvolvimento todos os anos.
Quando Angola anunciou as acusações contra Isabel no início de 2020, vários noticiários mencionaram que o país iria emitir um mandado de prisão internacional contra ela. Até agora, isso não aconteceu. Ela pode ir e vir livremente entre Dubai e o Reino Unido.
Mesmo assim, a vida não é a mesma de antes. “Ela foi humilhada e diminuída”, diz o professor de Oxford, Soares de Oliveira. “Isso apenas mostra que em muitos desses lugares autoritários, o poder econômico deriva do poder político, e não o contrário. No momento em que você perde o poder político, você pode ser usado e fica vulnerável.”
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