“Levar uma vida de cachorro” era, até não muito tempo atrás, sinônimo de vida difícil, cheia de privações e sofrimentos. Mas, desde que o Brasil entrou para o pódio dos países com os maiores mercados pet do mundo (junto de Estados Unidos, China e Reino Unido), o sentido da frase mudou. Hoje, com mais de 140 milhões de bichos de estimação no país, eles representam um contingente quatro vezes maior que o de crianças de até 12 anos nos lares brasileiros. E recebem tanto ou mais cuidados, carinho e atenção que a garotada.
Uma das maiores provas dessa devoção nasceu pelas mãos de Ana Paola Diniz, sobrinha de Abilio Diniz (o 17º maior bilionário do país) no município de Salto de Pirapora, a 125 quilômetros do centro de São Paulo. Apaixonada por cães – especialmente os da raça rhodesian ridgeback, apresentados a ela pelo pai, Alcides Diniz –, Ana montou o Malabo, único pet resort cinco estrelas da América Latina.
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A estrutura do Malabo seria top até mesmo para seres humanos: piscina com raia de 20 metros; campo de futebol e quadra poliesportiva de 600 metros quadrados; academia com esteira seca e hidro; pistas de corrida; stand up paddle; clínica veterinária 24 horas, dois centros cirúrgicos, maternidade e dentista; spa com massagens, ofurô, cromoterapia, ozonioterapia, fitoterapia, aromaterapia, banhos de relaxamento e secagem com secador infravermelho; tosa e “patacure”; campo de recreação com 4 mil metros quadrados; dormitórios individuais climatizados; segurança permanente; heliponto e serviço de leva e traz em carros blindados (porque se o dono quiser ficar com o pet até o último momento ao ir para um aeroporto, por exemplo, ele também estará protegido). Tudo isso numa área de 600 mil metros quadrados com mata nativa, um lago e 32 mil metros quadrados de área construída exclusivamente para os animais. O Malabo tem capacidade para abrigar 250 cães – o número de hóspedes só não é maior porque Ana Paola deixa lá seus próprios animais de estimação: nada menos que 200 pets!
O espaço, aliás, nasceu para uso próprio dessa enorme família (que já foi de 400 “filhos”), após um investimento de R$ 20 milhões. Mas uma amiga, ao ver o tamanho e a qualidade do que era oferecido ali, pediu para Ana hospedar seu pet também. Depois veio outra amiga, e o boca a boca fez o resto. A partir de 2017, o hobby virou negócio, com um investimento adicional de R$ 4 milhões e a visão mais “pé no chão” do marido de Ana, o empresário e modelo Carlos da Cruz.
Genética
Ana Paola se define mais como criadora (premiada e respeitada no Brasil e no exterior, por sinal) do que como empresária. “Se não fossem os pés no chão do meu marido, o negócio nunca decolaria”, diz ela. “Sou muito mais coração do que razão.” Essa característica explica sua paixão pelos ridgebacks. A raça tem propensão a desenvolver câncer, doença que vitimou seu pai em 2006, aos 63 anos. Ana fundou uma organização com o nome de seus pais (Fundação Alcides & Rosaura Diniz) para financiar pesquisas para o tratamento da doença e se aprofundou nos estudos da genética canina com o mesmo objetivo. “Faço o mapeamento genético dos filhotes, tento entender o comportamento das células… e acabo ficando com todos eles.” Além de se dedicar integralmente ao Malabo e aos estudos de genética, ela faz viagens a centros de criadores em outros países para networking e troca de conhecimento.
Ainda sobre o tema “saúde”, ela relata que houve momentos na pandemia em que pensou que teria que fechar as portas. Precisou reduzir a equipe para os atuais 40 colaboradores. Mas, de repente, no decorrer do primeiro semestre de 2021, a procura voltou com força total. “Estamos lotados – e contratando”, comemora Ana. “As pessoas trazem seus cachorros para passar três dias e acabam deixando sete, dez… não só pelo que veem aqui, mas também pela alegria do bichinho.” Segundo Carlos, a diária média (que varia conforme o tamanho do animal) é de R$ 165 na baixa temporada e de R$ 435 na alta, durante as férias de verão, quando o faturamento mensal chega a R$ 400 mil.
Mas seguir o coração – e não o dinheiro – é o que move Ana Paola, segundo a própria. Ela explica que, por isso, já foi chamada de ovelha negra da família: “Quando alguém pensa na família Diniz, pensa em quê? Em supermercados, varejo… Sou péssima para lidar com isso. Eu mexo com cachorro. E você não vai ver ninguém da família ‘largado’ como eu, de moletom, no meio do mato com os bichos.”
Check-up completo
“O ano que vem certamente vai ser muito bom”, aposta Carlos, pragmático. “Em 2017, o faturamento do Malabo foi de R$ 500 mil; em 2018 batemos em R$ 1,2 milhão; em 2019, R$ 1,4 milhão. Aí veio a pandemia e houve uma queda, mas a expectativa para 2021 é fechar em R$ 1,5 milhão e atingir R$ 2 milhões em 2022.” Os motivos para tal otimismo são a forte retomada percebida já em meados deste ano e o investimento do casal na parte clínica do resort, um “hospital mais bem equipado que muitos hospitais para seres humanos pelo país”.
Com tanta mordomia, os animais e seus donos criam laços duradouros com o Malabo – e sempre voltam. Com a oferta de clínica, laboratório e centro cirúrgico, os proprietários sentem-se confortáveis para contratar estadias cada vez mais prolongadas. “Em tempos normais, 70% de nossos clientes são pessoas que fazem viagens internacionais e precisam deixar seu animal aqui por um período relativamente longo, de 20 dias, um mês. E, como eles confiam plenamente em nós, nada mais natural que nesse período nós cuidemos de todos os procedimentos imprevistos e previstos – como uma castração, uma vacina anual, uma limpeza de tártaro”, diz Carlos. “Podemos fazer até um check up completo”, completa Ana. “Raio-X, ultrassom, eco, eletrocardiograma, hemogramas, exames laboratoriais… Nosso equipamento de ultrassom, por exemplo, é o mesmo do Einstein e do Sírio-Libanês.” A aposta é que o uso cada vez mais intensivo dessa infraestrutura de ponta vai aumentar o tíquete médio em pouco tempo.
O único efeito colateral adverso disso tudo é que, ao voltar para casa, muitos cães atravessam um período de baixo astral – mas logo passa. “Sem falar que, às vezes, quando o dono vem buscar, o bicho corre se esconder na minha sala…”
E para encerrar, a pergunta que não quer calar: por que Malabo?
Capital da Guiné Equatorial, na ilha de Bioco, Malabo foi berço de um dos ancestrais da raça rhodesian ridgeback, também conhecida como leão-da-rodésia (a Rodésia ficava no sul da África, hoje Zimbábue). Sua principal característica é uma faixa em forma de seta formada por pelos invertidos no dorso.
Reportagem publicada na edição 89, lançada em agosto de 2021.