Em depoimento por vídeo, publicado em seu perfil no Twitter, o líder espiritual Dalai Lama aborda a necessidade de treinar a mente. Ele explica que sentimentos negativos, como raiva, ódio e medo, são destrutivos por causa dos impactos em nossa paz interior. De acordo com o monge budista, a única forma de combatê-los é por meio do cultivo de sentimentos positivos, como compaixão, amor e paciência. Nem mesmo as orações são suficientes para nos poupar da negatividade. Precisamos treinar a mente para sustentar uma boa experiência emocional.
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Sua proposta tem implicações revolucionárias para nossas vidas pessoais e profissionais. É importante observar que sentimentos negativos costumam ocorrer quando nossos egos estão sob ameaça. Ficamos com raiva, por exemplo, quando alguém nos insulta. Ficamos com medo quando iniciamos uma negociação – e frustrados quando ela acaba indo contra nós. Odiamos com base na inveja e na vingança. Ficamos deprimidos quando somos desvalorizados.
O que Dalai Lama descreve como o “antídoto” para esses estados destrutivos é um estado expandido de consciência. Quando sentimos compaixão, gratidão, alegria e respeito, aumentamos nosso contato com a realidade. Assim, transcendemos as preocupações do ego e encontramos significado em algo maior. Treinar a mente é treinar a transcender. Cultivamos nossa capacidade de alcançar certa espiritualidade e exercitamos a alma.
Por que essa é uma perspectiva revolucionária?
Uma opção tradicional para lidar com as emoções negativas, advinda de terapias cognitivo-comportamentais, é desafiá-las de maneira ativa. Por exemplo: eu julgava a mim mesmo de forma rígida quando não conseguia atingir uma meta, mas comecei a desafiar essa auto-avaliação. Com o tempo, eu me tornei competente em analisar o meu fluxo de pensamento, interceptando ideias negativas e substituindo-as por alternativas mais construtivas. Pesquisas mostram que, além de exercitar a alma, isso pode ser útil para pessoas com depressão ou ansiedade.
Uma outra opção tradicional, voltada para o âmbito comportamental, é treinar nossos corpos para sustentarem estados incompatíveis com a nossa negatividade. Para isso, podemos aprender técnicas de relaxamento e aperfeiçoá-las por meio da prática. Quando estamos em uma situação que desperta o medo, devemos praticar esses exercícios e entrar em um estado incompatível com a negatividade imediatamente. Assim, podemos nos recompor para saber como responder às situações. Pesquisadores também consideram esse exercício extremamente útil para pessoas com problemas como estresse traumático.
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Cada uma dessas opções dá apoio ao eu interior, reduzindo ou até eliminando os pensamentos negativos. No entanto, o Dalai Lama propõe que façamos muito mais do que minimizar a negatividade, podendo treinar para sustentar novos níveis de consciência. Um exemplo é um comerciante com quem trabalhei, que ficou frustrado ao ter um prejuízo nos negócios. Com o passar do tempo, ele aprendeu a direcionar seu foco, melhorar seu fluxo de pensamentos e manter a calma quando as coisas não davam certo. Mas o que realmente transformou sua performance no trabalho foi a habilidade de ser grato mesmo com a perda. Se o comerciante pudesse entender por qual motivo sua decisão não funcionou, isso proporcionaria uma lição valiosa para o futuro. Em vez de encarar a perda como um fracasso, ele poderia aceitá-la como uma mensalidade paga pelo aprendizado. Grato pelo conhecimento, o homem teve mais energia e não ficou esgotado.
Segundo o Dalai Lama, a chave para esse treinamento é “desenvolver uma constante familiaridade” com os estados positivos. Em outras palavras, podemos tratar a vida como uma academia espiritual, na qual os obstáculos proporcionam oportunidades para exercitar sentimentos positivos. “Bons desejos não são suficientes. Devemos nos dedicar de maneira engajada”, escreve o líder espiritual. No livro que estou escrevendo atualmente, chamado “Radical Renewal”, examino tradições espirituais ao redor do mundo e sugiro que elas colaborem para nosso desenvolvimento como seres humanos ao longo de três caminhos: da alegria, da paz e do arrependimento. Cada um deles expande nosso estado de consciência. Em um sentido literal, podemos ver esses caminhos como equipamentos em nossa academia espiritual: podemos exercitar ou negligenciar cada um dele.
Dessa perspectiva, as grandes tradições espirituais do mundo são coleções de boas práticas para cultivar alegria e gratidão, paz e tranquilidade interior, arrependimento e empatia. É a isso que o Dalai Lama se refere como “uma espécie de higiene das emoções”.
Evidências científicas sugerem que tal desenvolvimento espiritual traz benefícios à saúde física e mental, incluindo produtividade e criatividade. Em estudo, os pesquisadores norte-americano Scott Barry Kaufman e Carolyn Gregoire identificaram uma série de qualidades compartilhadas por gênios da criatividade, incluindo paixão, intuição, mindfulness (que pode ser traduzido para o português como “atenção plena”) e sensibilidade. Esses aspectos se encaixam bem com a noção de higiene do Dalai Lama: são qualidades da alma, não apenas traços ou habilidades psicológicas. Segundo os autores, um elemento comum entre os indivíduos criativos é a paixão pelo trabalho, de modo que o esforço traz alegria e satisfação, em vez de esgotamento. Quando o trabalho em si se torna a fonte da transcendência, nosso foco se expande. Não estamos mais preocupados apenas em viver uma vida bem-sucedida, mas, sim, em viver uma vida plena. Quando somos apaixonados pelo que fazemos, todos os dias nos permitem sermos “dedicados de maneira engajada”.
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Já o pesquisador David Bryce Yaden descobriu que experiências transcendentes são mais comuns do que imaginamos. Um dos casos mais interessantes pesquisado é o fenômeno de “ser chamado” para um campo particular de empenho. De acordo com Yaden, esse senso extraordinário é surpreendentemente comum, ocorrendo em entre 30% e 40% da população. Além disso, Yaden também estuda o fenômeno das “epifanias morais”, quando as pessoas têm uma mudança dramática de perspectiva. Será que a “higiene das emoções”, imaginada pelo Dalai Lama, pode ser o primeiro passo para uma vida cheia de significado?
Está cada vez mais claro que, com a psicologia, podemos fazer mais do que resolver problemas emocionais. A mensagem do monge budista sugere que podemos, literalmente, treinar a nós mesmo para transcender.
Assim, os problemas do ego são mínimos quando estamos conectados à alma.