Excesso de demanda e carência de oferta: esse é o atual cenário no mercado brasileiro de trabalho na área de tecnologia. Sob tendência de alta desde bem antes da pandemia de Covid-19, o setor de TI vive um descompasso. Um levantamento feito pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), de janeiro de 2019, apontou que, para atingir a meta de dobrar o setor de software e serviços até 2024, serão necessários 420 mil novos profissionais. Se subtrairmos desse total a quantidade de especialistas que o país forma por ano, teremos, até lá, um gap de 260 mil.
A VTEX, companhia especializada em soluções tecnológicas para comércio eletrônico que se tornou o mais novo unicórnio brasileiro em setembro, juntando-se a empresas como 99, Nubank e QuintoAndar, vem detectando uma escassez principalmente no que diz respeito a engenheiros de softwares. “A tendência é que essa área cresça drasticamente. Todas as empresas vão precisar desses profissionais, mais cedo ou mais tarde, para escalar seu business”, aponta Flávia Vergili, CPO (Chief People Officer) da empresa.
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Quem também já acusou o problema foi o Itaú Unibanco que, em outubro, firmou uma parceria com a 42 São Paulo, escola de engenharia de software que, de maneira gratuita, forma human coders – profissionais capazes de resolver problemas complexos de forma autônoma, criativa e colaborativa. A iniciativa, que se estenderá até 2022, busca se antecipar à crescente demanda por profissionais da área e implementar o modelo da 42 para trazer um diferencial na formação de profissionais preparados para serem líderes na área digital no Brasil, seja por meio do empreendedorismo, seja como funcionários.
Segundo pesquisas da própria 42, há, atualmente, uma demanda anual não atendida entre 32 mil e 47 mil desenvolvedores e engenheiros de software no Brasil. Enquanto isso, a oferta por ano está entre 21 mil e 29 mil profissionais do tipo, o que significa um gap anual entre 11 mil e 19 mil. Além disso, verificou-se que 59,1% dos desenvolvedores são contratados por empresas de tecnologia, embora setores como serviços (em especial, financeiros) também demandem esses profissionais (7,1%). Thiago Charnet, diretor de tecnologia do Itaú Unibanco, comenta que, no banco, são mais de 2 mil vagas abertas para profissionais de tecnologia e o objetivo é preenchê-las até o início do próximo ano.
Outro exemplo de iniciativa nesse sentido vem do Paraná. Para combater a falta de recursos humanos na área, o TechDev, programa lançado pela Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação no Paraná (Assespro-Paraná) em parceira com a Softex, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e entidades governamentais do estado, capacitou mais de 5 mil pessoas entre janeiro e julho deste ano. Agora, além do foco na capacitação profissional, o programa terá uma outra vertente: a da inovação aberta. “É um projeto para alavancar o desenvolvimento tecnológico no Paraná, com geração de mão de obra altamente qualificada, conectando startups, pequenas e médias empresas, academia e entidades da sociedade civil que atuam com populações vulneráveis”, explica Edvar Pera Jr., diretor-executivo do núcleo de Campinas da Softex.
Enquanto o número de empregos no país caiu 2,3% entre janeiro e julho, em comparação com o mesmo período de 2019, segundo dados do Caged, as vagas de tecnologia (que incluem serviços de TI, desenvolvimento de software, in house e telecomunicações) aumentaram 1,18%, o que representa 14 mil novos postos de trabalho no período. Ainda segundo a Brasscom, em setembro deste ano, o país apresentava 1.300.865 profissionais empregados na área de tecnologia da informação. De acordo com a Glassdoor, o salário médio do engenheiro de software no Brasil é de R$ 8.702.
E, segundo os especialistas da área ouvidos pela Forbes, a situação ficou pior com a pandemia e a consequente corrida pela digitalização de negócios que, até então, só operavam no mundo físico.
Esforço mútuo
A insuficiência de mão de obra traz junto a valorização dos profissionais por parte das empresas, que estão adotando medidas para a retenção de talentos. Flávia diz que, diante do atual contexto, a contratação é cada vez mais difícil e demorada. Para além do salário, “as empresas precisam adaptar a abordagem e apresentar uma moeda de troca mais assertiva para os candidatos”. Além disso, alerta a profissional, é fundamental que as empresas se empenhem para formar internamente esses profissionais e não contem apenas com o movimento natural do mercado de trabalho, para não aprofundar ainda mais a escassez de mão de obra.
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Do lado dos profissionais, diz Flavia, é preciso estar ciente de que o currículo acadêmico já não é mais o fator determinante para a contratação – mesmo em cargos técnicos. Os recrutadores estão, a cada dia que passa, dando mais valor para outros aspectos – as chamadas soft skills, ou habilidades comportamentais.
Segundo uma corrente crescente de especialistas em recursos humanos, o equilíbrio entre a formação técnica e comportamental é o que faz diferença na performance do profissional. Flávia diz que o raciocínio lógico, essencial para as áreas de software e produto, não deve ficar restrito apenas ao conhecimento matemático, mas deve transcender em técnicas fluídas de resolução de problemas, capacidade de planejamento e análises.
No caso específico de software e produtos, por exemplo, são exigidos dos candidatos testes combinados com a interpretação do profissional, que não necessariamente têm uma resposta certa ou errada. Segundo a executiva, esse tipo de ferramenta permite revelar o nível de análise estratégica do profissional, além valorizar a criatividade e a inovação na empresa. “O Brasil amadureceu muito no digital, especialmente no comércio, e isso mudou também a percepção de como fazemos as coisas e de como criamos processos mais estratégico”.
Confira, na galeria a seguir, 6 dicas de Flávia Vergili, CPO da VTEX, e de Thiago Charnet, do Itaú Unibanco, que podem ajudar quem está pensando em ocupar uma das vagas disponíveis em engenharia de software no Brasil:
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Creative DJ/Getty Images Seja autodidata
Para Charnet, não se pode depender única e exclusivamente de alguém que ensine – a força de vontade e a curiosidade devem estar sempre alinhadas. A tecnologia é uma área que está constantemente na mira das mudanças e ter um bom profissional com a capacidade de contribuir é essencial para a dinâmica do trabalho. A performance profissional já não se satisfaz apenas com a formação acadêmica, e se aventurar e conhecer outras áreas torna-se uma habilidade essencial.
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Luiz Alvarez/Getty Images Treine raciocínio lógico
“Transformar exercícios e jogos que estimulam esta área em um hábito pode se revelar muito útil na construção de bons algoritmos, que são parte fundamental de um bom software”, aconselha o diretor de tecnologia do Itaú. Diante da agilidade necessária para a área de tecnologia, ter o cérebro treinado e pronto para agir é essencial. No entanto, ele não deve ficar restrito apenas às áreas matemáticas e deve incluir, por exemplo, resolução de problemas, capacidade de planejamento e análise de sistemas, aponta Flávia.
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Gilaxia/Getty Images Coloque o conhecimento em prática
Mesmo que não esteja trabalhando ainda, colocar o conhecimento em prática faz parte do aprendizado e, segundo Charnet, “é um componente imprescindível”. “Sempre tem alguém precisando de ajuda com algo relacionado à tecnologia: amigos, pequenos comércios no seu bairro ou um portal de e-commerce”, diz. Além disso, o diretor comenta que outra forma de praticar é a partir da contribuição com códigos de softwares abertos disponíveis na internet. Por não possuírem custo de licença, eles oferecem a oportunidade de um maior investimento em serviços e formação, garantindo um retorno dos investimentos maior e melhor.
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Fizkes/Getty Images Entenda o que o consumidor quer
Para Charnet, qualquer profissional de TI deve ter a preocupação de fornecer uma experiência acertada para quem irá consumir o software ou o produto. Para além de oferecer disponibilidade do serviço, é preciso apresentar uma boa interface com o cliente e saber manusear bem os dados que são criados.
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Drazen/Getty Images Seja ousado
Diante das transformações do mundo digital, Flavia aponta que não é mais possível ter uma mentalidade restrita sobre as coisas. “2 + 2, às vezes, acaba não sendo 4 porque, atualmente, temos muitas variáveis no meio do caminho”, diz a CPO. Por mais que os profissionais tenham suas preferências, conhecer mais sobre outras disciplinas que fazem fronteira com o conhecimento é essencial para o desenvolvimento da carreira. Segundo a executiva, a mentalidade do passado já não se conecta mais com a mentalidade de hoje.
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GarryBurchell/Compassionate Eye Foundation/Getty Images Compreenda os objetivos da empresa
O protagonismo da engenharia de software no período de pandemia exigiu grande adaptabilidade e trabalho em equipe. Para Flávia, a comunicação assertiva revelou-se um pilar importante, e não apenas em momentos de crise. Assim, compreender os objetivos e valores da empresa é a diferença para a transformação para além do digital e desenvolve no profissional a autonomia de criação e atuação. “Quando temos liberdade profissional, o trabalhador tem o poder de errar e ter novas ideias, agindo de forma ativa diretamente naquilo que buscam na empresa. Esse é o profissional do futuro”, acredita.
Seja autodidata
Para Charnet, não se pode depender única e exclusivamente de alguém que ensine – a força de vontade e a curiosidade devem estar sempre alinhadas. A tecnologia é uma área que está constantemente na mira das mudanças e ter um bom profissional com a capacidade de contribuir é essencial para a dinâmica do trabalho. A performance profissional já não se satisfaz apenas com a formação acadêmica, e se aventurar e conhecer outras áreas torna-se uma habilidade essencial.
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