Há 177 anos, o francês Adrien Étienne Pierre, conhecido como Conde de Gasparin, refletia sobre o significado dos animais para a vida no planeta em seu livro “Cours d`Agriculture” (Curso de Agricultura, em tradução livre, sem versão em português). Na época, o nobre propôs uma separação científica e intelectual entre a produção agrícola e a criação de espécies domésticas no Instituto Agronômico de Versalhes. Dois anos mais tarde, nascia a profissão de zootecnista.
No Brasil, a história é mais recente. Documentos oficiais mostram que esse ramo da ciência ganhou espaço no país a partir de 1951, quando intelectuais da Exposição Nacional de Gado Zebu, conhecida internacionalmente como ExpoZebu, fundaram a Sociedade Brasileira de Zootecnia. A entidade contava com professores de instituições tradicionais, como a UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz).
LEIA MAIS: Lideranças femininas veem mais diversidade e inclusão no agronegócio
Hoje, já são mais de 35 mil profissionais em atuação no Brasil e 18 mil alunos matriculados nos cursos de graduação. O setor também é um dos que mais gera novos empregos no país. De acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o agronegócio foi responsável por criar 60.575 novas vagas de trabalho no primeiro trimestre de 2021, sendo quase 10 mil delas destinadas à pecuária, principal área de atuação dos zootecnistas.
“O mercado atual de produtos de origem animal está aquecido, e as empresas têm contratado zootecnistas devido ao contínuo crescimento da produção. Somos os maiores exportadores de carne bovina do mundo e temos uma das maiores produções de frango e suínos, também com vendas expressivas para outros países. Sem dúvida, é um mercado de trabalho muito amplo e ativo”, explica a coordenadora do curso de zootecnia da FZEA-USP, Sarita Bonagurio Gallo.
O que faz, na prática, um zootecnista
O profissional dessa área é capacitado para atuar em todos os elos da cadeia produtiva de espécies domésticas, sendo responsável também pela produção sustentável de alimentos de origem animal, como explica o professor associado do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, Fabyano Fonseca e Silva. “O zootecnista trabalha principalmente com a alimentação [nutrição] dos animais, com a estruturação e planejamento do ambiente em que os mesmos são criados – pensando, inclusive, no bem-estar – e com a seleção das espécies com melhor desempenho genético”, explica. “Na indústria, esses profissionais podem atuar em laticínios, frigoríficos, produção de alimentos e insumos, marketing, desenvolvimento de produtos e análises econômicas e de mercado, entre outras áreas”, complementa Sarita.
“A zootecnia também tem a ambição de compreender as relações animais, suas utilidades e serviços úteis ao homem de forma tecnicamente eficiente, economicamente viável, socialmente justa, ambientalmente correta e eticamente adequada”, salienta Marinaldo Divino Ribeiro, professor do departamento de zootecnia da Universidade Federal de Goiás e atual presidente da ABZ (Associação Brasileira de Zootecnistas).
Na prática, as oportunidades profissionais costumam estar voltadas ao agronegócio, onde as funções mais requisitadas são a de consultores técnicos para nutrição e pastagens, geneticistas em empresas especializadas na produção e comercialização de animais, responsáveis técnicos em laticínios e frigorífico e gestores de empresas e de propriedades rurais. Em relação ao mercado nacional, uma das diferenças – além da vasta demanda – é o tipo de animal tratado na pecuária. “Os principais animais de produção no Brasil são os bovinos de corte, bovinos de leite, avicultura de postura ou corte e suinocultura. Mas o zootecnista também atua com búfalos, ovelhas, cabras, equinos, coelhos, bichos da seda, cachorros, gatos, organismos aquáticos [aquicultura] e vários animais silvestres”, afirma a coordenadora da FZEA-USP.
Uma dúvida que também acomete interessados no setor é sobre a diferença entre a zootecnia e a veterinária. De acordo com Roberto Sainz, PhD e professor emérito de zootecnia da Universidade da Califórnia, as duas profissões, apesar de terem pontos em comum na grade curricular, são distintas na atuação. “Diferente do veterinário, que trata da saúde e dos aspectos da reprodução, o zootecnista também mexe com o manejo e a administração da propriedade rural, entre outras funções”, explica.
Por onde começar?
A graduação em zootecnia tem duração média de cinco anos e, atualmente, é ofertada em 115 instituições, públicas e privadas, segundo dados do Ministério da Educação. De acordo com o resultado do último Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), apenas quatro universidades alcançaram a nota máxima: Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal da Bahia (UFB), Universidade Federal de Goiás (UFG – campus Jataí) e Universidade Federal de Lavras (UFL).
Com o vasto campo de atuação, as especializações se tornam uma boa opção para evoluir na carreira, incluindo pós-graduações, doutorados e mestrados. Para Roberto Sainz, a área de nutrição é uma das mais requisitadas, uma vez que os empregadores exigem cada vez mais um atendimento personalizado e super qualificado nessa área. O professor também chama a atenção para especializações voltadas à genética e ao bem-estar animal, que impactam diretamente na qualidade da carne.
Já pensando no futuro, a dica de Fonseca e Silva é a especialização em zootecnia de precisão, área que engloba a atuação do profissional no desenvolvimento de tecnologias que miram a automação de processos, como o monitoramento dos animais. “O destaque vai para o uso de aplicativos, câmeras, sensores, drones e dados de sistemas de informações geográficas [satélites]”, afirma. O estudo do manejo de animais silvestres é outra possibilidade com vistas ao mercado crescente no Brasil, bem como especializações voltadas para a produção sustentável, como a integração lavoura-pecuária, explica o professor da UFV.
Remuneração
Em relação aos ganhos, vale a clássica resposta do mercado: depende. “É difícil cravar um valor, pois as áreas de atuação são muito diferentes. Quem trabalha na indústria tem um salário, na propriedade rural a referência é outra, assim como nas entidades estatais. O tempo de serviço e a capacidade técnica também interferem nos ganhos”, diz Sarita. No entanto, o presidente da ABZ explica que a legislação brasileira prevê que os zootecnistas disponham dos mesmos benefícios de remuneração de profissionais diplomados em engenharia, química, arquitetura, agronomia e veterinária. “A legislação do setor regulamenta que, para atividades ou tarefas com exigência de seis horas diárias de serviço, a remuneração deve ser de, no mínimo, seis vezes o maior salário-mínimo comum vigente no país, desde que os profissionais tenham se formado em escolas de zootecnia em que o curso tenha duração igual ou superior a quatro anos”, afirma. A partir dessa definição, conclui-se que o piso salarial de um profissional da área deve ficar em torno de R$ 6.270.
Para além do Brasil, as oportunidades também são muitas. Os especialistas concordam que o crescimento da população mundial aumentará a demanda por alimentos de origem animal, ao mesmo tempo que os consumidores ficam cada vez mais exigentes sobre questões sustentáveis e ambientais. Por fim, fica para o zootecnista o desafio de conciliar os dois mundos. “A internacionalização das informações está moldando o profissional moderno. Hoje, precisamos atuar de forma multidisciplinar nas soluções de problemas”, finaliza Fonseca e Silva.
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Siga Forbes Money no Telegram e tenha acesso a notícias do mercado financeiro em primeira mão
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.