No início do mês, Elon Musk anunciou ao mundo durante o programa “Saturday Night Live” que foi diagnosticado com síndrome de Asperger. No seu monólogo, ele disse algo realmente perspicaz.
“Para qualquer um que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os carros elétricos e estou mandando pessoas para Marte em um foguete. Você achou mesmo que eu fosse um cara normal?”.
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A sua fala foi autodepreciativa e bem-humorada, com Musk compartilhando percepções pessoais diante das câmeras enquanto recebia provocações da sua mãe sobre ser um nerd de tecnologia.
Para muitos neurodiversos, esta foi uma ótima notícia. Um líder mundialmente famoso, conhecido pela criatividade e pelas transformações inovadoras admitiu seu transtorno e passou a somar em uma lista crescente de empresários famosos, atletas e ativistas portadores de TEA (Transtorno do Espectro do Autismo).
No entanto, também vi um grande número de reclamações nas redes sociais sobre a performance do empresário. Alguns dos seus comentários anteriores sobre o autismo foram contestados publicamente e nem todo mundo gostou do seu modo de agir. Elon Musk é uma pessoa que divide opiniões – para dizer o mínimo – principalmente porque ele não se encaixa perfeitamente na figura de um herói e nem na de um vilão, algo raro em uma época onde o pensamento polarizado se tornou tão comum. Por esse motivo, queria desvendar um pouco mais a reação do público e considerar nossas atitudes em relação a líderes imperfeitos.
Identidade de fachada
Como uma figura pública, Musk forjou seu próprio caminho: o idealismo de esquerda aqui e o corporativismo de direita ali, somado a uma capacidade internalizada para despontar. Nem tudo é bom ou ruim, mas e seguir suas próprias crenças e não modificar seus objetivos para se encaixar em um paradigma dominante? O que poderia ser mais neurodiverso do que isso?
Para aqueles que não estão familiarizados com as críticas que ele recebeu, deixe-me atualizá-los. Algumas pessoas estão questionando o uso da palavra “Asperger”, que faz relação com a eugenia. Isso porque alguns autistas sentem que o termo segregou o transtorno desnecessariamente em categorias dignas e não dignas. Também testemunhei uma reação negativa à ideia de “admitir” a Asperger, como se isso fosse de alguma forma uma confissão vergonhosa ou algo que deveria ser escondido. Musk também está envolvido em uma busca pela cura dos transtornos do espectro, o que é profundamente ofensivo para muitas pessoas.
Outros estão apontando para o discurso político em que ele se engajou recentemente, questionando as vacinas e os conselhos de saúde em torno da pandemia, muitos dos quais ele refutou agora. Críticas também foram feitas sobre suas práticas de negócios, como aceitar empréstimos de investimentos sociais do governo e, ao mesmo tempo, ser contra redes de segurança social financiadas pelo estado, além do sentimento anti-sindical e muito mais.
Nas redes sociais, nós ainda não encontramos um equilíbrio saudável entre a cultura do cancelamento e as consequências naturais de uma ação. Desafiar e responsabilizar as pessoas é um bom serviço para a comunidade, mas destruí-las não.
A discussão levantada quando Elon Musk se apresentou como um neurodiverso é algo bom de se fazer. Todas as perguntas em volta do tema abordam o discurso do empresário e a criação de uma liderança empresarial boa e ética, mas o tom de alguns questionamentos foi longe demais para mim. Não devemos manter os líderes autistas em um padrão mais elevado do que os neurotípicos; podemos permitir que eles lutem, falhem e reiniciem da mesma forma que fazemos com os banqueiros e os políticos. Expor qualquer liderança de minoria, seja ela feminina ou pessoas portadora de deficiência, a um escrutínio aprimorado simplesmente em virtude do seu caratér incomum é discriminação sistêmica.
Em alguns círculos, tenho visto essas conversas se transformarem na rejeição indiscriminada da experiência de Musk com a Asperger (continuarei a usar o termo para descrevê-lo, pois é assim que ele se descreve) e em autores que procuram distanciá-lo completamente do autismo. Em outras conversas, vi líderes mais jovens da neurodiversidade serem castigados por quererem comemorar seu anúncio e por gostar de ter um exemplo de colega bem-sucedido. Isso é profundamente incongruente com o modelo que almeja abrir espaço para a diferença.
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Líderes não são gurus
Neurodiversidades são as variações naturais do cérebro que promovem diferenças nas habilidades dos seres humanos. Os neurotípicos tendem a ser bastante consistentes na maioria dos empreendimentos. Já os neurodiversos podem apresentar grandes disparidades entre o que fazem bem e o que consideram difícil. Isso pode fazer de nós especialistas em algumas coisas, mas não em tudo. E é aí que nossa interseção com a liderança pode causar uma cisão no mundo corporativo do século 21.
No mundo de hoje, confundimos líderes com gurus. Queremos colocá-los em um pedestal e tê-los como heróis – seres perfeitos em uma meritocracia em que seu poder e influência são o resultado de ser e fazer apenas coisas boas.
Somos muito duros com nossos líderes quando estes cometem erros, ao mesmo passo em que somos rápidos em descartá-los quando descobrimos algo de que não gostamos. Levamos nossos líderes de heróis a nada no espaço de um tuíte e somos insensíveis às nuances. Ignoramos a realidade de que o progresso nunca é uma linha reta e que deve haver espaço para os seres humanos aprenderem e melhorarem, até mesmo quando se está no topo.
Não tenho certeza se isso é sábio. Será que a liderança deve ser reservada apenas para aqueles que alcançam o auge do desenvolvimento humano em seu intelecto, personalidade, habilidades sociais, estilo de comunicação, desenvolvimento moral? Devemos remover os privilégios de liderança daqueles que falham em uma ou mais dessas dimensões? Isso significa que apenas pessoas neurotípicas com habilidades lineares e personalidade média podem comandar?
Mesmo que isso fosse possível, ainda assim iriamos fracassar, já que discordamos sobre como é o desempenho ideal dos líderes. Em comparações transculturais, o que uma sociedade considera o “líder perfeito” está sujeito a muitas variações, enquanto a tendência atual de um líder aberto para a escuta é apenas isso – uma tendência. Traços como inteligência e abertura para a experiência são mais consistentes, mas aspectos como a agradabilidade são muito mais específicos ao contexto. Às vezes, os humanos idealizam líderes tirânicos que são focados na tarefa e, em outras ocasiões, gostamos de líderes sensíveis que são focados nas pessoas. Depende.
Eu tenho falado com uma série de líderes de alto nível que são autistas ou portadores de TDAH sobre por que não há mais executivos que são abertamente neurodiversos trabalhando em círculos corporativos. Acho que a reação a revelação de Musk no “Saturday Night Live” diz tudo, para ser honesta. Precisamos estar mais confortáveis aceitando especialistas em círculos de liderança.
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Duas verdades podem coexistir?
Como CEO, sou uma líder terrivelmente falha se deixada por minha própria conta, mas em parceria com meus colegas de confiança, formamos uma grande equipe. Acredito que isso seja verdade para muitas empresas, não apenas as neurodiversas, e que colocar suas esperanças em uma única pessoa é algo um tanto ingênuo. Colocamos líderes em pedestais e depois nos sentimos traídos quando descobrimos que são pessoas normais e imperfeitas.
Por exemplo, é possível que Elon Musk seja um cientista brilhante e um empregador duro. Ele tem pontos de vista que alguns consideram de esquerda e outros de direita. Ele pode ter internalizado aptidões, embora também acredite que a neurodiversidade gera criatividade. Essas duas verdades aparentemente opostas podem coexistir de uma forma que nos permite celebrar suas realizações, ao mesmo tempo em que pressionamos práticas de negócios que, embora legais, não gostamos. Ou podemos aplaudir suas realizações comerciais e questionar a frivolidade de seus esforços científicos. Podemos ter essa discussão sem falar sobre seu estado de autismo, sem ter que ficar do lado de tudo que ele faz ou de nada que ele faz.
Os humanos são criaturas complexas e fazer parte do movimento da diversidade não significa concordar com tudo o que cada um diz. A boa liderança não é sobre ter uma pessoa perfeita no topo de uma hierarquia, é sobre uma mistura de habilidades complementares – e isso é tudo que o movimento da neurodiversidade deve representar.
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