Nossas sessões começavam pontualmente às 8h nas segundas-feiras. A escolha do dia e horário foi cuidadosamente pensada: nada melhor do que iniciar a semana com paz de espírito. Em todos aqueles anos, o Zoom serviu como o nosso consultório. Seus olhos azuis Monet eram o meu farol. Naquele dia, eu estava insuportavelmente incrédula e comecei apressada:
“Por que algumas relações no trabalho precisam ser tão conflituosas? Que raiva.”
Maria Teresa, psicóloga e socióloga, segue uma linha junguiana que explora os elementos mais profundos do ser humano, observando o real em vez daquilo que é apresentado para o mundo exterior. Com uma habilidade única, construída após uma longa estrada percorrida com muita dedicação à Psico-Oncologia, ela nos conduz com maestria ao tão desejado autoconhecimento.
Minha indignação, naquela ocasião, era sobre o ego desproporcional de um colega de trabalho – conduta que não está restrita ao mundo corporativo. Qualquer humano que se comunica está sujeito a isso; dentro do escritório, de um campo de futebol, uma sala de aula ou mesmo um grupo de WhatsApp.
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“Lu, o que é felicidade para você?”, ela perguntou.
“Família, saúde, amigos, sorvete, e por aí vai”, respondi.
Claramente, o que ela esperava de mim, era muito mais do que o meu diário da quinta série. Entendi que o que estava em jogo ali era o meu arquétipo de Pollyanna (olá, positividade). Mudei de atitude, disposta a colocar em palavras e compreender toda a minha frustração e angústia. Fui buscar nas minhas referências uma resposta para a pergunta dela.
Lembrei do que diz Simone de Beauvoir: “Conhecimento próprio não é garantia de felicidade, mas isso está ao lado da felicidade e pode fornecer a coragem para lutar por ela” Ela nunca me decepciona. A coragem e a felicidade estão, sim, conectadas.
“Tristeza não tem fim/Felicidade sim/A felicidade é como a pluma/Que o vento vai levando pelo ar.” Vinícius de Moraes não teve receio algum em proclamar que a felicidade é efêmera. Impossível viver feliz o tempo todo. Concordo muito, poetinha.
Já Albert Einstein disse que “uma vida calma e modesta traz mais felicidade do que a busca do sucesso combinada com uma constante inquietação”. Que ousadia a minha questionar um gênio, mas não acho que seja tão simples assim definir felicidade.
Fui buscar uma outra visão na religião. Segundo o Evangelho, a felicidade não é algo abstrato e sem cruz, mas algo que se alcança num processo de tensões. Para Moisés, a felicidade não é sinônimo de “facilidade”. Não é possível ser feliz se não se é capaz de reconhecer a cruz e viver nas tensões que ela gera.
Cheguei aonde Maria Teresa queria.
Felicidade é gratidão
Minha terapeuta tinha acabado de participar de um congresso internacional da felicidade e estava esbanjando conhecimento sobre o assunto. A minha pergunta parecia perfeita para o momento.
“Lu, depois de três dias de palestras com os maiores líderes mundiais, ouvindo médicos, psicólogos, sociólogos, cientistas, neurocientistas e escritores debaterem sobre felicidade, posso resumir para você que felicidade é igual gratidão“. Bingo.
O funcionamento deste mecanismo é bioquímico: quando sentimos gratidão, nosso cérebro libera dopamina e serotonina, os dois neurotransmissores cruciais responsáveis por nossas emoções, e eles nos inundam de felicidade.
A psicologia nos ensina que lembramos de experiências traumáticas com maior intensidade do que das positivas. Tomamos as críticas mais a sério do que os elogios (especialmente nós, mulheres). Passamos mais tempo pensando em eventos ruins do que bons. Prestamos mais atenção às situações dolorosas porque as sentimos com mais intensidade.
Essa tendência para a negatividade é resultado da evolução humana. Os mais atentos aos perigos tinham mais chances de sobrevivência. O nome dessa tendência mental é “viés da negatividade”, estudado pelos psicólogos comportamentais Amos Tversky e Daniel Kahneman (ganhador do Nobel de Economia). Esse viés cognitivo faz com que uma relação ruim possa acabar anulando todas as coisas positivas que decorreram dela, por exemplo.
Maria Teresa me entregou numa bandeja as peças que faltavam daquele quebra-cabeça que eu estava montando.
Não consegui resolver a tensão que estava vivendo naquele momento com o tal colega, mas não pude deixar de pensar em outras situações de confronto que havia vivido no passado. Em quantas delas eu continuava a sentir mágoa, raiva e ressentimento?
Decidi que era hora de assumir a gratidão que sentia pela história de fracasso que vivi com um ex-chefe.
Jamais teria saído da empresa onde investi dez anos da minha carreira e era extremamente feliz e realizada se não estivesse tão insatisfeita. Trabalhamos juntos por menos de um ano e foi o suficiente para perceber que não concordávamos em praticamente nada. Tínhamos estilos de gestão opostos e apesar de admirar sua inteligência, não compactuava com seus valores.
O fundador da Comunicação Não Violenta, Marshall Rosenberg, definiu sabiamente que “o que os outros fazem pode ser o estímulo para nossos sentimentos, mas nunca a causa.”
Foi libertador entender finalmente que não existia certo ou errado. Éramos apenas duas pessoas tentando lidar com seus desafios profissionais e pessoais, conforme suas crenças e com suas ferramentas disponíveis. O rancor que senti durante muitos anos deu logo lugar à plenitude.
A infelicidade que estava sentindo foi o estímulo que precisava para ir ao maior e mais enriquecedor desafio profissional da minha carreira, onde tive a líder mais extraordinária e inspiradora que poderia desejar, Gretchen Colón, e a oportunidade de participar em 2017 da maior premiação de cinema do mundo, o Oscar. Leonardo di Caprio e Nicole Kidman podem confirmar a informação.
Mais do que realização profissional, aquela situação desfavorável me deu a oportunidade de viver novas experiências que mudaram a minha vida. Reconhecer os nossos sentimentos é o primeiro passo. Buscar ajudar através de autoconhecimento, e assim desenvolver um repertório emocional, é o único caminho a ser percorrido.
Se o maior objetivo da humanidade é a busca da felicidade, pratique quem você quer ser todos os dias. Não importa o que você faça, os momentos ruins serão mais frequentes e intensos (sim, a culpa é do maldito viés de negatividade). Ensine o seu cérebro a transformar seus piores sentimentos em gratidão.
Serei eternamente grata à Maria Teresa. Ela me ajudou a colar os meus pedaços, valorizando todas as minhas cicatrizes. A inspiração vem da técnica de restauração centenária japonesa kintsugi de não esconder as imperfeições do que está quebrado. (Se você não conhece, vale buscar um vídeo no YouTube. É belíssimo).
A gratidão pode impactar positivamente não apenas nossos cérebros e nossa saúde física e mental, como também nossas equipes, organizações e, consequentemente, a sociedade. Existe uma energia curadora no ato da gratidão.
Agora sim me sinto preparada para compartilhar que felicidade para mim é também tomar o meu café curto, todas as manhãs, ouvindo Nina Simone cantando “Feeling Good”.
Luciana Rodrigues é executiva C-level do setor de comunicação, mentora e conselheira.
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