No início deste mês, a consultora de criatividade Cris Naumovs, que já criou projetos para Burger King, Ambev e Havaianas, se juntou aos publicitários Marcio Santoro e Sérgio Gordilho, sócios da agência Africa Creative, para fundar a Unah. A nova empreitada, uma holding que irá investir na creator economy, vai fazer uma curadoria de criadores, influencers, produtores musicais e conectá-los com grandes corporações. “A ideia é encontrar, por exemplo, o novo Kondzilla, antes de ter milhões de seguidores, e ajudar a criar projetos sustentáveis com grandes empresas, algo que seria difícil fazer sozinho”, diz Naumovs.
Uma das características que a consultora vai usar nessa ponte entre companhias e o pessoal da creator economy é a habilidade em fazer conexões que desenvolveu ao longo da carreira – e que vai servir direitinho no novo modelo de negócios. Naumovs circula com desenvoltura pelo camarim de Maria Bethânia, frequenta a sala dos CMOs das maiores empresas do Brasil e lidera seu bloco de carnaval, o Bloco do Apego – mesmo nome da sua consultoria. “O nosso trabalho será mapear negócios novos. Por exemplo, pegar uma agência de microinfluenciadores do Nordeste e criar estrutura para que eles cheguem na Faria Lima.”
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Gordilho e Santoro serão investidores e conselheiros na nova empresa, enquanto Naumovs vai ficar na liderança da operação, como CEO. “Vimos essa parceria como uma oportunidade de criar uma conexão das marcas com os movimentos culturais que estão acontecendo no Brasil. E a Cris tem esse repertório”, diz Gordilho. Aqui, Cris Naumovs conta como fez essa virada de carreira.
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Forbes: Quando li a notícia sobre sua nova empreitada, fiquei surpresa não por sua capacidade, mas pela rapidez como você deixou uma carreira como designer de revistas, fez uma transição para ser consultora de criatividade e, hoje, está ocupando esse lugar de executiva com nomes tradicionais da publicidade. Como foi essa transição?
Cris Naumovs: Foi tudo muito rápido. Às vezes brinco com minha terapeuta que sou uma criança de 6 anos na sala de reunião da diretoria. Em 2018, com as revistas fechando, eu decidi sair do jornalismo e hoje estou aqui, algo que não planejei. A [editora] Abril estava passando por aquele tsunami, eu estava na direção da revista Cosmopolitan e pensei que não queria voltar a viver aquilo. Ao mesmo tempo, já tinha 40 anos, não era mais uma garotinha. Tinha muita experiência, mas não tinha grana guardada, então não eram muitas as opções. O primeiro trabalho que apareceu foi na consultoria Mesa, que eu amei e que me fez perceber que poderia trabalhar para empresas. E daí fui dar consultoria para a Ambev. Eu usei o que eu sei fazer bem, que é ouvir e perguntar. Tenho muitas perguntas e vou sempre recorrendo a quem sabe a resposta. E assim fui criando relações para me ajudar a tirar essas dúvidas. Acho que isso fez parte da minha transição. A minha relação com o Gordilho e o Santoro começou como uma espécie de mentoria e foi evoluindo. Eles me chamaram para conversar, fomos pensando o que poderia ser por um ano até que veio essa ideia.
F: Foi uma virada radical. Como abrir esse caminho novo na sua vida profissional?
CN: Acho que é também porque eu nunca falo “não” para oportunidades. Eu não falei quando me chamaram para ser diretora da Nova [que depois virou Cosmopolitan]. Era uma revista com uma imagem ruim. Mas eu queria saber o que era possível fazer ali. Então tem um componente que é a coragem, a curiosidade e tem um tanto de ter bom ouvido. Eu não digo “não” logo de cara, por princípio. Eu tenho vontade de ouvir o que as pessoas querem falar. E também não me coloco com superioridade moral sobre outras pessoas. Geralmente estou mais disposta a construir junto em vez de entubar em alguém a minha ideia do mundo. Tudo isso foi abrindo portas e me levando aonde estou. Minhas relações são horizontais com qualquer pessoa em qualquer posição. Mesmo porque quem é estagiária hoje pode ser a minha chefe amanhã.
F: Olhando de fora, esses cinco anos parecem que aconteceram como um passe de mágica. Obviamente não foi assim. Quais foram os componentes dessa ‘mágica’?
CN: Desde que eu me conheço profissionalmente, sempre fui muito aberta a ouvir as coisas. Mesmo. Isso é parte de quem eu sou. Quando comecei no meu primeiro emprego como designer de revista, eu nunca tinha feito revista na vida! Nunca tinha ligado um Mac! Mas aceitei o emprego, cheguei um dia para trabalhar na [revista] Trip, olhei o computador e pensei: ‘meu Deus, o mouse não tem dois botões’. Eu era web designer e usava PC, não estava acostumada com Apple. Então eu poderia ter ido embora com o rabo entre as pernas. Mas tive uma chefe que, naquele momento, olhou para mim e falou: ‘Entendi que você não sabe fazer isso. Então eu preciso que você aprenda muito rápido. Ou você vai embora hoje.’ E eu fiquei, aprendi e fui fazendo isso ao longo da minha carreira. Eu preciso experimentar, até para dizer que não quero ou que não gosto. Acho que tem essa coragem de experimentar, de não dizer não para oportunidades e também um pouco de sorte.
F: Cris, quando você saiu da direção de revistas e foi convidada para ser consultora, você não começou com pouco. Já começou com marcas imensas: Havaianas, Ambev, Burger King. Como foi esse recomeço?
CN: Sim, comecei dando consultoria para empresas muito grandes. Fui chamada para trabalhar numa espécie de in house da Ambev, que foi meu primeiro cliente. E o fato de ter começado em uma empresa desse tamanho me fez ganhar “músculo” muito rápido. E isso me ajuda a fazer o trabalho que pretendo fazer hoje, que é olhar para quem está chegando agora no mercado, a partir da minha trajetória, a pensar em como lidar com certos buracos pelos quais eu tive que passar. Levar essas empresas pequenas a trabalhar com grandes nomes de um jeito sustentável para que não sejam engolidas. Quando eu comecei com a Ambev, eu não tinha a mais vaga ideia do que fazia uma consultoria. Eu tinha passado por consultorias enquanto atuava no jornalismo, mas o que fazia uma consultora de verdade? Dei vários tropeços ali no meio do caminho, mas tive uma baita sorte porque encontrei muita gente legal.
Hoje, olhando para trás, cinco anos depois, eu consigo ver tudo isso. Mas lá naquele momento, eu não sabia como. Como faz para não ser engolida por esses gigantes? Eu acho que você tem que ter certeza absoluta do que você está fazendo e da tua verdade ali para não se perder.
F: Quais as qualidades que você vai usar nesse novo negócio?
CN: Hoje não tem ninguém fazendo isso aqui no Brasil. Acho que é um trabalho de curadoria muito difícil. Você tem que juntar muitos CPFs. Você tem que conversar com as pessoas. Você tem que entender. Não é um trabalho de LinkedIn. Não é um trabalho de headhunter. Mas eu passei muito tempo da minha carreira fazendo essas conexões, eu fazia isso naturalmente, ia apresentando e conectando pessoas, empresas, ideias. E estou muito interessada nisso desde o começo da minha migração do jornalismo. Interessada em mostrar que a criatividade está em muitos lugares, não necessariamente está trancada numa sala, num só lugar. Ela pode estar no Complexo do Alemão, ela pode estar em Madureira, ela pode estar no Porto Digital, no Recife, ela pode estar em muitos lugares. E ela também pode estar na Faria Lima. Isso é algo que vou fazer: conectar.
F: Qual é a inovação desse negócio?
CN: A gente quer fazer essa curadoria de criatividade e unir empresas grandes a criadores a quem eles não teriam acesso naturalmente. E acompanhar essas conexões e negócios para que sejam sustentáveis. Vamos procurar quem é o novo KondZilla, o novo Felipe Neto, por exemplo. Quem é essa pessoa que está juntando um pequeno ecossistema de produtores de conteúdo? São esses movimentos culturais que nos interessam, mas queremos chegar antes de eles terem 5 milhões de seguidores. E tudo isso com todo mundo ganhando, porque eu sou 100% pró-negócio. Eu não acho que tem mudança com o negócio tendo prejuízo. Precisa dar lucro.
Eu acredito de verdade, assim, que acho que dá para fazer mudança. Acho que dá para olhar para o negócio. Isso não é um projeto pró-bono. Não, o projeto precisa dar dinheiro. Então, para ter mudança, eu preciso provar que isso se faz valioso para as marcas.