É muito comum que as pessoas se espantem quando digo que trabalho com “remuneração”. Essa prática não é ensinada em nenhum curso de nível superior. Também não é uma carreira que aparece nos testes vocacionais ou na qual os pais sonham ver seus filhos atuando. Mas assim como nesta área, de fato não existe uma formação específica para cada processo corporativo. Até porque um mesmo cargo pode ter configurações e complexidades muito peculiares entre as empresas.
Dito isso, como são definidos os valores a serem pagos para cada cargo, em cada contexto organizacional?
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Alguns diriam que basta uma breve pesquisa na internet ou em uma base de dados salariais, o que pode ser muito útil para cargos mais padronizados. Mas vamos refletir sobre o C-Level, ou mesmo sobre outros níveis da estrutura que variam de complexidade entre empresas. Nesses casos, não basta comparar o título do cargo, sob pena de não se ter uma oferta suficientemente atrativa ou de crescer os custos de pessoal de forma desproporcional e insustentável.
Os fatores mais relevantes
O CEO de uma empresa com receita anual de R$ 5 bilhões teria o mesmo pacote de remuneração do que outro que gere uma receita de R$ 500 milhões? E se as duas empresas tivessem a mesma receita de R$ 5 bilhões, mas com rentabilidades de 3% ou 30%? Em condições normais, não me parece necessário, recomendável e nem possível praticar o mesmo salário.
Mas é claro que existem condições extraordinárias, que demandam estratégias diferente. Por exemplo, uma empresa menor, que tenha sido investida para construir um plano de negócio com crescimento acelerado, poderia contratar uma liderança mais robusta e, consequentemente, mais cara.
O quê, onde e como
Empresas mais ou menos complexas, atuando em uma ou em múltiplas frentes, produzindo soluções mais ou menos correlatas, demandam perfis distintos de liderança. Quanto mais complexa e distinta, maiores os desafios e maior a remuneração.
Entender o mercado, a concorrência e os clientes, além de encontrar soluções para os desafios de um negócio, fazem parte das atribuições dos administradores. Mas a complexidade desta tarefa pode variar muito, dependendo da amplitude de atuação do negócio. Atender a uma região do país traz desafios mais controlados do que atender a um país inteiro, múltiplo e diverso como o nosso. Assim como atuar em múltiplos países e culturas, com especificidades de mercado, demanda soluções ainda mais complexas.
Configurações organizacionais
A quantidade de áreas e níveis de uma organização também impacta o tamanho dos cargos. A estrutura corporativa determina onde o poder e a autoridade estão localizados, assim como a hierarquia define a ordem para a gestão e a tomada de decisões.
Na definição da remuneração, a quantidade de níveis organizacionais tem grande impacto. Quando mais líderes acima de um cargo, menor será seu peso na estrutura.
Mesmo em organizações com gestão mais horizontalizada, a decisão final sobre onde e como atuar, a definição de prioridades e a responsabilidade final pelos resultados está concentrada na liderança. Quanto mais diversificado e quanto maior a complexidade dos temas, maior também será a remuneração dos gestores. Por outro lado, quando mais segmentados estiverem os processos, menor será a remuneração de quem os executa.
Voltando às comparações, imaginemos o CFO de uma empresa de capital aberto, com múltiplas unidades de negócio, que demande alto nível de alavancagem e com grande impacto na estratégia de expansão dos negócios. Seria ele comparável ao CFO de uma empresa mais estável, monoproduto, que siga diretrizes definidas pela matriz fora do Brasil? Eu diria que não.
Perfil dos processos
Não tem jeito: carreiras analíticas são tipicamente avaliadas em níveis mais altos do que carreiras de execução de processo. O mesmo vale para áreas “core”, que impactem de forma mais definitiva no resultado, quando comparadas a áreas de suporte.
Mais fácil nem sempre é melhor
Há mais de 80 anos, consultorias ao redor do mundo vêm aprimorando modelagens de avaliação e pesagem de cargos, de forma a viabilizar uma análise cada vez mais precisa do peso entre as diferentes empresas do mercado. Esse processo pode ser simplificado, mas nunca será simplório. Ele pode ser facilitado para viabilizar sua utilização por empresas menores e mais ágeis, mas sempre terá algum nível de sofisticação.
Na prática, o que vemos em empresas que preferem comparar cargos somente pelos seus títulos (o chamado Job Matching), é que este processo acaba sendo mais qualitativo e subjetivo, com viés de conta de chegada. Ou seja, o profissional procura uma referência mais próxima da qual espera receber e a empresa procura outra que justifique a sua recomendação.
Escrevendo este texto, me lembrei de uma empresa que dava o título de “director of first impressions” (diretora de primeiras impressões) para sua recepcionista. Cargo de suma importância, mas para o qual não faria sentido pagar uma remuneração de nível executivo. Então, não adianta cortar caminhos. Só mesmo aplicando ferramentas consistentes de avaliação dos cargos será possível definir uma referência coerente de gestão salarial.
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Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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